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Há algo de errado com os concursos de inovação

Promover iniciativas do tipo virou um meio popular de engajar e motivar funcionários, em troca de incentivos para que desenvolvam e compartilhem ideias que beneficiem as organizações. O que poucos sabem é que a forma de estruturar os concursos afeta diretamente o resultado. Saiba como alcançar os objetivos desejados

Jasmijn Bol, Lisa LaViers e Jason Sandvik
23 de outubro de 2024
Há algo de errado com os concursos de inovação
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Nos Estados Unidos, a caixa de algumas marcas de fósforos têm a lixa de acendimento só de um dos lados. Mas nem sempre foi assim. Antes, havia lixas dos dois lados da caixa.

Isso mudou no início do século 20, quando um trabalhador da fabricante Swan Vesta apontou a redundância no projeto e sugeriu a redução nos custos de produção. A ideia influenciou o design de caixas de fósforos desde então, levando a milhões de dólares em economia para fabricantes.

Não raro, funcionários trazem à tona soluções criativas com potencial de ajudar suas organizações. Vão desde maneiras de tornar o processo de produção mais eficiente até ideias de novos produtos, como o Flamin’ Hot Cheetos – os salgadinhos picantes inventados por Richard Montañez, então zelador da fábrica da Frito-Lay (dona da brasileira Elma Chips), em Rancho Cucamonga, na Califórnia, EUA.

Inspirado por um vídeo em que o próprio presidente da organização incentivava os funcionários a “agir como donos”, Montañez apresentou sua receita a executivos, que aprovaram a ideia e apostaram nela. Hoje os Flamin’ Hot Cheetos são um dos produtos mais lucrativos da Frito-Lay.

Outras ideias inovadoras que surgiram dos funcionários de maneiras não tradicionais incluem o McLanche Feliz, do McDonald’s, e o jeito bem-humorado da Southwest Airlines de dar as instruções de segurança em seus voos.

Mas como as empresas podem aproveitar melhor a vasta gama de ideias que seus funcionários podem produzir?

Os concursos de incentivo à inovação conceito essencial às organizações exponenciais tornaram-se uma resposta frequente. A ideia por trás é boa, mas novas pesquisas mostram que a maneira como muitas organizações os conduzem precisa ser melhorada. Cabe às lideranças alinhar esse tipo de iniciativa aos objetivos do negócio.

Para isso, algumas decisões importantes devem ser consideradas:

  • Quem deve compor o comitê de avaliação ou ser jurado do concurso?
  • Estamos à procura de ideias úteis ou de ideias novas?
  • Devemos ter um único vencedor ou oferecer vários prêmios?

Nossa pesquisa mostra que esses fatores definem significativamente o número e a diversidade de participantes, quanto tempo eles gastam desenvolvendo as ideias, o seu tipo e qualidade.

Neste artigo, vamos explorar as implicações de cada um deles e como fazer as melhores escolhas, dependendo dos objetivos da organização.

COMO ESTRUTURAR MELHORES CONCURSOS

Nos concursos de incentivo, as melhores ideias ou projetos são premiados, e a possibilidade de vencer é o que motiva os funcionários a compartilhar as propostas com os líderes da organização. Ter isso em mente é importante para que soluções valiosas não fiquem esquecidas com a média gerência.

Outro aspecto fundamental é criar um conjunto de regras e instruções acerca de quais tipos de ideias se está buscando.

Há séculos, tais elementos motivadores e direcionadores vêm fazendo dos concursos um método popular para a captação de ideias e também para identificar pessoas com potencial no meio da multidão e inseri-las na comunidade de inovação. Até Napoleão lançou mão delas, colhendo importantes avanços na esfera militar – como a criação da comida enlatada e da margarina, o que facilitou o transporte de alimentos.

Organizações modernas seguem adotando tal ferramenta para impulsionar ideias inovadoras e potencialmente radicais. É o caso dos famosos hackathons anuais do Facebook, frequentemente citados como um de seus mais importantes propulsores de disrupção e que já lhe renderam funcionalidades como o chat e os calendários.

Embora iniciativas do tipo sejam velhas conhecidas, ainda há dúvidas quanto às melhores formas de estruturá-las. Nossa pesquisa joga luz sobre os efeitos gerados pelo modo como são projetadas.

Criatividade não é algo que se possa medir objetivamente. O que define os vencedores são apenas as opiniões dos jurados. Essa subjetividade tende a gerar incertezas nos potenciais participantes, que podem ter dificuldade de estimar suas chances de ganhar se estiverem inseguros sobre as opiniões e preferências do júri. Em contraste, em um concurso em que o vencedor é escolhido segundo critérios objetivos, é mais fácil estimar as chances de vencer e quanto esforço investir.

Com base nos resultados da nossa pesquisa, confira as três principais questões a serem consideradas ao lançar um concurso de incentivo à inovação.

1 Quem pode julgar? Nosso estudo analisou como as identidades dos jurados influenciam a participação e o esforço de quem entra em concursos de inovação.

Na medida do possível, esses indivíduos tentam se colocar no lugar dos membros do júri para prever seus gostos. E quanto mais confiantes acerca de sua capacidade de entender o que eles consideram criativo, mais seguros se sentem para avaliar suas chances de ganhar.

Fizemos um teste para verificar se os indivíduos têm maior probabilidade de participar de um concurso de compartilhamento de ideias criativas quando os jurados são mais ou menos semelhantes a elas. O resultado: a pessoas submetem mais ideias quando quem compõe o júri são seus colegas – pessoas com o mesmo cargo, cujas inclinações em relação à criatividade são mais fáceis de estimar – do que quando são seus gestores, cujas preferências são mais difíceis de prever.

2 Ideias úteis ou inovadoras? A criatividade de uma ideia baseia-se em duas características: o grau de novidade e o de utilidade. E como a tendência dos participantes é tentar prever os gostos do júri e investir no que acreditam que será mais valorizado, basicamente só existem dois tipos de ideias a serem apresentadas em competições de criatividade:

  • ideias altamente úteis, cujos benefícios tangíveis e imediatos para a organização facilitam a decisão de adotá-las e implementá-las; ou
  • ideias altamente inovadoras, que se destacam por serem originais, únicas e pouco – ou nada – convencionais, o que as tornam bem-vindas em contextos em que a inovação radical é necessária.

De acordo com nosso estudo, quando o júri é formado por gestores, as pessoas submetem mais ideias úteis por acreditar que eles priorizarão a utilidade das mesmas como forma de contrabalancear os custos de implementação. Já quando os jurados são os próprios pares, os participantes apresentam mais ideias do tipo inovador, o que tende a elevar o nível de criatividade do concurso.

Isso reflete a importância da escolha do perfil do júri e de quem fará parte dele, que, por sua vez, influencia tanto as taxas de participação no concurso quanto as características das ideias submetidas.

3 Quantos prêmios oferecer? Existe uma grande variedade de estruturas de premiação, desde aquelas com um só vencedor até modelos em que a mera participação já é reconhecida com um prêmio.

Selecionar a estrutura ideal para um concurso de incentivo é sempre importante. Mas quando o julgamento é subjetivo, como em competições de criatividade, ela se torna ainda mais relevante.

Relembre o exemplo da Maratona de Boston, cujos critérios de avalição são objetivos. A grande maioria dos participantes tem tempos de corrida muita acima das marcas históricas dos dez primeiros vencedores. Logo, é pouco provável que os prêmios sejam a principal razão que leva essa multidão a participar da maratona.

Já em uma competição com avaliação subjetiva, como um concurso de fantasias, ter um maior número de prêmios tende a influenciar positivamente a participação das pessoas.

Nosso estudo investigou também se a participação é maior quando há vários prêmios pequenos ou apenas um prêmio grande. Descobrimos que oferecer diversos prêmios menores aumenta a participação, mas apenas de certos indivíduos – aqueles que estão sub-representados em projetos criativos.

Mas por que isso surtiria efeito apenas entre essas pessoas? A resposta está no nível autoconfiança de alguém cuja criatividade será reconhecida (ou não) pelos outros.

Pessoas inovadoras são, com frequência, vistas como jovens do sexo masculino. Eles são mais propensos a receber financiamento de capital de risco para suas ideias de negócio do que outros grupos. Logo, não é surpreendente que sejam mais confiantes de que podem vencer um concurso, mesmo quando o prêmio é único.

Diante dessa percepção, também faz sentido que indivíduos mais velhos e/ou mulheres possam se sentir menos otimistas sobre suas chances, o que faz com que concursos de premiação única sejam pouco atraentes para esses públicos.

A desvantagem de substituir uma estrutura de prêmio único por vários prêmios menores é o risco de isso afetar negativamente o empenho dos participantes. Nossa pesquisa mostrou que, quando isso ocorre, os níveis de criatividade e novidade das ideias diminuem. O efeito negativo deste último apareceu mesmo entre as melhores propostas inscritas nos concursos que avaliamos.

Outra conclusão: os participantes gastam menos tempo no desenvolvimento de ideias e soluções e apresentam propostas mais breves quando competem por vários prêmios menores. Não espere ideias revolucionárias se não houver um grande prêmio em jogo.

TRÊS LIÇÕES DE DESIGN DE CONCURSOS DE INOVAÇÃO

A criatividade é a cara difusa da inovação. À medida que tarefas rotineiras são automatizadas por máquinas e algoritmos, é essencial que os funcionários se concentrem em atividades que exigem criatividade, algo que lhes é próprio.

Aos gestores, por sua vez, cabe encorajar e facilitar o desenvolvimento e compartilhamento dessas ideias criativas. Para isso, os concursos de inovação são uma ferramenta valiosa de incentivo e reconhecimento.

O segredo do sucesso, porém, está no alinhamento dos objetivos do concurso – desde a sua concepção e estruturação – com os objetivos da organização. Confira, a seguir, três recomendações práticas.

1 Para garantir a inclusão e ouvir todas as vozes na geração de ideias entre seus funcionários, considere organizar uma competição que ofereça múltiplos prêmios menores. Isso pode motivar uma participação mais ampla e diversificada.

2 Se o objetivo é coletar uma grande quantidade de ideias práticas que possam aprimorar os processos continuamente, opte por designar gestores como jurados. Eles estão bem posicionados para avaliar a utilidade das propostas.

3 Para incentivar a criação de uma ideia excepcionalmente inovadora, é estratégico oferecer um prêmio significativo e selecionar colegas dos participantes como jurados. Isso tende a estimular um esforço maior na elaboração das propostas e promove um pensamento mais criativo e fora do convencional.

OUTRA GRANDE VANTAGEM DOS CONCURSOS É QUE ELES PODEM ser integrados aos sistemas de avaliação de desempenho e recompensa já existentes nas organizações. Não é necessário redesenhar esses modelos para incentivar o compartilhamento de ideias.

Além disso – e, talvez, ainda mais importante –, as organizações não estão limitadas a realizar apenas um tipo de concurso. A liderança tem a flexibilidade de estruturar diferentes inciativas, adaptando-as às necessidades e prioridades do momento.

Portanto, não hesite em potencializar a criatividade de seus funcionários. O único pré-requisito para começar é desenhar uma estratégia bem definida e alinhada aos objetivos estratégicos da organização.

Principais takeaways

O sucesso dos concursos de inovação como ferramentas para incentivar a criatividade dos funcionários e o compartilhamento de ideias depende diretamente do alinhamento com os objetivos estratégicos da organização.

Busque o equilíbrio entre incentivos para aumentar a participação e critérios de avaliação para promover a excelência criativa, reconhecendo a importância não apenas da quantidade, mas também da qualidade das ideias geradas.

Ao incorporar concursos como parte da cultura organizacional, as empresas podem criar um ambiente que valoriza não só a criatividade como a experimentação e a busca contínua por melhorias e soluções inovadoras.

Referências bibliográficas

  1. J. Bol, L. Laviers, and J. Sandvik “Creativity Contests: An Experimental Investigation of Eliciting Employee Creativity,” Journal of Accounting Research 61, no. 1, (March 2023): 47-94.
  2. B. Hofstra, V.V. Kulkarni, S. Munoz-Najar Galvez, et al., “The Diversity-Innovation Paradox in Science,” PNAS 117, no. 17 (April 28, 2020): 9284-9291.
  3. R. Kornblum, “Stanford Professor: Older Founders Don’t Need VCs,” Business Insider, June 16, 2016, www.businessinsider.com; and I.H. Lang and R. Van Lee, “Institutional Investors Must Help Close the Race and Gender Gaps in Venture Capital,” Aug. 27, 2020, Harvard Business Review, https://hbr.org.
Jasmijn Bol, Lisa LaViers e Jason Sandvik
Jasmijn Bol é professora de administração na A.B. Freeman School of Business, na Tulane University (Estados Unidos). Lisa Laviers é professora assistente da A.B. Freeman School of Business. Jason Sandvik é professor assistente do Eller College of Management da University of Arizona (EUA).

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