Manifesto evoca a necessidade de pensarmos a relação entre homens e máquinas, reforçando o conceito e as práticas do humanismo digital
No último dia 7 de julho, os Ministros de Assuntos Internacionais da Áustria, da República Tcheca e da República Eslovaca assinaram um documento que acrescenta prestígio político ao tema do humanismo digital. Sob o título de A Declaração de Poysdorf, a carta recomenda a reflexão criteriosa acerca das tecnologias emergentes, aspirando servir como bússola aos cidadãos diante da transformação digital.
O manifesto dos três ministros – Alexander Schallenberg, Jakub Kulhánek e Ivan Korcok – reconhece o poder da inteligência artificial tanto quanto revigora o desvelo necessário à compreensão dos efeitos da IA sobre os direitos humanos.
As novas tecnologias digitais já ocupam o debate político, essencialmente na possibilidade da automação de atividades que, ainda, garantem emprego a um largo contingente de pessoas. No entanto, a Declaração de Poysdorf quer reclamar atenção para a fenda crescente que separa os que se beneficiam da digitalização para aqueles que se veem marginalizados.
Os ministros signatários destacam a falta de garantias à privacidade e as novas dependências instauradas pelo espaço virtual que nos transformam em consumidores ordinários. Além disso, apontam a corrosão das instituições democráticas e a vulnerabilidade das infraestruturas tecnológicas. Em certo trecho, o texto sugere que a digitalização chegou ao ponto de nos exigir a recolocação da questão sobre o que significa ser humano.
A relação homem e máquina
O humanismo digital, enquanto abordagem que considera as benesses e os efeitos da interação do homem com a máquina, é oferecido como profilaxia para regular tal relação. E a partir desse enfoque que se torna possível priorizar direitos humanos, mitigar vieses inaceitáveis e assegurar a autonomia humana nos processos automatizados pela IA.
A declaração reconhece o inestimável valor da IA para fortalecer a nossa capacidade de resolução de problemas, sem ignorar os riscos.
Enquanto assumem sem resistência que a IA e as tecnologias acessórias representam novas oportunidades para indivíduos e sociedade, os ministros manifestam preocupação sobre a sofisticação da desinformação no espaço digital, seus efeitos sobre os jovens e a distorção perceptiva da realidade.
O documento junta-se ao Manifesto de Viena (maio de 2019), ao Plano Básico do Conselho de Ciência, Tecnologia e Inovação do Japão denominado Sociedade 5.0 (janeiro de 2016), e outras dezenas de iniciativas que visam a primazia de uma abordagem centrada no humano no desenvolvimento das tecnologias de IA.
Penso que tais iniciativas deveriam fomentar um debate sério entre acadêmicos, empresários e instituições políticas no Brasil. Desse modo, são perceptíveis as lacunas reflexivas de âmbito filosófico, antropológico, psicológico e sociológico que orbitam o tema. A Declaração de Poysdorf é o testemunho legítimo da vanguarda europeia em matérias que o Brasil ainda pretere com displicência. Precisamos urgentemente convocar a sociedade brasileira para este debate sério. Humanismo não é moda, e digital é o sinônimo do nosso inevitável futuro.
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