Cientistas de diversas áreas procuram investigar o fenômeno de teorias e inovações semelhantes que foram criadas por pesquisadores diferentes
Já aconteceu de você ter uma ideia inovadora, e, logo em seguida, saber que outra pessoa, quase no mesmo momento, também teve exatamente a mesmíssima ideia?
A história nos dá vários exemplos dessa simultaneidade: uma das mais conhecidas foi protagonizada por Isaac Newton e Gottfried Leibniz. Eles descobriram, de forma independente, o cálculo infinitesimal, ferramenta científica e tecnológica considerada a mais poderosa e eficaz para o estudo da natureza. A disputa entre os dois revelou um Newton irritado: “os segundos inventores não têm direitos (ou créditos)”. Leibniz foi menos obsessivo, e até se permitiu brincar sobre a polêmica.
Outra dupla famosa com uma invenção semelhante foi Elisha Gray e Alexander Bell, inventores do telefone. Eles depositaram o pedido de patente com horas de diferença. Bell ficou famoso, mas quase não ouvimos falar de Gray.
Mais recentemente, em 2018, duas equipes da Technische Universiteit Delft na Holanda, trabalhando em laboratórios vizinhos, mas de forma independente, descobriram, ao mesmo tempo, como fazer com que elétrons conversem diretamente com fótons.
“Parece que a história da descoberta científica é a história de descobertas múltiplas, independentes e simultâneas”, como escreveu Augustine Brannigan, em A Base Social das Descobertas Científicas (1974).
Aliás, há mais de um século, sociólogos e antropólogos tentam entender o fenômeno das “ideias gêmeas” ou descobertas múltiplas. William Ogburn e Dorothy Thomas, em 1922, listaram 148 exemplos no artigo Are Inventions Inevitable? A Note on Social Evolution, mas não conseguiram precisar o que seria uma “ideia gêmea”.
Trata-se de coincidência? Qual fenômeno explica que duas ou mais pessoas ou duas ou mais equipes, em diferentes partes do mundo, no mesmo período de tempo, tenham a mesma ideia ou façam uma descoberta semelhante?
Michaël Bikard, professor de estratégia no INSEAD vem pesquisando quais são os drivers (motivadores) dos avanços científicos e de que forma as pessoas e empresas fazem uso de novos conhecimentos para gerar vantagem competitiva. Ele considera que uma possibilidade para as “”ideias gêmeas”” seja o Zeitgeist – termo alemão para definir o espírito do tempo ou espírito da época.
Para exemplificar a ideia do Zeitgeist na inovação, considere a descoberta simultânea do princípio da conservação da energia que foi motivada por três fatores: a popularidade da Naturphilosophie no início do século XIX, os avanços científicos (desenvolvimento das máquinas térmicas e a disponibilidade dos processos de conversão) e a preocupação das pessoas com estas máquinas e motores.
Será que ao estudarmos as descobertas simultâneas ou “ideias gêmeas” podemos entender o motivo quando uma das ideias ganha popularidade e a outra é deixada na prateleira?
Bikard afirma que sim: “Estudar ideias gêmeas, especialmente em termos de inovação, pode nos mostrar não apenas o que foi bem-sucedido, mas o que poderia ter sido bem-sucedido, mas não foi. Podemos aprofundar nossa compreensão sobre o que faz novas ideias decolarem. Talvez o momento ou o ambiente para um dos inovadores/inventores não fosse o ideal ou a ideia surgiu no lugar errado ou na hora errada”.
No entanto, ele sugere que, antes de buscarmos insights sobre inovação e estratégia, precisamos saber como identificar e quantificar “ideias gêmeas”. No seu paper Ideias gêmeas: descobertas simultâneas como ferramenta de pesquisa, descreve um novo método que gera listas de recentes descobertas simultâneas – no campo científico – de forma sistemática e automática. Segundo ele, esse novo método “é como um microscópio que nos permite enxergar de outra forma as inovações”.
E quem deveria receber o crédito quando mais de uma pessoa ou equipe faz a mesma descoberta? Como se resolve esse conflito? Susan Cozzens relata no seu livro que dar o crédito é um processo emergente e coletivo, como, por exemplo, a forma como a comunidade cita uma pesquisa ou um artigo. Dar o crédito para uma nova ideia é uma construção social.
Portanto, usando cocitações sistemáticas para identificar casos em que dois artigos compartilham o crédito pela mesma descoberta, o método de Bikard possibilita que qualquer pessoa crie seu próprio conjunto de dados de ideias gêmeas. “Mas, uma lista de pares por si só não é suficiente, pois precisamos medir a semelhança entre os gêmeos”, alerta.
No conjunto de dados formado por 10.927 pares, que Bikard disponibiliza em acesso livre e aberto, é possível escolher o nível de similaridade que se deseja para cada par contar como gêmeos: taxa de cocitação, similaridade semântica, diferença entre o mês de publicação e quando os periódicos publicam artigos semelhantes um ao lado do outro. Da mesma forma como acontece com gêmeos humanos, algumas ideias gêmeas são mais idênticas do que outras. Ele destaca essas medidas em três descobertas simultâneas premiadas pelo Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1975, 1993 e 2019.
O método de Bikard também traz à tona outro aspecto: “a ciência, como instituição, tem flexibilidade para permitir que o crédito seja dividido entre várias equipes. O mesmo não acontece com as invenções tecnológicas. O processo criativo que leva a uma invenção pode ser o mesmo que leva às descobertas científicas, mas ocorre em uma configuração institucional muito diferente. Mesmo que muitos inovadores tenham a mesma ideia ao mesmo tempo, o sistema de patentes dá o crédito apenas para uma única equipe. Pode parecer arbitrário, mas são as regras do jogo. Ideias gêmeas questionam se essas regras são justas”.
Bikard ressalta ainda que, mesmo nos casos em que duas pessoas têm exatamente a mesma ideia, elas podem não conceituar da mesma maneira e não usar as mesmas palavras para descrever essa ideia: “pode ser uma questão aparentemente abstrata, mas suas implicações são reais”, argumenta. “A criatividade está intimamente ligada à originalidade. No entanto, se ideias gêmeas têm algo em comum e envolvem algumas das maiores descobertas, então criatividade pode não significar ser o diferente ou o único, mas ser o primeiro. Isso significa uma mudança radical na maneira como pensamos sobre sucesso criativo”.
As razões porque algumas ideias parecem ser mais exclusivas do que outras continuam sendo pouco compreendidas. Bikard acredita que seu método possa melhorar nossa compreensão sobre inovação e criatividade. Para ele, “ideias gêmeas” têm um impacto profundo sobre pessoas que trabalham com criatividade e podem ensinar muito sobre estratégia e inovação.
Gostou do artigo da Lilia Porto? Saiba mais sobre descobertas e análises científicas assinando nossas newsletters e ouvindo nossos podcasts na sua plataforma de streaming favorita.“