Ada Lovelace, Cesar e o Porto Digital são algumas referências que revelam como ciência e inovação são articulações do exercício imaginativo e artístico; a tecnologia, desse modo, não deve ser vista como algo distante da arte
“Preciso começar dizendo que sou engenheiro de formação. Fiz engenharia eletrônica na UFPE. Conclui o curso em 1987. Por muito tempo atuei em telecomunicações, desenvolvendo produtos de hardware e software, e depois enveredei pelas TICs (tecnologia da informação e comunicação). Uma mudança natural, já que as telecomunicações estavam virando uma função das TICs.
No começo dos anos 2000, ingressei no Cesar. Conheci por lá alguns designers e aos poucos fui entendendo e me adaptando a outra forma de pensar, na qual conhecimento não é compartimentalizado e tecnologia e arte se fundem e dão em inovação.
E sempre assim foi: em maio de 1833, aos 17 anos, Ada (posteriormente Lovelace) estava sendo apresentada para a corte real britânica. A jovem tinha temperamento forte e independente. Naquela época, da era primeira revolução industrial, Lord Byron, pai de Ada, além de poeta, era um ativo loomista. Byron defendia veementemente a destruição dos teares automáticos, como forma de preservação dos empregos.
A mãe de Ada, preocupada com os destinos da menina, na tentativa de equilibrar a influência do pai, educou-a em matemática. Ada cresceu então com uma imaginação rebelde, e encantamento por números.
Um dos eventos da corte, fez ela conhecer Charles Babbage (de 41 anos), cientista e matemático renomado da época. Babbage havia conquistado a atenção de todos com sua máquina que resolvia equações polinomiais (expressões como 5+3+4): a Difference Engine. Para alguém curiosa e inquieta como Ada, a conexão foi direta. Babbage também era dado a grandes festas, nas quais circulavam escritores, poetas e atores, além de industriais e cientistas. Para o historiador britânico Richard Holmes, os dois estavam na the age of wonder.
Em 1823, o governo britânico concedeu a Babbage o capital inicial de £ 1.700 para aprimorar sua máquina. Ele afundou mais £ 17.000, o dobro do custo de um navio de guerra, sem obter sucesso. Eventualmente o fomento foi retirado e Babbage precisou buscar recursos noutras praças para dar continuidade ao projeto. Numa apresentação na Itália, Luigi Federico Menabrea registrou com precisão as palavras de Babbage e publicou em francês um artigo descrevendo a máquina. Os amigos de Ada logo a chamaram para traduzir para o inglês.
Ada não se limitou apenas a uma tradução; ela escreveu várias “”notas do tradutor””, que acabaram totalizando 19.136 palavras, mais do que o dobro do comprimento do artigo original de Menabrea. Assinado como “A.A.L.,” por Augusta Ada Lovelace; e suas “Notas” se tornaram mais famosas que o artigo e estavam destinadas a torná-la uma figura icônica na história da computação.
Ada foi uma aluna ávida de matemática, capaz de compreender a maioria dos conceitos básicos do cálculo, e com sua sensibilidade artística ela gostava de visualizar as curvas e trajetórias mutáveis que as equações descrevem. Ela percebeu que a matemática era uma linguagem adorável, pois consegue descrever as harmonias do universo e pode ser poética às vezes.
Ada, foi a primeira que percebeu que os dígitos nas engrenagens poderiam representar outras coisas além de quantidades matemáticas. Ela inaugurou, assim, o conceito central da era digital: qualquer pedaço de conteúdo, dado ou informação — música, texto, imagens, números, símbolos, sons, vídeo — poderia ser expresso em forma digital e manipulado por máquinas.
Tecnologia e arte sempre estiveram juntas. Nas palavras de Ada: “não acredito que meu pai tenha sido (ou pudesse ter sido) um poeta como eu serei uma analista; pois comigo os dois vão juntos indissoluvelmente”.
A história de Ada não é única. A inovação nunca acontece de apenas uma perspectiva. John Maeda, no Ted Como a arte, a tecnologia e o design formam líderes mais criativos, lembrou o quanto os pais se incomodam quando descobrem que os filhos são bons em arte e ficam felizes quando o mesmo ocorre com a matemática, como se os dois fossem separáveis.
No entanto, a história da computação, desde Ada, está intimamente ligada às artes. Os computadores, desde os mais remotos, são utilizados para manipular textos, sons, imagens e vídeos. Em síntese, são ferramentas a serviço das artes. Entretanto, qual seria a função das artes? Segundo Maeda, a arte funciona quando é enigmática, quando nos ajuda a derrubar certezas, quando nos provoca a fazer perguntas. E talvez, neste tempo de tantas incertezas, não deveria ser esse o papel da liderança?
A separação entre arte e tecnologia retoma ao século 19, com o artigo The Two Cultures, publicado em 1956 na revista New Statesman. E logo teve o reforço de uma palestra de 1959 em Cambridge, no qual o físico e novelista C.P. Snow apresentou sua hipótese de um mundo do pensamento dividido. De lá para cá, um menino arteiro, aquele que faz arte, é curioso e experimenta, tornou-se sinônimo de preocupação para os pais.
No Recife, na década de 1990, um olhar divergente, e unificado entre arte e tecnologia teve uma outra consequência. Segundo H.D. Mabuse, artes e ciências são separadas na cabeça de muitos, mas não deveriam. O polo de inovação que envolve Cesar e Porto Digital nasceu de um movimento sociocultural a que pesquisadores acadêmicos aderiram (veja mais neste artigo).
De Silvio Meira surgiu a interação com esse movimento cultural, e o redesenho que ele fazia das bases da música: a mistura do maracatu com rock e com música clássica nordestina. Essa perspectiva artística foi fundamental para vermos que era possível fazer alguma coisa de classe mundial a partir daqui, da capital pernambucana. E isso nos deu energia para tentar criar, com mais afinco, com mais determinação, o que viria a ser o Cesar.
Aprendi com a experiência, com o tempo, com a prática e com o Cesar. A inovação, tão fundamental nos dias de hoje, só ocorre em lugares que permitem ambiguidade, em lugares onde artistas, designers, matemáticos, físicos, engenheiros, industriais, entre outros, aprendam uns com os outros. Ambidestria, diversidade (de todos os tipos e formas), espaços para pensamentos abdutivos, dedutivos e indutivos, pluralidade de espaços, sobretudo inclusivos, são mais que necessários para a inovação, pois “toda criação científica é obra de arte, e toda criação artística é articulação de conhecimento”, como afirmou Vilém Flusser.
Assim, arte e tecnologia dá em inovação, que dá em Cesar, centro de inovação.
Gostou do artigo do Eduardo Peixoto? O mesmo tempo foi abordado por outro colunista da MIT Sloan Review Brasil, Gustavo Meirelles. Em coautoria com o Dr. Augusto César de Macedo Neto, o colunista propõe um futuro tecnológico que promova um reencontro da arte com a ciência, analisando a relação histórica entre medicina, ciência e literatura (entre outras formas de arte).“”