Com potencial para revolucionar experiências de vida, mercados e formas de consumo, o metaverso tem capacidade de gerar mais diversidade e inclusão; contudo, o mundo virtual e imersivo pode reforçar comportamentos preconceituosos e intolerantes
““Mamãe, preciso de dinheiro para comprar móveis para a minha casa nova, porque minhas amiguinhas vão vir me visitar”. Eu estava no meio de uma reunião quando a minha filha entrou no meu home office e pediu para eu comprar moedinhas em um game chamado Roblox que ela havia começado a jogar durante o isolamento social. Comprei as tais moedas e tempos depois a ouvi apresentando a casa para a amiga e convidando-a para passearem por uma cidade virtual.
Entre colegas, elas foram à pizzaria, almoçaram, beberam água, compraram um ovo que virou um bichinho de estimação, deram banho no bicho e até trabalharam (vendendo limonada) para ganhar mais pontos e trocar por outras coisas. No final do dia, seus avatares dormiram exaustos na cama que comprei com os reais que ganhei na vida real.
O joguinho e a vida online da minha filha foram uma salvação aqui em casa durante a pandemia. Era como se ela pudesse realmente encontrar outras crianças, brincar, vestir outras roupas que não pijamas e andar por outros espaços que não nosso quintal. O que fui compreender depois é que ela já estava tendo uma experiência no metaverso, ou seja, ela estava vivendo uma experiência mista entre o mundo real e o mundo virtual.
Para quem acompanhou as notícias nos últimos dias, viu a mudança de nome do Facebook para Meta, anunciando um futuro promissor de soluções de interação mais humana, em um mundo cada vez mais tecnológico. O que a própria Meta define como metaverso é um conjunto de espaços virtuais onde você pode criar e explorar experiências com outras pessoas que não estão no mesmo espaço físico que você. Segundo a empresa, não se trata necessariamente de passar mais tempo online, mas sim de tornar esse tempo mais significativo.
E como toda tecnologia que tem o potencial de revolucionar a experiência de vida das pessoas e a maneira como elas consomem, se relacionam e se divertem, é necessário termos um olhar mais atento sobre o quão inclusivo esse novo mundo pode ser. Diria que existe até um passo anterior a isso: quão diversos são os times que estão criando essas tecnologias? No site do Roblox, por exemplo, há fotos de oito líderes brancos (sete homens e uma mulher, que a propósito, lidera marketing e recursos humanos).
Em uma indústria que movimenta bilhões de dólares e que tem menos de 30% de mulheres desenvolvedoras de jogos, digo que seria bastante inteligente e estratégico, formar times diversos para criar um metaverso mais criativo, diverso e representativo.
Além disso, qual a preocupação sobre acessibilidade de pessoas com deficiência ou mesmo discriminação baseada em algoritmos que foram criados baseados em inteligência humana e que reproduzem vieses do mundo real? Sabemos que hoje diversos hardwares, como, por exemplo, relógios inteligentes, possuem maior dificuldade de funcionamento e menos acompanhamento em pessoas de pele escura do que em pessoas de pele branca. Ou mesmo câmeras de reconhecimento facial que não reconhecem de forma eficiente o rosto de pessoas negras.
A experiência no metaverso é totalmente dependente de equipamentos tecnológicos como fones de ouvido especiais, óculos de realidade virtual, câmeras de realidade aumentada para rastreamento facial e outros hardwares que proporcionam a tão desejada experiência de imersão. No entanto, será que eles vão funcionar da mesma maneira para todas as pessoas, considerando suas diversidades?
Além disso, o mundo digital permite que as marcas e os consumidores façam o que quiserem, como, por exemplo, criar um avatar usando uma combinação de várias características físicas (reais ou não) para uma campanha específica. Neste cenário, o metaverso pode repetir ou intensificar muitos dos problemas que enfrentamos no mundo real sobre temas como representatividade, respeito às identidades e definição de padrões de beleza ou sucesso.
Por exemplo, pesquisas comportamentais demostraram em experimentos sociais que crianças negras acham bonecas brancas de olhos azuis mais bonitas ou mais boazinhas que bonecas de pele escura. E se isso se transferir para o metaverso e as crianças quiserem apenas criar avatares brancos, por serem considerados o padrão “correto” ou valorizado? E se pessoas que estão acima do peso começarem a criar uma legião de avatares fitness e irreais fisicamente?
Além dessas questões, acrescento: e se não existirem no metaverso avatares com deficiência ou de cabelos grisalhos? Pessoas digitais e espaços virtuais permitem opções ilimitadas de autoexpressão e quando há um modelo padrão do que é definido de mais atraente ou mais bem-sucedido, isso pode ser um risco ao retrato que vemos na sociedade.
O metaverso já é uma realidade com grandes marcas mirando em se estabelecer nesse novo mercado. O show do rapper Lil Nas X, na plataforma gamer Roblox (o joguinho que minha filha joga), foi acessado 33 milhões de vezes. A Gucci vendeu uma bolsa digital no mesmo jogo por mais de US$ 4.000, lembrando que a pessoa que comprou nunca vai receber essa bolsa fisicamente, pois é um artigo 100% virtual.
Desse modo, qual a graça de comprar coisas que você não vai usar de verdade? Basta pensar que nos preocupamos com a nossa aparência e imagem no mundo real, que logo você entenderá o mesmo comportamento no mundo virtual.
É importante lembrar que sempre que surgem novos mercados, há um processo de educação de consumidores e profissionais que irão trabalhar com isso. Aí entra a responsabilidade das marcas que estão ajudando a criar esse novo mundo, de posicionarem-se atentas e não deixarem lado os temas de diversidade e inclusão.
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