Unificação de índices confere mais transparência aos indicadores. Porém, para colocar o Brasil na agenda global é preciso mudar a mentalidade de lideranças, e assim avançar de fato na agenda ESG
A International Financial Reporting Standards Foundation (IFRS) e a Global Reporting Initiative (GRI) anunciaram recentemente o início de um acordo de colaboração. Tecnicamente, os respectivos conselhos normativos, o International Sustainability Standards Board (ISSB) e o Global Sustainability Standards Board (GSSB), receberam a incumbência de coordenar seus programas de trabalho e atividades para que sejam definidos padrões comuns, dentro das respectivas áreas de atuação – com a IFRS trazendo seu foco no investidor do mercado de capitais e a GRI olhando para as normas globais dos relatórios de sustentabilidade que envolvem várias partes interessadas.
A união entre essas duas instituições respeitadas pelo mercado responde e consolida a necessidade por mais transparência. A elevação no nível de padronização dos indicadores torna-os também mais robustos, já que passam a ser alimentados por maior volume de dados. Com esse avanço, será possível entender em maior profundidade os problemas, desafios e gargalos. A régua sobe no quesito confiabilidade. Os dados ganham relevância como fonte de informação para tomadas de decisões em diversas instâncias: empresariais, sociais e até na adoção de políticas públicas.
Entre os principais méritos do esforço conjunto está a adoção como norte dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS).
Dessa maneira, toda iniciativa que une as práticas ESG com resultados financeiros alinhados ao que o mercado valoriza traz mais clareza no momento de definir as prioridades e motivação para se perseguir, de forma consistente, os objetivos sustentáveis. A fusão, portanto, pode ser considerada um movimento fecundo para o desenvolvimento dos negócios integrados às temáticas ESG.
A padronização representa um avanço no entendimento do mercado, pelas duas organizações. O diálogo entre a IFRS e a GRI:- Fortalece a gestão multistakeholder;- Confere ênfase aos indicadores e na unificação de padrões;- Traz ao mercado uma visão mais unificada e direcionadora dos esforços empreendidos pela empresa e em como isso tem impactado a companhia dentro dos aspectos financeiros e fora deles.
Quando a iniciativa der frutos, isto é, passar a divulgar os dados consolidados, entendemos que todas as companhias devem adotar as métricas unificadas, uma vez que a prática aponta para um caminho mais assertivo e alinhado aos valores regidos pelo mercado.
Não significa que indicadores secundários e específicos da natureza e ambição da empresa não sejam criados e monitorados em paralelo. A análise deve abranger sempre a mais ampla visão possível, sem desprezar as particularidades que, em alguns casos, podem impactar na tomada de decisão.
A unificação nos indicadores poderá beneficiar público em geral, mas os consumidores e investidores em especial, trazendo, em uma analogia idiomática, uma espécie de esperanto (língua universal) aos diálogos. Consequentemente, o benchmark das indústrias se torna cada vez mais preciso, com comparações mais justas.
A integração de métricas pode ser comparada ainda a uma autorreflexão. A padronização auxilia as empresas a se ‘olharem’ no espelho e a traçarem planos de ação de estabelecimento de novas metas, e auxilia a se comparar e a ‘subir a barra’ do setor. Uma vez que uma empresa do setor se destaca em boas práticas de sustentabilidade, ela passa a ser seguida pelas demais.
Entre os outros benefícios diretos da integração das métricas, listamos:- Aprendizado, com aumento na precisão dos dados;- Construção de modelos de negócios mais competitivos;- Impulsionamento às metas de mercado;- Estabelecimento da governança consciente.
Não podemos esquecer que a unificação dos dados visa cumprir um objetivo muito maior, algo além dos muros das empresas. Os relatórios de sustentabilidade são usados principalmente pelas empresas para divulgar os impactos, no meio ambiente e nas pessoas, mas somente a partir da divulgação desses resultados será possível estabelecer políticas globais para o tratamento de problemas crônicos locais. A solução para esses desafios não é uma responsabilidade individual. Ter ambição 2030 é o novo normal, e é a oportunidade das empresas contribuírem para que sejam alcançados os objetivos globais.
Um dos grandes ganhos aos investidores é que será facilitado o acesso às informações sobre boas práticas realizadas pelas empresas. Dessa maneira, conseguirão caracterizar e acompanhar quais companhias usam melhor sua gestão em sustentabilidade para a criação de valor a longo prazo no mercado.
A ambição 2030 direciona as empresas a caminharem para uma mesma direção global, baseando as ações em indicadores que potencializam a operação e desviam das distrações; ou seja, das externalidades secundárias e terciárias. O momento exige concentração de esforços nas grandes metas. Este é o primeiro grande passo.
A gestão de riscos, aliada ao uso inteligente de tecnologias, é uma ferramenta impulsionadora para verificar e monitorar informações da agenda ESG. Convém entender os dados como entidades vivas: neles reside uma série de significados que precisam ser correlacionados e vistos sob uma dinâmica sistêmica. Com relação aos riscos dos negócios ‘verdes’, o mercado tem respostas diversas. Essa dinâmica se relaciona diretamente à consciência de seus líderes, os valores que apoiam as suas decisões e à maturidade da empresa e da indústria em que está inserida. A meta é assegurar ao investidor uma análise completa, abrangente e detalhada, que levará sempre em consideração todos os fatores e informações relevantes.
No atual momento de maturidade das empresas, muitas já têm a materialidade conhecida e internalizada como um ponto básico para a tomada de decisão. A profusão de companhias que buscam divulgar seus relatórios de sustentabilidade atesta essa maturidade. A transversalidade do ESG nas áreas de operação já é adotada por muitas organizações. Porém, há ainda aquelas que ainda não integram os temas ESG aos negócios. Estas precisam dar os primeiros passos.
No Brasil, de forma geral, ainda estamos em níveis relativamente baixos de maturidade em quase todos os fóruns privados e públicos. E viveremos uma fase de educação até chegarmos aos níveis desejáveis de mitigação total dos temas ESG. Um alerta é que há, ainda, muitas empresas totalmente apartadas destas questões.
Assim, faz parte dessa jornada o desenvolvimento de padrões de relatos de sustentabilidade. É fundamental nesse esforço que exista o engajamento da liderança, cujo papel passa por definir políticas e programas que garantam o cumprimento das regras, sempre com amparo da ética e da transparência. Esses valores constituem a base da cultura sustentável.
Diante da constatação de que sempre existirão riscos na gestão de empresas, em investimento, seja em razão da conjuntura, de fatores alheios aos negócios e até imponderáveis, é preciso se manter alerta à necessidade de mitigação de riscos. Ao lidar com os negócios da ‘economia verde’, é aconselhável que gestores procurem informações profundas como base da tomada de decisões.
Toda gestão tem seus riscos. É importante saber identificá-los, geri-los e mitigá-los, afinal, as empresas não podem colocar o negócio em risco para obter benefícios em sustentabilidade. O que acreditamos é que a partir do conhecimento dos riscos, muitas oportunidades na jornada ESG surgem. E não tratar essas oportunidades da forma correta é que seria o verdadeiro risco para a companhia.
O Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês), que ocorreu na Suíça em maio deste ano, liderou uma iniciativa de elaboração de um conjunto de métricas do capitalismo de stakeholders, baseada em dados fornecidos por empresas de auditoria, que por sua vez seguem parâmetros adotados por cinco instituições responsáveis pelos padrões de rotulagem ESG mais disseminados no mundo corporativo. No entanto, recentemente a União Europeia criou seu próprio marco regulatório para aferir as práticas ESG.
Analistas têm apontado que o sistema da União Europeia, embora a princípio seja mais claro e direto, foca principalmente os temas da redução das emissões de gases de efeito estufa e da mitigação e adaptação do impacto das mudanças climáticas nos ecossistemas do planeta, não contemplando os aspectos de governança. Além disso, surgem questões como se essa ótica européia poderia favorecer o protecionismo.
Acreditamos que o método proposto pelo WEF pode apontar um caminho a seguir. As companhias comprometidas com a governança consciente buscam a gestão que olha o todo e os interesses de todos, tornando-se factível a ambição ESG. O modelo ESG é eficaz quando as siglas se mantêm interconectadas e interdependentes. Toda vez que esse conceito é fragmentado, corremos o risco de focar a agenda com base em interesses individuais, setores ou players específicos. Nessa perspectiva, há um ‘movimento separatista’ que, em alguma medida, vai na contramão do propósito maior de ESG. Os temas ESG defendidos são extremamente vitais para a humanidade. Isso é inquestionável. Porém, a fragmentação dos temas ESG deve ser combatida. É preciso manter no horizonte a visão do conjunto.
Embora a União Europeia (UE) lidere a luta contra as mudanças climáticas e tenha se tornado referência no assunto, é preciso pensar em outras frentes de ação. A UE elencou ações sobre o financiamento do crescimento sustentável com o regulamento publicado no dia 9 de dezembro de 2019, o regulamento (UE) n.º 2019/2088, de 27 de novembro, que traz a tentativa de tornar o investimento em ESG mais transparente e acessível.
Acreditamos que a UE está disposta a reunir tratativas, e mesmo que separadas, formem um conjunto que passe a agir em diferentes frentes de acordo com o calibre de cada ação e instituição/público direcionado.
De todo modo, a adoção da métrica ESG de acordo com o sistema do WEF, que tende a enquadrar as companhias em um acordo de capitalismo de stakeholders (Measuring Stakeholder Capitalism, compilação de 21 métricas consideradas críticas e 34 métricas expandidas, divididas em quatro pilares: governança, planeta, pessoas e prosperidade), embora soe justa, levanta questões como exposição de empresas novatas na adoção do ESG. O que se questiona é até que ponto o sistema poderá desqualificar uma empresa de acordo com parâmetros ESG.
A ponderação é o caminho. O mercado está experimentando uma fase de fade in/fade out. Viveremos, por algum tempo, com mindset antigo e novo. No entanto, parece justo a colocação de metas, prazos e mecanismos de punição. Estamos correndo contra o tempo. Inserir o senso de urgência com esses dispositivos parece ser um caminho a ser considerado.
O centro da questão seria compreender que a agenda ESG representa uma jornada de transformação. Ou seja, a jornada é um processo, mas é necessário ter o senso de urgência para dar o primeiro passo. Ao detectar que essa agenda está ausente de sua estrutura, as empresas precisam buscar isso fora, para acelerar os processos que a coloquem em sintonia com as exigências contemporâneas. O caminho pode ser a contratação de consultorias e profissionais que já têm visão e conhecimento dos passos a percorrer.
Entendemos que, independentemente do porte e da indústria em que uma empresa está operando, sempre há possibilidade de dar os primeiros passos. Sempre. Quando se estabeleceu 2030 como um prazo, muitas empresas não deram a devida prioridade. Agora, precisam avançar. Não há opção.
Um cuidado a se tomar: o senso de urgência não pode levar a ‘atropelamentos’ de processos. É recomendável que as empresas que desejam dar os primeiros passos rumo à conformidade e à implantação de melhores práticas ambientais e sociais, sintonizadas com a boa gestão, devem, primeiramente, passar por uma autoavaliação. É essencial que a empresa defina um plano de ação para a sua própria continuidade, situando-se, de maneira realista, dentro do setor e das expectativas do mercado. Assim consegue-se comunicar ao mercado claramente o ponto em que se está jornada, aonde quer chegar e quais os desafios que ela se propõe a cumprir.
Existe uma crença, um modelo de gestão secular, arraigado e resistente à mudança: a crença de que a empresa terá menos lucro com a implementação ESG. Boa parte disto pode ser falta de informação, conhecimento ou experiência. Vale investir na busca desse conhecimento. ESG é resultado da equação lucro+consciência.
Alavancar a agenda ESG, portanto, dependeria de uma profunda mudança de mentalidade, que levaria o mercado brasileiro a outro patamar, de maior respeito internacional. Não apenas em termos de atração de investimentos, mas também para que passemos a ser considerados em parcerias relevantes.
Outra importante mudança em termos de comportamento do investidor a ser implementada seria passar a olhar os resultados de uma companhia no longo prazo, procedimento ainda raro no mercado. O que se precisa ter em mente é que os investimentos ESG devem percorrer a lógica de negócios sustentáveis e como tal devem estar atrelados a retornos positivos a longo prazo.
O Brasil, em geral situado em um momento de pouca maturidade, dá os primeiros passos rumo à implantação de métricas ESG. Em muitos casos, a imaturidade leva as empresas ao envolvimento em atividades que não revertem os problemas crônicos do meio ambiente e sociedade. Mas convém lembrar que há empresas já maduras, que podem oferecer ensinamentos valiosos. A maioria ainda não despertou para a agenda. Ainda há um período de transição. Estamos falando de cultura, de pessoas e de interesses.
A pandemia da covid-19 – é preciso falar nela mais uma vez – trouxe, mais do que nunca, a busca por soluções que atendessem aos interesses coletivos. Ficam os aprendizados, como base robusta para a mudança de mentalidades sobre a vida das pessoas e dos negócios. ESG é uma construção coletiva.
Na prática, o caminho aponta para o capitalismo de stakeholders, que precisa ser implementado todos os dias. Ao entender as empresas como agentes de transformação, com função de servir, as métricas devem vir necessariamente acompanhadas de performance. Assistimos às discussões anteriores à implementação de metas. Tais discussões ainda buscam validação e consenso interno sobre a agenda ESG. É preciso lembrar que há passos que antecedem a definição das métricas que precisam de uma solução. São fases iniciais que formam uma base para a implementação (cultura, modelo de negócio), lembrando que a falta das métricas será sempre um fator de descarte na intenção de fazer parcerias, obter aportes financeiros e investimentos.
Se considerarmos as perspectivas para o futuro, quando a tendência será pela adoção de índices que tragam radiografias mais claras, como os anunciados pela parceria entre a IFRS e a GRI, a perspectiva é promissora. O avanço nos permitirá ter em mãos um mapa mais preciso sobre deficiências e gargalos. Assim, poderemos – empresas, governos, sociedade – agir. Há de se ter uma união e combinados entre os setores, de quais pontos devem ser trabalhados nas agendas de acordo com o impacto dos negócios. Há de ter uma agenda pública e privada das iniciativas para a criação de alavancas que venham a impulsionar a agenda. O compromisso apontado pela ONU envolve a todos: empresas, governo e cidadãos. É um tripé, não sendo possível alcançar os objetivos de forma somente com o esforço de uma das partes.
Os índices podem ajudar muito. A exemplo temos o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). Se à medida que for possível, o ISE incorporar aspectos que relacionem os resultados da companhia diretamente para determinados assuntos, poderemos colocar ‘luz’ em questões que mais impactam. E assim essas entram no radar das estratégias da companhia e da tomada de decisão executiva. Defendemos ainda a criação de outros índices para que possam orientar e guiar os esforços das iniciativas que visam os ODS.
Em resumo, para implantar uma agenda ESG não bastam métricas. É preciso ter intenções claras e perseguir os propósitos. “