A grande maioria das pessoas que financiam, trabalham, comentam, ensinam e empreendem em inteligência artificial (IA) são homens, mas se as mulheres fizerem a transição de competências de que precisam, as perspectivas podem ser muito boas
Quando ouço a expressão “futuro do trabalho”, a primeira imagem que me vem à cabeça é a de robôs roubando meu emprego e não estranho que seja a mesma para muitas pessoas. As previsões não têm sido muito otimistas. Elon Musk, CEO da Tesla, diz que a automação em massa é “o problema mais assustador” que a sociedade enfrenta porque acredita que robôs serão capazes de fazer tudo melhor que nós. Outros especialistas acreditam que a tecnologia pode potencialmente eliminar 40% dos empregos existentes nos próximos 15 anos.
Além do pessimismo inerente, essas previsões têm outra coisa em comum: quase todas vêm de homens. A grande maioria das pessoas que financiam, trabalham, comentam, ensinam e empreendem em inteligência artificial (IA) são homens, o que a pesquisadora do Google Margaret Mitchell chama de “um mar de caras”. O que se vê nas previsões apocalípticas é que as mulheres estão empregadas em funções mais repetitivas o que as deixa mais suscetíveis a automação e que, em um cenário com escassez de empregos, os homens acabarão tendo vantagens trabalhistas devido ao modelo de sociedade atual em que vivemos. Ainda há crenças fortes de que mulheres com filhos pequenos não devem trabalhar e a legislação ainda é deficitária sobre licença de maternidade e benefícios à criança o que pode reforçar discriminação já existente contra as mulheres.
Mas o futuro pode ir na contramão das previsões “dos caras”. Em setores onde elas já estão bem representadas atualmente, como na área da saúde e assistência social, comércio atacadista e varejista, as mulheres sairão na frente e aproveitarão melhor novas oportunidades. Outro ponto a considerar é que se pensamos em habilidades, o risco de automação é menor para trabalhadores mais instruídos, o que também deve favorecer as mulheres. No Brasil, por exemplo, elas são 57% estudantes que ingressam no ensino superior e temos 19% mais mestres e doutoras tituladas do que homens. O que ainda precisa mudar e muito é a estatística do número de mulheres cursando carreiras STEM (ciências, tecnologia, engenharias e matemática, na sigla em inglês), consideradas as mais promissoras para as profissões do futuro.
Segundo a consultoria McKinsey, de 40 milhões a 160 milhões de trabalhadoras no mundo podem precisar fazer uma transição de carreira e para isso, as mulheres precisarão desenvolver novas habilidades. As mais importantes são as Competências tecnológicas, de habilidades digitais básicas até as de programação avançada, que hoje representam apenas cerca de 12% das habilidades demandadas, mas se espera que isso mude para 47% até 2030. Logo em seguida, surgem as Competências socioemocionais, incluindo liderança e competências avançadas de comunicação e negociação.
A história do mundo nos mostra que tanto a produtividade quanto a oferta de novos empregos crescem quando as pessoas têm novos desafios para resolver. Pensemos nas milhares de lojas de capas de celulares e películas que não existiam até poucos anos atrás e que hoje movimenta milhões. E como identificamos esses novos problemas? Reunimos uma gama maior de pessoas diversas (mulheres, negros, pessoas de diversas culturas e origens socioeconômicas, pessoas com deficiência) para identificar desafios e oportunidades. Quando o sistema que decide em que problemas vamos focar é predominantemente composto por um grupo homogêneo, apenas alguns problemas serão resolvidos e outros podem ficar esquecidos em pontos cegos. Por outro lado, quando grupos diversos ganham espaço nas mesas de decisões, surgem novas possibilidades e geram-se mais oportunidades.
Para explorar todo o conjunto de talentos disponível, incluindo as mulheres, empresas precisarão planejar programas em larga escala de “re-treinamento” para apoiá-las na transição para novos papéis ou novas áreas. Esses programas de desenvolvimento precisam ser desenhados considerando práticas inclusivas e sendo monitorados consistentemente para mensurar seus impactos.
Podemos criar um ‘futuro do trabalho’ que funcione para as mulheres (mais da metade da população mundial), mas isso precisa começar agora. As empresas não podem esperar o futuro chegar, pois decisões tomadas agora trarão consequências significativas para o avanço delas no futuro.