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NRF 2025 não foi só IA

Anote os temas dominantes do maior evento do varejo ocidental, que acabou de acontecer em Nova York: social commerce, a volta das lojas físicas, comportamento de consumo e retail media. Entre outros

Ulisses Zamboni
NRF 2025 não foi só IA
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Fiquem sossegados porque este artigo sobre a 115ª edição da NRF Retail’s Big Show, realizada pela NRF (sigla em inglês para National Retail Federation) nesta semana (12.01 a 14.01) em Nova York, não vai “ chover no molhado”. Você está cansado de saber que inteligência artificial (IA) foi o grande tema da feira. E que estamos falando de uma IA usada na prática, ou seja, não apenas celebrada no futurismo conceitual, como foi o metaverso, mas uma IA que está na ordem do dia do varejo, seja no front end ou no back end dos negócios. 

Para encerrarmos o assunto aqui no segundo parágrafo, trago a máxima conceitual sobre o tema de Sérgio Sampaio, vice-presidente de operações do Grupo Boticário, que talvez seja a melhor e mais decisiva posição sobre o assunto: “A aplicação de IA nos negócios de varejo não é mais uma opção, mas um imperativo estratégico do negócio para sua sobrevivência”. 

Dito isso – e para além da IA – a curadoria da feira foi novamente impecável trazendo para o palco principal e para os palcos das palestras paralelas um novo recorte do varejo, mais tecnológico do que nunca. Os temas abordaram praticamente tudo que há de mais relevante: de aplicações em visão computacional para estoques de marketplaces a softwares mais avançados de incentivo à equipe “linha de frente” nas lojas, passando pela já default omnicanalidade até a centralidade total do usuário. 

Não era necessário falar um inglês impecável para capturar a profundidade dos temas das palestras. Como todo ano, a delegação brasileira foi a segunda maior do evento e demandou da NRF tradução simultânea em português para os mais de 3.500 brasileiros presentes. 

Um despertar de consumo? 

Michele Evans, líder global de varejo e comportamento de consumo na Euromonitor, apresentou números e insights valiosos de um estudo mundial sobre o sentimento de confiança no consumo, trazendo uma mensagem encorajadora para a audiência. 

Embora os países pesquisados, incluindo o Brasil, ainda estejam abaixo dos níveis satisfatórios de confiança no consumo — significativamente distantes da média histórica —, os últimos dois anos apontam para uma tendência de recuperação. 

Dados do 1º trimestre de 2022 ao 3º trimestre de 2024 mostram uma retomada consistente e generalizada no desejo de consumo, oferecendo perspectivas mais otimistas para o setor varejista e para a economia em geral.

Vale lembrar que, na edição passada da NRF e relembrada neste ano, a WGSN, de previsão de tendências, caracterizou o momento atual como um mundo de “policrises” — diversas crises acontecendo de forma simultânea. Essa realidade ganha ainda mais relevância em 2025, com o impacto potencial das ações de Donald Trump na economia global. 

A influência de Trump, especialmente no Ocidente, promete redesenhar o tabuleiro do comércio internacional, trazendo desafios e incertezas e impactando diretamente o sentimento de confiança do consumidor, que passa a enfrentar ainda mais receios em relação ao consumo. 

É exatamente por isso que nenhum executivo que passou pelos palcos do evento sequer ousou falar sob a tutela do longo prazo. A incerteza é a única certeza do momento. Voltar a olhar o bottom line parece ser a estratégia dos negócios mais correta agora, quiçá de sobrevivência num mundo cada vez mais BANI (acrônimo em inglês para frágil, ansioso, não linear e incompreensível – substitui o conhecido VUCA). 

A definitiva ressignificação da loja física

O discurso de que “a loja física vai morrer” — impulsionado pela ascensão do varejo digital e agravado pelo impacto devastador da pandemia no setor — perdeu força de forma significativa este ano. Em vez disso, as lojas físicas reaparecem com uma missão dupla: construir marca e rentabilizar o negócio por meio de serviços estratégicos. 

Hoje, as lojas físicas assumem um papel indispensável como alavancas de experiência do consumidor (CX). Além de proporcionar interações memoráveis, elas precisam ser vistas como um local de soluções, papel essencial para fidelizar clientes, gerar fluxo, aumentar recorrência de visitas e elevar receita. 

Não é exagero afirmar que, no recorte de tempo atual, ao menos nos Estados Unidos e nas lojas que efetivamente exercem a omnicanalidade, até metade das suas receitas vem de lojas físicas que oferecem serviços de valor agregado. A rede amerciana de lojas de departamento Nordstrom, por exemplo, em seu andar de calçados, oferece um “shoes bar” para seus frequentadores, o que incrementa as vendas do departamento em até 30% em datas especiais. 

A Whole Foods, por exemplo, não é só mais um supermercado tradicional, mas um hub de alimentação que oferece buffets para refeições rápidas e saudáveis, atributo presente na marca e que a diferencia das outras. A FAO Schwarz, reaberta recentemente em NY, não é mais uma loja de brinquedos, mas a solução de entretenimento para a família que oferece experiências extraordinárias às crianças, gerando quase 50% da receita nestas atividades. 

Outro fator que reforça a importância das lojas físicas, especialmente para negócios com grandes redes, é seu papel estratégico como hub logístico de distribuição para vendas online. 

De acordo com o especialista em shoppings centers Luiz Alberto Marinho, no Brasil, se um produto comprado online é entregue na casa das pessoas a partir de um centro de distribuição, o custo é 100%. Se é entregue a partir de uma loja física, o custo cai para 40% e se o cliente retirar na loja, esse custo cai para 15%. Por isso, é importante analisar se o modelo de omnichannel está acontecendo da forma mais fluida possível, dando às lojas físicas a importância que agora elas adquiriram.

As lojas físicas podem desempenhar múltiplos papéis: servir como refúgios, espaços de comunidade ou locais de descoberta. Em outras palavras, a valorização do destino de varejo precisa transcender a simples exposição de produtos nas prateleiras. 

O conceito do impacto da loja física na psique humana

A Kate Anketill, da consultoria de inovação GDR de Londres, uma das palestrantes-estrela do evento, sempre promove reflexões profundas na audiência sobre o varejo do futuro e o uso da tecnologia. 

“Quanto mais uso de tecnologia uma marca tiver dentro do varejo, mais experiências sensoriais ela tem que ter”, afirma ela, de maneira categórica em sua palestra, deixando clara a missão das marcas em trazer o atributo do escapismo como oferta concreta para apaziguamento da psique de um usuário atualmente tão acelerado e agitado. 

Afirma ainda que “uma das missões mais importantes de uma loja física é transportar o indivíduo para um terceiro lugar”. Claro que não é novidade para ninguém que criar vínculos emocionais faz muito bem aos negócios. Adam Smith e John Stuart Mills, lá no século 18 já notavam que o comportamento humano nas tomadas de decisão econômicas não seguia um padrão “racional-linear”. 

A economia comportamental já aponta que 80% das decisões que tomamos estão profundamente ligadas às nossas emoções. Nesse contexto, o escapismo se torna uma estratégia legítima no varejo. Marcas de luxo, em especial, exploram esse recurso de forma magistral, utilizando materiais de merchandising e instalações artísticas em colaborações com artistas plásticos que transportam o consumidor para um universo paralelo, distante da realidade cotidiana. 

O social commerce transforma radicalmente o tradicional funil de conversão 

Nos EUA, 104 milhões de pessoas, ou seja, 37% da população economicamente ativa, fez compras via social commerce. E mais: com um ticket médio de U$820 dólares por indivíduo, sendo esses compradores 71% da gen Z e millennials. 

Esses dados da eMarketer apresentados numa das palestras do evento refletem a situação dos EUA até novembro de 2024 e trazem um panorama nada desprezível das plataformas de mídia social no varejo. Na verdade, a franca maioria deste movimento vem das atividades do TikTok, que passa atualmente sob um escrutínio pesado do governo americano e é até capaz de deixar o país. 

Apesar da NRF ter “dados ombros” para a China, os dados de social commerce por lá são assustadores: 32% das vendas online são de social commerce, o que representa US$ 1 trilhão. 

Desse ponto de vista, os EUA têm que aprender muito. Apenas 6.6% das vendas online por lá são por social commerce, somando apenas US$ 85.6 bilhões. 

Um aspecto altamente contemporâneo do social commerce é a transformação do tradicional funil de conversão. O modelo linear que passava por awareness, consideração, conversão e lealdade está sendo substituído por um ciclo dinâmico e integrado de conteúdo, descoberta e engajamento, impulsionado pela atuação dos creators. 

No social commerce, as etapas do funil deixam de ser sequenciais e passam a ocorrer de forma simultânea. Esse processo é sustentado por ferramentas decisivas: social search para descoberta, livestreaming para criação e compartilhamento de conteúdo, e retail media para fortalecer o engajamento. Tudo acontece ao mesmo tempo, criando uma jornada de compra fluida e interativa que redefine as regras do comércio digital. 

Gen Z e o fenômeno TikTok Shop são elementos indissociáveis hoje nos EUA, e sequer tem concorrência próxima. É estimado que o Instagram represente apenas 1% do movimento de social commerce hoje nos EUA. 

A complexidade, mas ainda precariedade, do retail media 

Não se assuste. Retail media pressupõe, sim, inteligência na vertical digital de dados para locação e placement das mensagens. É uma grande evolução “em mídia” nas estratégias das marcas e uma nova fonte de receita para os varejistas. E é aí que mora a maior fragilidade do assunto. 

O dia de sábado na NRF foi formatado para esse assunto, apenas para que convidados de agências, varejistas e anunciantes falassem sobre o assunto. Mondelez, American Express, Hershey ‘s Company, Albertsons, Walgreens, Walmart, LeNovo, Nordstrom Inc., além de mais de uma centena de marcas estavam presentes. 

Com uma evolução vertiginosa, fornecedores de dados e departamentos de mídia dentro dos varejistas estão desenvolvendo técnicas das mais impressionantes na captura do indivíduo na hora e no lugar certo da compra, seja no online ou nas telas CTV do offline da loja, mas a captura de valor de marca ainda não se resolveu. 

Rachel Lawson, ex-diretor de marketing da Mondelez International, conta que um dia passou os olhos em uma das telas de um supermercado e viu uma marca parecida com a Oreo. De primeira, achou que fosse mais uma imitação da marca, mas depois notou que era a própria marca sendo exibida em uma campanha de conversão. Sem valor (de marca), sem comunicação visual apropriada, sem mensagem, sem identidade, sem oferta emocional alguma. Apenas uma campanha-display de um produto X e o preço.

E essa realidade se repete com a maioria das marcas no retail media. A falta de alinhamento entre marketing e a área comercial das empresas, especialmente com o trade, transforma marcas maduras, com personalidade de marca e ofertas emocionais reconhecidamente persuasivas em meros produtos de prateleira, em verdadeiros commodities. 

A questão levanta uma discussão importante que deve se resolver nos próximos anos: de quem é a liderança do retail media? marketing ou trade? Já se sabe que dinheiro novo não existe para a disciplina. O que existe é a movimentação de verbas intra company que saem tanto das ações de Marketing como da área comercial. 

E de quem é a gestão? Quem deve ficar com a tarefa de transformar esse meio num campo fértil para disseminação dos valores da marca? Como alinhar campanhas de marca com objetivos de conversão do meio? Quais as melhores técnicas para usar um meio de conversão em construção de marca? Existe? 

O varejo nunca foi tão complexo

A NRF 2025 reafirmou seu papel como o principal palco global de tendências e inovações no varejo. Ainda mais agora com a elasticidade que os negócios assumiram com o manejo de dados e tecnologia. 

Se a IA dominou os holofotes, foi o ecossistema mais amplo de transformações — como o social commerce, a ressignificação das lojas físicas, e os desafios emergentes do retail media — que desenhou um panorama mais profundo e estratégico para o setor neste ano. 

O varejo caminha para uma nova era, onde tecnologia e emoção precisam coexistir. As experiências sensoriais e a centralidade no consumidor foram elevadas a pilares fundamentais. Marcas que conseguirem alinhar inovação tecnológica com conexões humanas genuínas terão as melhores chances de prosperar em um mundo cada vez mais dinâmico e incerto. 

E para os varejistas brasileiros? O aprendizado é claro: não se trata apenas de adotar ferramentas prontas, mas tropicalizá-las para nossa cultura e para o que funciona aqui. A adaptação ao modelo omnichannel, o uso estratégico das lojas físicas, e o domínio do retail media são passos obrigatórios para quem quer se manter competitivo — e relevante — em um mercado global em rápida evolução. 

Mas, certamente, os mais de 80% dos negócios de varejos brasileiros que movimentam nosso PIB nem chegaram lá. Fica também a triste reflexão sobre a realidade brasileira que engatinha nessas searas, seja pela falta de recursos, seja pela precariedade logística e tecnológica ou até mesmo pela ausência de formação dos profissionais que trabalham no setor.

Como todo brasileiro é valente, arrisco dizer que, para além das tecnologias e sofisticações que vimos nos palcos e nos estandes da feira da NRF, o futuro do varejo pertence àqueles que conseguem transformar incertezas em oportunidades e consumidores em embaixadores de suas marcas. E isso, o brasileiro faz muito bem!

Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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