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Nudge: como criar sua biblioteca pessoal sobre comportamento humano no marketing

Recomendações de autores e livros para marqueteiros apaixonados por psicologia comportamental e economia comportamental

Ulisses Zamboni
Nudge: como criar sua biblioteca pessoal sobre comportamento humano no marketing
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Resolvi escrever este artigo como uma espécie de pontapé para aqueles que tanto me perguntam sobre comportamento de consumo e economia comportamental. E por quê? Porque lá no meio de qualquer estratégia de negócios estão os indivíduos.

Queira ou não, goste ou não, a psicologia cognitiva – e até a que considero a mais profunda delas, a psicanálise – entram no âmago das estratégias de marketing das marcas mais contemporâneas. 

É claro que ainda há marcas realizando o mínimo que uma organização pode fazer quando abre suas portas, que é vender seus produtos pelo viés da commodity. Mas a verdade é que essa abordagem é tão ultrapassada quanto um baby boomer que ainda usa a gíria “pra frentex” (numa tradução livre para os da geração Z, é uma espécie de “tá de lacre”).   

Chamemos como quisermos chamar: customer centricity (em português, centralidade no cliente), centralidade no usuário, user experience (UX, da sigla em inglês para experiência do usuário), foco nas pessoas, não importa. Definitivamente, o mundo inverteu o fluxo de importância do rio nos negócios: do foco em criar produtos para entender pessoas e, daí sim, criar produtos e serviços. 

O comportamento humano no marketing está sempre de braços dados com vários temas que estão sob a gestão do profissional de marketing e de estratégia. Do gerenciamento de stakeholders à jornada de compra, dos recursos humanos dentro da empresa à construção de valor de marca. 

Muitos me perguntam sobre minha formação nesse campo, e por isso cito alguns autores e livros que possam ser úteis para uma investigação autodidata. Confesso que meu espírito explorador subverteu qualquer tentativa de buscar em uma trajetória acadêmica tradicional, com clara exceção para minha formação de três anos na psicanálise. 

A curiosidade e a ansiedade me levaram a centenas de artigos, papers científicos, livros e cursos, tudo de maneira aleatória. Depois de tantos anos lendo e estudando livremente sobre o tema, construir estratégias centradas no usuário virou “default“.

Há de se notar nas organizações uma lenta transição do foco em produto para o foco em pessoas

Quando Philip Kotler apresentou, em 2010, no livro Marketing 3.0: As Forças que Estão Definindo o Novo Marketing Centrado no Ser Humano, a ideia de que as organizações (e suas marcas) deveriam humanizar as relações, muita gente torceu o nariz. Sua abordagem é, para alguns, um tanto esotérica.

O autor defende que a dimensão espiritual deve fazer parte das corporações, abordando questões mais existenciais e filosóficas. Há 15 anos, ele já identificava uma sociedade cada vez mais tecnológica, racional e complexa. E o nosso querido Kotler não estava totalmente errado — basta olhar para onde chegamos hoje. 

De lá para cá, Kotler escreveu sobre diferentes conceitos, tendo chegado ao “marketing 6.0”. No entanto, ainda me deparo durante as consultorias com empresas brasileiras que insistem no marketing do século passado: um modelo “de dentro para fora”, que parte do portfólio de produtos em direção ao consumidor. Como sempre digo: “que engulam meu produto!”.

Em tempos de inteligência artificial (IA) e chatbots extremamente avançados, que vão muito além de interações robóticas e são capazes de prever o “seu” próximo passo ou pergunta, os grandes modelos de linguagem (LLMs, na sigla em inglês) têm revolucionado o relacionamento com os consumidores, ao mesmo tempo em que geram alguns questionamentos.

Os consumidores se sentem mais ou menos próximos das marcas? Qual o papel da autenticidade em um mundo onde a “personalização” é mediada por máquinas? A IA e os chatbots, capazes de antecipar movimentos e perguntas dos consumidores, criam realmente uma interação mais genuína ou acabam reforçando a artificialidade no trato com o consumidor?

Mas, voltando ao universo das organizações que ainda permanecem presas aos padrões do século 20, muito ainda precisa ser feito para que as empresas consigam estabelecer laços e conexões genuínas com seus usuários.

Gosto da máxima de recursos humanos que diz: ao contratar um profissional, a empresa não está apenas adquirindo suas habilidades, mas também trazendo consigo a “pessoa” por trás desse profissional.

Com os usuários, isso é ainda mais evidente. Medos ocultos, crenças limitantes, viés social e uma série de outras variáveis complexas influenciam a tomada de decisão. E tudo isso precisa ser abordado pelas marcas. 

Caso contrário, a pergunta que ficará na mente dos estrategistas será: “Fiz tudo certo, por que o market share não aumentou?” Ou pior ainda: “Minha agência não está trazendo resultados!” Mas essa última eu prefiro nem comentar…

Autores, livros, vídeos e papers para consulta 

Não costumo compartilhar minha biblioteca pessoal sobre o tema. Por quê? Porque ela foi moldada pela minha curiosidade, ou melhor, pelo meu senso de exploração. São ativos pessoais e quase intransferíveis. No entanto, ao mesmo tempo, esses recursos podem oferecer aquele empurrãozinho — como diria a economia comportamental — que pode incentivar estrategistas e marqueteiros a iniciarem suas próprias jornadas.

  • Livros

Dou início à minha escavação arqueológica de conteúdo pela peça mais encorajadora de todas na psicologia e que me levou mais à fundo no tema: O Processo Grupal, de Enrique Pichon-Rivière, psicanalista suíço naturalizado argentino. Ele escreve majestosamente sobre as dinâmicas grupais, seja na família, na sociedade e no trabalho.  É um dos pouquíssimos autores que fala sobre comportamento humano, inclusive sobre a psique no trabalho e suas correlações emocionais. 

Outro livro imperdível “para iniciantes” é o “Nudge: o Empurrão para Escolha Certa“, de Richard Thaler, vencedor do Prêmio Nobel de Economia por suas contribuições à economia comportamental. A obra cobre transversalmente todas as variáveis da economia comportamental de forma leve e coloquial, sem pretensão acadêmica. 

Thaler, inclusive, tem um artigo maravilhoso sobre “nudge” na edição de 31 de outubro de 2015 no The New York Times, que dá ainda mais vontade de entender sobre os impactos econômicos do comportamento. 

Outro livro que me inspira, embora tangencie mais a psicologia do consumo, é The (Honest) Truth About Dishonesty (em português, A Mais Pura Verdade sobre a Desonestidade), de Dan Ariely, publicado em 2012. 

A mentira é um assunto que me fascina. E Ariely explora desde as mentiras leves até as desonestidades fatais. Além, é claro, das mentiras que falamos para nós mesmos – razão pela qual comprei o livro no lançamento.

  • Autores e vídeos

Mudando um pouco o foco da nossa exploração para vídeos, destaco o de Rory Sutherland no YouTube, chamado “Behavioral Economics, Humans and Advertising”. Embora seja um pouco datado — com 7 anos de lançamento —, é uma verdadeira aula sobre o tema. Sutherland, colunista da The Spectator, revista britânica de política e cultura, e alto executivo da Ogilvy em Londres, oferece perspectivas valiosas sobre economia comportamental e sua aplicação na publicidade.

Um ótimo canal de vídeos sobre ciência comportamental é o “BIT – Behavioural Insights Team”, que possui dezenas de vídeos, sendo o introdutório “A Manifest for Applying Behavioral Sciences”. Nele, Malcolm Hallsworth conduz a audiência por questões fundamentais da economia Comportamental. Vale a pena explorar a biblioteca do BIT.

Um autor digno de nota é Damon Centolla, que é professor de comunicação, sociologia e engenharia da University of Pennsylvania (EUA). Ele  tem vários trabalhos nas áreas de ciências humanas e de comportamento humano publicados em periódicos de peso. Seu vídeo no YouTube “How Behavior Spreads” (ou “Como o Comportamento Se Espalha”, em tradução livre) detalha os capítulos de seu livro homônimo e oferece uma boa visão de como ele domina o assunto.

  • Portais e sites

Nada mais fácil do que colocar sua investigação sobre economia comportamental para “brotar” no Perplexity ou até mesmo no ChatGPT e obter uma coleção de links e sites. Mas, aqui vai uma dica: não deixe de visitar o https://behavioralscientist.org/, um portal de ciências do comportamento que aborda as questões do “humano” de forma holística e aplicável a qualquer segmento.

Acompanhe também o Nudgestock.com, um site da Ogilvy Consulting, localizada exclusivamente em Londres e liderada por Rory Sutherland. O site promove eventos anuais e semestrais que apresentam cases que combinam dados, comportamento e criatividade. Esses grandes eventos, realizados uma vez por ano, têm como objetivo catalisar o segmento e impulsionar a ciência comportamental como uma ferramenta poderosa no marketing.

Por fim 

O que realmente vale a pena é você se engajar em uma investigação “ad eternum” — como mencionei, em um “lifelong learning” sobre o assunto — para descobrir suas próprias fontes. Os poucos “nudges” de conhecimento que compartilhei acima são os meus e, sinceramente, são bem poucos.

Eles não representam nem 5% do meu arsenal de livros e autores sobre o tema. Mas o que vale ressaltar é que não abordei aqui uma área de extrema relevância para a economia comportamental e a ciência do comportamento: as heurísticas e os vieses cognitivos. Esses temas são fundamentais para a aplicação na criatividade, estratégia e planos de ação voltados à modificação do comportamento humano.

Atualmente, existem mais de 180 vieses catalogados. E, pior que isso, eles não param de crescer, impulsionados pela fluidez das dinâmicas culturais e sociais ao redor do mundo.

Espero que este artigo tenha, ao menos, despertado sua curiosidade sobre o tema e que contribua para aumentar o número de mentes interessadas nessa área que, no Brasil, ainda engatinha tanto em termos de estudos próprios quanto de profissionais com expertise para aplicar e gerenciar essa ciência em seus segmentos.

Seja feliz.

Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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