Habilidades como empatia, detecção de contexto, colaboração e pensamento criativo vão ficar cada vez mais importantes, segundo o Fórum Econômico Mundial
Para a maioria dos trabalhadores, está ficando cada vez mais claro que algumas tarefas que realizam atualmente serão completamente substituídas por máquinas – por inteligência artificial se as tarefas forem cognitivas, por robôs se forem manuais. Ou que, no mínimo, serão expandidas por uma interface pessoa-máquina.
Embora não esteja claro que tipos de tarefas permanecerão no domínio humano, podemos fazer algumas previsões. Sabemos que, neste momento e no futuro previsível, as máquinas em geral não são boas em entender o humor de uma pessoa, detectar a situação ao seu redor e desenvolver relações de confiança. Como se lê no próprio relatório do Fórum Econômico Mundial sobre habilidades do futuro – Future of Jobs, as habilidades humanas conhecidas como “soft skills” vão se tornar cada vez mais importantes – habilidades como empatia, detecção de contexto, colaboração e pensamento criativo.
Isso significa que milhões de pessoas em todo o mundo precisarão fazer algum tipo de transição para se tornarem mais competentes nessas soft skills.
Isso, contudo, não é fácil. O paradoxo é que, apesar de sabermos muito sobre como desenvolver as “hard skills” de análise, tomada de decisão e julgamento analítico, sabemos muito menos a respeito da gênese das soft skills. Isso acontece, em grande parte, porque o atual contexto de aprendizagem e de desempenho das pessoas está orientado para as hard skills. É essencial que nossas escolas, lares e locais de trabalho compreendam os obstáculos existentes à incorporação de soft skills para conseguir superá-los.
AS BARREIRAS ÀS HABILIDADES INTERPESSOAIS
A meu ver, existem três grandes barreiras para ganhar escala com o desenvolvimento de soft skills:
As bases da maioria dos sistemas escolares foram lançadas após a Revolução Industrial. No início do século 20, o objetivo era claro: pegar uma população que realizava um trabalho principalmente artesanal ou agrícola e prepará-la para trabalhar em fábricas – e, mais recentemente, escritórios. Algumas escolas adaptaram o currículo para as soft skills e a criatividade. No entanto, as tradições se mantêm em muitas delas. As crianças são treinadas para ficar paradas por horas seguidas (como aconteceria na linha de produção de uma fábrica), para praticar a aprendizagem mecânica, para ser complacentes e seguir regras. O problema é que, nessas habilidades, as máquinas são extremamente competentes. Mais importante: essas condições não ajudam a cultivar nas crianças habilidades como compaixão, inventividade e ser capaz de interpretar corretamente as pessoas.
São muitas as evidências de que o uso da tecnologia está afetando o desenvolvimento das soft skills humanas. Quando crianças e adultos passam uma parte significativa do seu tempo envolvidos com jogos online virtuais e redes sociais, por exemplo, há evidências de que suas habilidades sociais virtuais começam a atrofiar. Pequenos períodos de interação social não contribuem para as habilidades sociais. Isso é importante, pois os benefícios evolutivos que os seres humanos desenvolveram em empatia e colaboração precisam ser reforçados na aprendizagem individual sutil. Compare, por exemplo, as conversas de uma criança com a assistente virtual da Amazon, a Alexa, e com um adulto de verdade. Ao interagir com a Alexa, a criança poderá se sentir tentada a dar instruções e, possivelmente, ser rude com a máquina. A Alexa simplesmente responde de maneira invariável e digna. Se a criança reproduzisse essa interação com um adulto, provavelmente seria repreendida pelo comportamento grosseiro.
Não pretendo negar que a tecnologia poderia exercer um papel significativamente benéfico no desenvolvimento das soft skills. Na última década, aconteceram grandes desenvolvimentos na aprendizagem baseada em tecnologia, incluindo programas online de que dezenas de milhares de pessoas podem participar. O foco principal da maioria desses programas tem sido ajudar as pessoas a desenvolver hard skills. Esses programas são muito competentes em ensinar conteúdo, simular a tomada de decisões e testar conhecimentos. Entretanto, as tecnologias de aprendizagem ainda não descobriram, em grande escala, como apoiar o desenvolvimento de soft skills para milhares ou milhões de pessoas. As que ensinam tais habilidades costumam ser iniciativas em pequena escala que envolvem tempo presencial e mentoria.
Por fim, existe o desafio do próprio contexto de trabalho. Há evidências claras de que a maioria dos adultos aprende muito no trabalho; portanto, podemos imaginar que os adultos seriam capazes de aprender habilidades interpessoais no local de trabalho. Acontece que o desenvolvimento e o uso de soft skills como empatia e criatividade são altamente sensíveis à forma como a pessoa está se sentindo. Estudos mostram que, quando as pessoas se sentem pressionadas, como se estivessem sendo tratadas de maneira injusta, ou quando se sentem estressadas, o hipocampo – a parte do sistema límbico do cérebro que está associada à emoção – diminui sua capacidade de exercer uma escuta empática ou apreciar o contexto de uma situação. Poderíamos dizer que o cérebro se recusa a aprender ou exercer as soft skills.
O desafio é que muitos locais de trabalho têm práticas e processos que, frequentemente sem intenção, resultam em níveis elevados de estresse. Além disso, os antídotos – como condições de trabalho mais flexíveis, culturas colaborativas, a instituição de processos justos – não são adotados com rapidez.
UM CAMINHO A SEGUIR
Relatos históricos do efeito da Revolução Industrial mostram que a introdução de novas tecnologias nesse período causou confusão nas vidas de muitas pessoas, que se esforçaram para aprender novas habilidades a fim de atender às necessidades das novas máquinas. Esse período, conhecido como “Pausa de Engels” na Grã-Bretanha, resultou em grande infelicidade e redução da produtividade antes de as pessoas aprenderem novas habilidades e a sociedade ser reformulada.
É evidente que não existe uma resposta fácil para esse desafio. Porém, a necessidade é grande e a velocidade de implementação, crucial. E, se olharmos ao redor, veremos alguns projetos e iniciativas interessantes. Agora, para isso realmente fazer diferença, esses projetos precisam ser escalados, adaptados para atingir um público bem mais amplo. Se quisermos evitar hoje o mesmo tipo de turbulência que foi vista durante a primeira revolução industrial, precisamos agir agora, e dois pontos são fundamentais.
Em primeiro lugar, é crucial que as escolas removam os livros didáticos e a aprendizagem mecânica e se concentrem na empatia e na colaboração, como fez a rede alternativa de escolas High Tech High em San Diego, na Califórnia, Estados Unidos.
Em segundo lugar, é necessário que as empresas se concentrem mais na inovação tecnológica para ajudar os funcionários a desenvolver soft skills. Já existem algumas iniciativas interessantes que podem ser modelos úteis e que merecem ser levadas a número maior de pessoa, como a da rede de restaurantes fast-food KFC (que utiliza um programa de treinamento que enfatiza a interação com os clientes) e a da Fidelity Investments (que está tentando utilizar realidade virtual para capacitar os funcionários da central de atendimento nas áreas de empatia e compreensão do cliente).
Em terceiro lugar, no trabalho, as inovações tecnológicas podem ajudar a reduzir o estresse. Atualmente, há wearables (como são chamadas as tecnologias vestíveis) capazes de monitorar a frequência cardíaca, a temperatura da pele e as ondas cerebrais, que assim conseguem indicar as fontes de estresse com maior precisão e ajudar as pessoas a monitorar o “cérebro descansado”, mais propenso à empatia. Para preparar um trabalho capaz de envolver o cérebro descansado, é necessário minimizar as distrações tecnológicas e criar períodos de silêncio durante o dia.
Algumas soluções são verdadeiramente escaláveis, especialmente as que usam tecnologias com boa relação custo-benefício. Mas não podemos esperar nos bastidores pela Pausa de Engels. Temos de aproveitar essas ideias e inventar outras. Se quisermos manter nossa humanidade na era das máquinas, será necessário trazer à tona o que há de mais humano.”