Conheça mecanismos eficazes e adaptados às DAOs para sanar disputas e também o desafio de estabelecer novos padrões jurídicos e de transparência no espaço web
Buscando solucionar problemas da web2, o próximo estágio da internet tem como foco priorizar o ser humano. O caminho para chegar lá passa pela redução do papel de intermediários por meio da descentralização. Para isso, a web3 criou as DAOs (sigla em inglês para organizações autônomas descentralizadas), cuja função é viabilizar novos tipos de interação no espaço web.
Já existem DAOs que financiam projetos de biotecnologia, preservam e colecionam arte digital, conectam pesquisadores de todo o mundo, gerenciam times de basquete na NBA e inclusive participam de leilões.
Uma DAO é uma organização autogovernada exclusivamente por contratos inteligentes em blockchain — com estatutos e regras de procedimento —, que substituem o gerenciamento operacional cotidiano por um código de software que se autoexecuta.
A principal vantagem de uma DAO é que, ao contrário de muitas empresas tradicionais que operam de cima para baixo, ela é projetada para que suas decisões sejam democráticas e horizontais. Sua estrutura hierárquica é plana, permitindo que todos os membros — não apenas os acionistas primários — tenham voz nas decisões cruciais que afetam o grupo mais amplo.
Além disso, a tecnologia blockchain lhe garante transparência completa. Todas as suas ações e financiamentos podem ser vistos e analisados por qualquer um, o que reduz significativamente o risco de corrupção, censura, ilícito ou fraude. Mas não necessariamente de litígios.
Embora as DAOs prometam operar com responsabilidade e transparência, disputas entre seus membros são inevitáveis — e também a resolução, claro. Um exemplo da necessidade de resolver litígio é o caso de uma DAO conhecida como bZx DAO, que enfrenta um processo judicial na Califórnia desde maio de 2022.
Os autores requerem a responsabilização dos réus pelas que sofreram em razão de um hack do protocolo que era gerido pela DAO. Esse caso é uma reminiscência da primeira DAO lançada no mundo, chamada The DAO, que foi hackeada em julho de 2016.
Na ocasião, um usuário explorou uma falha no protocolo e desviou uma grande parte dos fundos da DAO. A solução encontrada pelos membros desta foi realizar um hard fork, que compensou indiretamente as partes lesadas, ao recriar uma versão anterior da blockchain hackeada, em os fundos “furtados” foram restaurados.
Entre os desafios da resolução de litígios envolvendo DAOs, quatro deles merecem especial atenção:
Reconhecimento legal: DAOs não são reconhecidas como entidades legais.
Responsabilidade ilimitada: enquanto as DAOs não forem legalmente reconhecidas, também não terão a proteção de responsabilidade limitada. Como resultado, seus membros podem ser considerados pessoalmente responsáveis pelas dívidas e obrigações da DAO.
Governança descentralizada: as DAOs são normalmente descentralizadas e governadas por regras codificadas em contratos inteligentes. Portanto, não se pode ignorar o risco potencial de que as regras codificadas nesses contratos sejam hackeadas ou manipuladas, levando a consequências desastrosas.
Falta de clareza regulatória: tal falta de clareza gera o risco de uma ação regulamentar, o que pode implicar um potencial risco de sufocar a inovação.
À medida que a adoção das DAOs se expande, também aumenta a necessidade de mecanismos eficazes de resolução de conflitos e adaptados a essas novas estruturas. Atualmente, estas são as opções para a resolver litígios na web3:
Uma solução híbrida combina diferentes opções ou cria novas conforme a necessidade e preferências específicas. Por exemplo: um contrato inteligente ou um oráculo que automatiza ou facilita a coleta de provas ou o cumprimento de uma obrigação na resolução de disputas.
A escolha do mecanismo ideal vai depender do tipo e da dimensão do conflito. Por isso, é aconselhável que os membros de DAOs elaborem seus respectivos planos de ação, com resultados pré-determinados para o maior número possível de cenários, e definam critérios para escolha de um ou mais mecanismos de resolução de litígios. Também é interessante terem um processo programado de resolução de litígios para casos que não podem ser previstos. A seguir, trago um exemplo de estabelecimento de critérios que seria possível:
Um fator importante a considerar quando olhamos para o futuro da resolução de disputas na web3 é que a execução de uma sentença proferida por um tribunal só acontece com a cooperação da comunidade DAO. Isso porque, quando se trata de executar uma sentença na blockchain, a tecnologia impede as autoridades de exercerem seu poder de execução.
A imutabilidade que caracteriza a tecnologia blockchain não permite que nenhuma autoridade modifique o conteúdo do livro-razão da rede. Consequentemente, os tokens de uma DAO não podem ser congelados, apreendidos ou confiscados. Essa é a principal razão pela qual o futuro da resolução de litígios pode não estar no sistema jurídico tradicional.
Considerando esse cenário, o futuro da resolução de litígios parece estar na combinação de consensos baseados em blockchain com sistemas avançados de reputação — estes últimos porque podem favorecer um ambiente mais inclusivo. E a chave para tudo isso está na implementação de modelos inovadores, como a atribuição de “tokens solventes” negativos para ações, por exemplo, de não pagamento de empréstimos.
À medida que a tecnologia amadurece e novas soluções para resolver litígios surgem, os usuários começarão a migrar dos mercados atuais para alternativas descentralizadas mais vantajosas, estabelecendo novos padrões de justiça e transparência.