Transformação digital nesses negócios fez simples plataformas de vendas se tornarem hubs de inovação. Conheça alguns casos de sucesso de marcas visionárias
No livro Feitas para Durar – Práticas bem-sucedidas de empresas visionárias, Jim Collins e Jerry I. Porras apresentam uma tese provocativa. Segundo os autores, empresas visionárias não apenas sobrevivem, mas prosperam por gerações graças a uma combinação de princípios essenciais e adaptações inovadoras.
Esse conceito é relevante ao analisarmos os marketplaces, uma das ferramentas mais poderosas de transformação digital para os varejistas. Além de ampliar o alcance das empresas, esses canais criam estruturas saudáveis e sustentáveis, especialmente quando aliados às pessoas certas e aos modelos de negócio adequados.
Nesse sentido, o exemplo da Amazon é icônico. Fundada em 1994 como uma livraria online, a empresa rapidamente expandiu para outras categorias, aproveitando a escalabilidade da internet.
A estratégia de Jeff Bezos reflete o “efeito flywheel” (ou círculo virtuoso), em que o sucesso é resultado de iniciativas interconectadas que se retroalimentam. Atraindo consumidores com ampla variedade e preços competitivos, a Amazon chamou mais vendedores, aumentou o catálogo, ampliou vendas e reduziu custos operacionais, criando um ciclo de crescimento sustentável.
Mas os exemplos de transformação digital por meio dos marketplaces não se limitam à Amazon, evidentemente. Na América Latina, o Mercado Livre é um caso notável.
Fundado em 1999, o Mercado Livre consolidou-se como o maior marketplace da região, com mais de 300 milhões de usuários cadastrados e 6 bilhões de visitas mensais. Ao investir em tecnologia e publicidade digital, a empresa criou um ecossistema que conecta milhões de vendedores a um público gigantesco.
Essa combinação de escala e inovação posiciona o Meli como uma força que redefiniu como os negócios alcançam e engajam consumidores. Líder em audiência no e-commerce, em agosto de 2024 ele ultrapassou a Petrobras e se tornou a empresa mais valiosa da América Latina.
O Magazine Luiza é outro caso de tremendo sucesso. No longínquo ano de 1992, durante a pré-história da internet brasileira, a empresa já explorava o conceito de loja virtual, com terminais eletrônicos vendendo produtos para serem entregues na casa dos clientes.
Ao longo das décadas, evoluiu para um dos maiores ecossistemas de varejo do país, com cerca de 45 milhões de clientes. Suas aquisições estratégicas, como Netshoes, Estante Virtual e KaBuM!, além de parcerias (recentemente com o AliExpress, disparando mais de 12% na bolsa como resultado), demonstram um compromisso contínuo com a diversificação e o crescimento do portfólio.
O interesse pela inovação é um dos pontos marcantes do Magalu. Além de conectar consumidores e vendedores em sua plataforma, também oferece serviços financeiros, como crédito e seguros, ampliando sua relevância no mercado brasileiro.
Esses exemplos demonstram que os marketplaces são plataformas poderosas que impulsionam ciclos contínuos de inovação e adaptação, algo que se alinha perfeitamente aos princípios de Collins. Empresas que dominam esse modelo são capazes de construir legados duradouros, reforçando a tese de que visão estratégica e execução consistente são os verdadeiros motores do sucesso no longo prazo.
Essa abordagem tem inspirado empresas em todo o mundo a adotarem marketplaces como estratégia principal. É o que explica o crescimento exponencial da Temu, marketplace chinês que vem se destacando no Brasil: foram 7,2 milhões de downloads apenas em outubro de 2024.
Outra gigante chinesa que já ganhou o mundo, e o coração do brasileiro, é a Shopee. Sua popularidade é tamanha que ela se destaca como “top of mind” nas favelas do Brasil quando o assunto é compra em marketplaces, segundo a pesquisa “Tracking das Favelas”, conduzida pela Nós (Novo Outdoor Social).
Enquanto os consumidores demonstram sua preferência pelos marketplaces na hora de consumir, as plataformas também fortalecem os varejistas que buscam espaço digital. Esses canais de venda desempenham papel crucial na inclusão de pequenos produtores e artesãos. É o caso do Elo7, marketplace focado em artesanatos e que possui mais de 50 mil vendedores ativos.
Um outro exemplo notável dessa democratização é a iniciativa da Shopee no bairro do Brás, em São Paulo, onde a empresa chinesa inaugurou um espaço dedicado a capacitar empreendedores da moda. Além de infraestrutura moderna, como estúdio para fotos e vídeos ao vivo, a Shopee oferece consultoria, ajudando micro e pequenos empreendedores a prosperarem no ambiente digital.
Essas ações podem ajudar pequenos vendedores a alcançarem o mercado internacional. Isso é muito importante para fomentar um ecossistema comercial mais inclusivo e diversificado.
É o caso da Bars Over Bottles (B.O.B.), marca nacional de cosméticos que apostou no público estrangeiro. Nascida no interior de São Paulo em 2019, ela faturou R$ 30 milhões em 2023.
Se estamos falando de longevidade, é claro que os marketplaces pioneiros não têm planos de parar no tempo. Para se manter competitiva diante da ascensão dos chineses, a Amazon deu mais um passo estratégico ao lançar o Amazon Haul, serviço focado em produtos de baixo custo para o público americano.
A maioria dos itens vendidos custa menos de US$ 10, e alguns saem por apenas US$ 1. É uma resposta direta ao crescimento meteórico de plataformas chinesas.
Essa movimentação reflete não só a adaptação às tendências do mercado, mas também uma aposta da gigante americana em expandir sua base de clientes para consumidores mais sensíveis ao preço. Porém, essa disputa não é apenas por vendas, mas por relevância.
Manter a relevância diante da concorrência é apenas um dos desafios dos marketplaces. Oferecer uma vitrine poderosa para os lojistas requer infraestrutura tecnológica e atenção redobrada à gestão de estoque e logística.
Afinal, não basta anunciar e vender com eficiência. É preciso seguir conquistando o consumidor pela conveniência de receber o produto em casa com agilidade.
Durante grandes eventos, como a Black Friday, a ruptura de estoques é uma das maiores ameaças à experiência do cliente. Um estudo apresentado no congresso Indústria Digital 2024 revelou que, em 2023, a taxa média de ruptura de estoque no e-commerce foi de 26,7%, mais do que o dobro da registrada no varejo físico.
Em 2024, esses números cresceram ainda mais. Tecnologias como algoritmos preditivos e análise de tendências de mercado são fundamentais para evitar problemas do tipo e otimizar a disponibilidade de produtos.
A logística também é um aspecto desafiador. A entrega rápida e sem erros é um dos maiores atrativos dos marketplaces.
Empresas que investem em hubs regionais, monitoramento em tempo real e parcerias logísticas sólidas conseguem não apenas atender às expectativas dos clientes, mas também transformar a logística em uma vantagem competitiva. Em períodos de alta demanda, essas práticas podem fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso.
Para superar esses desafios, a inovação deve estar no centro das operações dos marketplaces. Conceitos como “composable commerce” e “headless commerce” vêm promovendo flexibilidade e escalabilidade de maneira transformadora.
O “composable commerce” permite que empresas adotem uma abordagem modular, em que apenas os componentes necessários são implementados. Isso reduz custos operacionais e aumenta a capacidade de adaptação às novas demandas do mercado. Por exemplo, ao integrar um novo canal de vendas ou um serviço adicional, a estrutura modular evita grandes reformulações, possibilitando ajustes rápidos e eficazes.
Já o “headless commerce” separa o “front-end”, que corresponde à interface com o consumidor, do “back-end”, responsável pela gestão de dados e operações. Isso permite que as marcas criem experiências personalizadas e inovem rapidamente, sem comprometer a infraestrutura central. Uma empresa pode, por exemplo, desenvolver uma aplicação móvel com design exclusivo ou lançar campanhas interativas específicas, enquanto mantém o “back-end” intacto e funcional.
Essas soluções, além de melhorarem a experiência do consumidor, são essenciais para lidar com volumes elevados de tráfego e vendas, especialmente em períodos de pico. A combinação de flexibilidade e escalabilidade garante que as operações continuem fluindo sem interrupções. Estou certa de que veremos cada vez mais inovações dos marketplaces nesse sentido.
Um dos aspectos mais transformadores dos marketplaces é o surgimento do “retail media”, modelo de publicidade digital em que marketplaces oferecem espaço publicitário dentro de suas plataformas. O “retail media” cresceu mais de 42% no Brasil em 2024, segundo o eMarketer.
A capacidade de utilizar dados coletados diretamente do usuário é um dos grandes diferenciais desse modelo. Ele permite às marcas criar campanhas hiperpersonalizadas e otimizar o retorno sobre o gasto com anúncios (ROAS).
Com dados obtidos sem intermediários, totalmente dentro da conformidade regulatória de segurança, graças ao consentimento, é possível entender comportamentos, mapear intenções de compra e gerar relevância. É o que transforma marcas em top of mind.
Plataformas como Mercado Livre e Magalu têm se destacado, gerando um efeito positivo que vai além das vendas imediatas, fortalecendo o branding e a confiança do consumidor. Em 2024, o Mercado Livre recebeu 62% dos aportes de anunciantes, e a Magalu, 29%, ambos alcançando a posição de mais procurados, ainda segundo o eMarketer.
Além disso, o “halo effect”, em que campanhas nos marketplaces geram impacto além da conversão direta, amplia o valor do “retail media”. Esse efeito fortalece a presença de marcas nos canais digitais e estimula o tráfego em plataformas próprias, criando um ciclo de crescimento sustentável.
Os marketplaces podem contar ainda com a inteligência artificial para tornar a experiência de compra tão personalizada quanto as campanhas. Afinal, de acordo com o “2024 Consumer Trends Report”, da Qualtrics, 48% dos consumidores já estão confortáveis para interagir com a IA das marcas.
É algo a ser levado a sério. Segundo um levantamento da empresa de comunicação em nuvem Twilio, 71% dos usuários deixariam de usar marcas que não investem em interações personalizadas.
Com a IA generativa, o varejista pode contar com análise de dados em tempo real para entregar ao consumidor uma categorização de produtos e recomendações totalmente individualizadas. Logo, ele oferece algo mais assertivo para a conversão.
Os marketplaces são hubs de inovação e colaboração. Significam muito mais que simples plataformas de venda. Para empresas que buscam transformação digital e durabilidade no mercado, esses canais já representam uma estratégia indispensável.
De início, os marketplaces eram vistos apenas como uma opção atrativa para conquistar mais visibilidade e escalabilidade. Hoje, eles são a aposta principal para que as marcas atinjam novos mercados com rapidez e eficiência, explorando o potencial de alcance global.
Além disso, a infraestrutura colaborativa dos marketplaces divide custos e riscos entre a plataforma e os vendedores. Isso torna o modelo mais sustentável e acessível para todos os envolvidos.
Outro diferencial é o uso intensivo de dados. Marketplaces coletam e analisam informações em tempo real, permitindo campanhas direcionadas que fortalecem o relacionamento com os clientes. Esse nível de personalização é um fator decisivo para conquistar e reter consumidores.
Ou seja, assim como empresas feitas para durar, os marketplaces são construídos para resistir e evoluir. Enfrentar os desafios de logística, gestão de estoque e concorrência exige estratégias inovadoras e tecnologia de ponta.
Aqueles que vão além, aproveitando essas plataformas como instrumentos de transformação digital, estarão bem posicionados para construir negócios duradouros. O futuro pertence às empresas que, além de se adaptarem, lideram a inovação.