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O Sul global não existe no tema “mudanças climáticas”

Mais realismo e menos narcisismo (e submissão) nas posições brasileiras sobre políticas ambientais. É a sugestão deste artigo

Carlos de Mathias Martins
16 de dezembro de 2024
O Sul global não existe no tema “mudanças climáticas”
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Qualquer retrospectiva que se preze do ano de 2024 vai lembrar que o tema da urgência climática dominou os principais eventos multilaterais. (Agora dizemos “urgência”, não “mais ”emergência”, e quem já foi a um pronto-socorro sabe que casos de urgência têm a prioridade máxima no atendimento.)

Por exemplo, mandatários de 193 países reuniram-se na 79° sessão da Assembleia Geral da ONU em Nova York com o objetivo de debater os temas que afligem a humanidade. Para surpresa de ninguém e como não poderia deixar de ser, a urgência climática que assola o planeta Terra figurou no topo da lista dos tópicos discutidos durante o conclave global.

Na mesma semana, Nova York recebeu a Climate Week. Anualmente, entidades da sociedade civil, empresas e instituições acadêmicas organizam painéis de debates espalhados pela cidade de Nova York. Nas discussões referentes ao tema das mudanças climáticas tanto na assembleia da ONU como na Climate Week, a abordagem recorrente de especialistas e palpiteiros destacava o embate entre o denominado Sul global e os países ricos.

Solidariedade no não-alinhamento

Segundo o professor americano Stephen Kotkin, senior fellow do Hoover Institution, think tank associado à prestigiosa Stanford University, Sul global é um termo falacioso que não se sustenta nem na geografia nem na geopolítica. O professor Kotkin identificado com a direita americana goza de enorme reputação entre seus pares. Segundo Niall Ferguson, acadêmico de origem escocesa identificado com a direita britânica, todo historiador deveria seguir duas regras: a primeira estabelece que o professor Kotkin está sempre certo. A segunda regra estabelece que a primeira regra deve ser observada e obedecida sempre.

Pois bem: segundo o professor Kotkin, não faz sentido agrupar nações com interesses tão dispares sob a égide de uma eventual solidariedade ao não alinhamento com os países ricos. Por exemplo, consideradas a multitude de interesses de países como Índia e China, me parece obvio que ambos não poderiam ser categorizados automaticamente na definição geopolítica de Sul global – aliás ambos os países, China e Índia, estão localizados geograficamente no hemisfério Norte do globo terrestre.

O conceito de Sul global faz ainda menos sentido quando o debate é sobre as mudanças climáticas. O desmatamento de florestas tropicais por exemplo é um tema a ser enfrentado por Indonésia, Congo e Brasil, mas irrelevante na contabilidade do inventário de emissões da Nigéria e do Egito. Outro exemplo: como conciliar a postura resoluta da Guiana na exploração do petróleo na Foz do Amazonas ante a posição ambientalmente cautelosa do Brasil? Se bem que o território da Guiana está localizado no hemisfério norte da Terra. Em resumo, Sul global é uma definição preguiçosa e reducionista para o debate das mudanças climáticas.

O narcisismo ambiental brasileiro

Baseados em análises rasteiras e pouco fundamentadas sobre o poderio brasileiro no mercado de carbono, formadores de opinião, ativistas, jornalistas e palpiteiros clamam pela liderança do nosso país no combate às mudanças climáticas. Tal liderança exercida obviamente em antagonismo à inércia dos países do Norte global. O narcisismo nacional incensado pelo jornalismo chapa alviverde – chapa branca do governo e chapa verde dos ambientalistas – não tem limites. Qual o sentido de estabelecermos metas ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa sem a devida contrapartida de outras nações?

É fato que a sensação de superioridade moral associada ao discurso da ambição climática brasileira tem efeito de dopamina na elite nacional, que viaja pelo mundo emitindo carbono. É fato também que o custo dessa tal liderança climática pode acabar na conta das camadas menos privilegiadas da sociedade brasileira – vide os jabutis incluídos de modo açodado nos projetos de lei do mercado de carbono em tramite no congresso nacional.

Parafraseando Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico identificado como ícone da extrema direita global: entre o sabujismo aos ativistas e as mudanças climáticas, escolhemos o sabujismo e vamos ter as mudanças climáticas.

Carlos de Mathias Martins
Carlos de Mathias Martins é engenheiro de produção formado pela Escola Politécnica da USP com MBA em finanças pela Columbia University. É empreendedor focado em cleantech.

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