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Para quem não gosta de coisas complexas

A mentalidade que faz apologia ao simples e foge de tudo que é mais complicado, de textos a ideias, pode afetar, e muito, nossa capacidade de aprendizado e adaptação

Cássio Pantaleoni
29 de julho de 2024
Para quem não gosta de coisas complexas
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Nos últimos anos, especialmente na última década, temos escutado de vários setores da sociedade certa objeção aos temas que são classificados como “complexos” (as aspas são propositais). Entretanto, o que muitos acham complexo nem é tão complexo assim, mas cresce gradativamente o contingente daqueles que fazem objeção à complexidade – como se tudo pudesse ser entendido pelas margens. 

Considerando as pautas urgentes do mundo, isso deveria nos deixar perplexos, pois por mais cativantes que as margens sejam, elas são apenas recortes de continentes (ou de oceanos, dependendo do ponto de vista).

Quando alguém afirma “ninguém gosta de coisas complexas” ou algo como “este texto é muito complexo”, ou “tua ideia é muito complexa”, invariavelmente lembro do quão complexo foi (e ainda é) colocar uma aeronave no ar.

Quem assistiu ao filme Hidden Figures (o título em português é “Estrelas além do tempo”), viu a saga das três matemáticas afro-americanas que, à época, trabalhavam para a Nasa. O filme mostra como a disposição para abordar complexidades nos dá a oportunidade de encontrar soluções verdadeiramente inovadoras. O roteiro destaca a determinação de Katherine Johnson, a matemática responsável por calcular a trajetória de reentrada de um objeto na atmosfera do planeta, no auge da corrida espacial travada entre Estados Unidos e Rússia durante a Guerra Fria.

Pensemos ainda na complexidade exigida para enviar uma sonda à Marte, colocá-la em solo e pilotá-la remotamente a uma distância de mais de 58 milhões de quilômetros. Ou em quão complexo é fazer uma simples ligação telefônica por meio digital.

O simples de Confúcio

Alguns pensadores nos seduzem com alguns jogos de palavras e reforçam a crença de que coisas complexas nos distraem. Atribui-se a Confúcio, por exemplo, o adágio: “A vida é realmente simples, porém nós insistimos em complica-la”. 

Porém, a simplicidade da vida citada por Confúcio não trata das intrincadas estratégias que cada ser vivo usa para se manter vivo. Ele alude a quão importante é compreender que, na dinâmica das relações humanas, devemos, para simplificar o viver, subtrair as vaidades, os desejos, as obsessões e a agressividade decorrente de nossas frustrações. 

Não fosse a investigação de questões “complexas” e o desenvolvimento das ideias de similar teor – questões e ideias essas que exigem estudo profundo e orquestração precisa de vários elementos simultaneamente – não seria possível viajar de New York à Londres em menos de quatro horas. Quiçá não estaríamos nem conectados nas redes sociais.

A raiz do problema

Por que, então, tanta refração às coisas complexas? Por que se distanciar delas?

Para mim, a resposta sempre foi muito simples: insegurança. Mas, por favor, não se chateie. Se você acha que faz parte do grupo que quer distância dos temas complicados e confusos, lembre-se de que você não é uma exceção. A grande maioria de nós receia perder tempo com questões intrincadas em função do receio de se frustrar.

De certo modo, essa insegurança refere-se à possibilidade de que, investido algum tempo, tenhamos evidências de que não somos tão inteligentes como pensávamos. É um receio bastante apropriado. Afinal, quem não tem medo de falhar?

O curioso, entretanto, é que nós também ficamos inseguros diante de conclusões instantâneas para temas simples. Se problemas aparentemente elementares são resolvidos muito rapidamente, tememos ter deixado algo relevante fora da análise.

Ora, nossas inseguranças sempre aparecem quando percebemos o despreparo; seja o nosso ou o dos outros. Como resolver isso? 

Divisão e conquista

Para nos sentirmos seguros, precisamos desenvolver uma refinada capacidade de interpretação, aprendendo a produzir associações entre conteúdos aparentemente desconectados. Isso ajuda a superar o despreparo de qualquer parte.

A capacidade de fazer associações entre conteúdos distintos retira os aparentes nós cegos dos novelos que gostaríamos de desfiar. Usar representações alternativas por meio das associações é algo simples, que requer apenas tempo e alguma disciplina.  Para tanto, basta não ter medo de “perder tempo” (demorar-se). A “demora” é apenas a marcação do pulso do seu processamento mental para entender aquilo que, cedo ou tarde, será entendido. 

Na verdade, os temas intrincados – que nos aparecem como complexidades – não são nada mais do que a descrição de fenômenos que emergem de uma coleção de premissas que interagem entre si. Então, a “demora” deve ser pensada como o processo de entender cada parte, e também as suas conexões com as outras partes, de modo a reconstruir o fenômeno em si.

Há uma técnica utilizada nas ciências da computação, particularmente no desenvolvimento de algoritmos, denominada “divisão e conquista”. Ela consiste na divisão de um problema em problemas menores, de modo recursivo, até que o problema inicial possa ser resolvido diretamente pela combinação dos resultados de todos os problemas menores. Trata-se de uma maneira bastante efetiva para subtrair o grau de “complexidade”. 

Quando não perder é perder

Encarar a complexidade da vida – seja de um texto literário, de um cálculo matemático, de uma teoria do universo ou outras quaisquer – demanda, sem dúvida, tempo. Você pode não gostar de perder tempo, é compreensível. Porém, talvez nesses casos, não perder tempo signifique perder-se. 

Quando abrimos mão da compreensão de temas intrincados, estamos perdendo nossa autonomia para aprender e, assim, de nos adaptar. Sem esse aprendizado, perdemos também nossa capacidade cooperativa e, por decorrência, perdemos a possibilidade de nos agregarmos. 

Autonomia, cooperação e agregação são fundamentais para que o modo como nos dispomos a conhecer o mundo seja auto-organizado e efetivo. Ao abrirmos mão desses quesitos, estamos fomentando um caos improdutivo.

Enfim, quero convidá-los a não temer a complexidade. Quero convidá-los a aceita-la, a abraçá-la, e enfrentá-la. Vamos nos demorar sobre ela. Aposto que ampliaremos os nossos horizontes. A vida, como escreveu Confúcio, se tornará bem mais simples. E bem mais ampla.”

Cássio Pantaleoni
Cássio Pantaleoni é managing director da Quality Digital e membro do conselho consultivo da ABRIA (Associação Brasileira de Inteligência Artificial). Tem mais de 30 anos de experiência no setor de tecnologia, é graduado e mestre em filosofia, e reúne experiências empreendedoras e executivas no currículo. Vencedor do prestigioso prêmio Jabuti, com a obra *Humanamente Digital: Inteligência Artificial centrada no Humano*.

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