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A culpa é da sustentabilidade? E se ela for normalizada?

Mas já passou da hora das organizações incorporarem esse tema aos negócios e tratá-lo como mais uma área inquestionável de operações. A sustentabilidade tem potencial para ser uma maneira poderosa de permanecer relevante em um cenário de grandes e rápidas mudanças e ainda o planeta

Andrew Winston
5 de agosto de 2024
A culpa é da sustentabilidade? E se ela for normalizada?
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Atualizado em 28/11/2023.

À medida que a COP 28 se aproxima, a discussão sobre crescimento sustentável nas organizações volta à tona, em um ano em que os investimentos em ESG foram seriamente questionados frente às ondas de demissões em massa.Nesse sentido, Lucy Parker, coautora da obra The Activist Leader: A new mindset for doing business, é taxativa. “Para se tornar um líder empresarial de sucesso, é preciso entregar valor financeiro de mãos dadas com valor social”, afirmou https://www.mckinsey.com/featured-insights/mckinsey-on-books/author-talks-how-you-can-future-proof-your-business-for-sustainable-long-term-growth em entrevista para a série Author Talks, da Mckinsey & Company Books.É nesse contexto que a MIT Sloan Management Review Brasil atualiza o artigo a seguir, lançando luz sobre o valor de harmonizar crescimento econômico e sustentabilidade.

Ao longo deste ano de 2023, vimos as empresas de tecnologia demitirem muitas pessoas, começando pela Amazon e pela Salesforce cortando, respectivamente, 18.000 e 8.000 trabalhadores, e outras se seguiram. Um artigo na edição de abril/maio de 2023 da revista Fortune afirmou que as empresas estavam “substituindo exuberância por eficiência” e apontou que elas tinham desligado ao todo mais de 150 mil pessoas até aquela data, sendo que em agosto o número chegou a quase 225.000.

Outro artigo nessa mesma edição da Fortune pôs o olhar sobre a Salesforce, questionando se haveria um conflito entre as demissões da empresa e o compromisso do CEO Marc Benioff com uma liderança empática e sustentabilidade. É uma pergunta pertinente, mas o texto foi além, declarando que essa possível contradição de Benioff poderia “”servir para se realizar um referendo sobre todo o modelo de capitalismo de stakeholders””. Se assim for, então por que os problemas acontecendo em toda a indústria de tecnologia, que outro artigo chamou de “confissão de má gestão”, não renderiam um referendo sobre o capitalismo de acionistas?

Há uma séria inconsistência na forma como o mundo dos negócios vê a sustentabilidade. Sempre que uma empresa que a prioriza se vê em apuros, as pessoas dizem que os líderes deixaram de prestar atenção ao jogo. Mas quando as empresas tropeçam ao seguir a estratégia “”normal”” de maximizar os lucros acima de tudo, o que, aliás, está erroneamente implícito como o oposto da sustentabilidade, seus problemas raramente são atribuídos a esse foco único.

Sustentabilidade como bode expiatório

A acusação sobre a sustentabilidade como fonte dos problemas ficou cristalina quando, em 2021, investidores ativistas e o conselho destituíram o CEO da Danone, multinacional francesa de alimentos, em um movimento dramático que ganhou as manchetes em todo o mundo. O CEO Emmanuel Faber recebeu duras críticas pelo desempenho financeiro da empresa em relação ao da concorrência, mas a imprensa retratou a situação da seguinte forma: no Financial Times, “Danone: um estudo de caso sobre as armadilhas do propósito”; na Forbes, “Sustentabilidade versus a queda do CEO da Danone” e na Time, “Um CEO de prestígio é demitido depois de tornar a empresa ambientalmente mais consciente. Agora ele conta sua versão”.

Infelizmente, essa história ainda está por aí, mesmo dois anos depois. Conversei recentemente com executivos de uma grande empresa de bens de consumo, e um deles expressou ceticismo sobre sustentabilidade, apontando para o que havia acontecido na Danone (e na Unilever, que também se voltou para o tema).

O dedo apontado para a sustentabilidade como vilã está, talvez, surgindo em certos círculos, ou, como se diz, desencadeia esse sentimento em algumas pessoas. Sem chafurdar no pântano do movimento anti-ESG, acho que está claro que algumas vozes proeminentes culparão a sustentabilidade por qualquer problema corporativo. Quando o Silicon Valley Bank faliu, por exemplo, alguns especialistas e políticos saíram a público para afirmar, ridiculamente, que era porque a empresa havia publicado suas intenções e movimentos de diversidade e inclusão.

Culpar a sustentabilidade por infortúnios financeiros soa verdadeiro para a maioria dos executivos. Mas por quê?

Acredito que seja uma suposição profundamente distorcida. A sustentabilidade, mesmo que esteja sendo adotada como nunca, ainda é percebida por muitos como um obstáculo para os ganhos e que sempre aumenta os custos, o que nunca foi nem um pouco verdade.

A ideia de que seja um trade-off ou que é incompatível com a responsabilidade financeira é falsa. Algumas das mais famosas empresas focadas em sustentabilidade, como Walmart e Ikea, são implacáveis cortadoras de custos e seus esforços ambientais e sociais fazem parte dessa estratégia. Elas sabem que a sustentabilidade pode não só reduzir despesas, como também os riscos, impulsiona a inovação e as receitas e gera valor intangível ou de marca. Não é verdade que administrar um negócio de forma sustentável sempre custe mais, embora a compensação nem sempre seja imediata. E, para ser justo, os adeptos desse tópico, eu inclusive, já deram a entender isso.

Mas voltemos ao ônus da sustentabilidade e façamos um rápido exercício mental. Se o foco na sustentabilidade é causa de fracassos, então as empresas que focam apenas nos lucros dos acionistas seriam sempre bem-sucedidas? Claro que não. A taxa de falência das empresas é alta: cerca de 50% das pequenas empresas fecham em cerca de cinco anos. Mesmo entre os gigantes da Fortune 500, o fracasso é a norma. Da lista original de 1955, somente 60 das que existiam à época sobreviveram até o final da década de 2010. A obsessão pelo valor para o acionista não garantiu a existência de 88% das maiores empresas.

Todas as empresas, em algum momento, enfatizam um foco estratégico. Vejam aqui uma lista de exemplos – alguns modismos, alguns mais duradouros – de estratégias que as empresas adotaram ao longo de um século: produção em massa, especialização, diferenciação de produtos, qualidade, segurança, satisfação do cliente, felicidade dos funcionários, redução de custos, reengenharia, desenvolvimento ágil e enxuto, tomada de decisão baseada em dados. As empresas que abraçaram essas coisas muitas vezes superaram outras, mas nenhuma desses carros-chefe foi o único fator para seu sucesso.

As empresas sobem e descem por diversos motivos. As histórias de sucesso mais celebradas, como as descritas no livro Feitas para Durar também podem se deparar com dificuldades ao longo do tempo. O declínio ocorre quando as empresas não conseguem se adaptar às transformações setoriais (Blockbuster), negligenciam as mudanças tecnológicas (Kodak) ou quando sua marca perde espaço por não conseguirem atrair consumidores mais jovens à medida que seu público principal envelhece, um destino compartilhado por inúmeras marcas de vestuário e bens de consumo.

Então, nesse contexto, o que realmente aconteceu com a Danone? É possível que a sustentabilidade tenha sido o problema? Pode ser. Mas talvez fosse algo mais sutil. Em seu livro Purpose & Profit, o professor de Harvard George Serafeim analisou como a Danone estava se saindo no momento da demissão do CEO e descobriu que a empresa estava com desempenho inferior aos pares não apenas em resultados financeiros, mas também em relação à sustentabilidade. As intenções e planos eram firmes, mas os resultados estavam atrasados. Serafeim concluiu: “”Talvez a Danone estivesse com desempenho abaixo do esperado não por seu foco no impacto, mas por não conseguir gerar impacto suficiente””. Se essa conclusão é ou não correta é o debate a ser feito, em vez de simplesmente apontar que os problemas da empresa vêm da opção pela sustentabilidade.

Vamos parar de jogar a culpa no lugar errado

A boa notícia para a sustentabilidade é que ela está na ordem do dia, ou os que querem visibilidade não tentariam atacá-la. Está se tornando essencial para como os negócios são feitos, com evidências em todos os lugares – sinais como maior regulamentação e exigências de transparência das partes interessadas, relatórios de sustentabilidade emitidos por quase todas as grandes empresas e inúmeros cursos adicionados aos currículos das escolas de negócios em todo o mundo.

Diante de tamanha difusão dos esforços de sustentabilidade hoje em dia, talvez seja hora de fazer algo paradoxal. Poderíamos tornar a sustentabilidade nos negócios mais importante se diminuíssemos a intensidade do foco? Isso não quer dizer pegar leve nas questões em que a preocupação com a sustentabilidade tem suas raízes, como as mudanças climáticas e a desigualdade e que são, literalmente, graves e mortais, mas desaquecer a discussão. Seremos capazes de normalizar a sustentabilidade e parar de culpá-la por qualquer coisa que dê errado em empresas com propósito e visão? E podemos deixar de dar a ela o crédito de ser o único fator que impulsiona o sucesso de algumas empresas?

Acho que posso dizer, por exemplo, que a queridinha Patagonia também tem sucesso porque tem produtos que duram muito tempo e uma cultura que atrai funcionários e clientes, além da bandeira da sustentabilidade. Não posso?

É hora de realmente incorporar esse tema aos negócios e tratá-lo como qualquer outra área inquestionável das operações de uma empresa, como o RH, pesquisa e desenvolvimento e segurança. A sustentabilidade não precisa ser o vilão ou o herói. Pode ser apenas uma maneira poderosa de fazer negócios e permanecer relevante em um mundo em rápida mudança… e ajudar a sociedade e o planeta a prosperar.”

Andrew Winston
Andrew Winston é fundador da Winston Eco-Strategies. Ele assessora multinacionais para enfrentar os maiores desafios da humanidade e lucrar com sua solução. É coautor de O Verde que Vale Ouro e autor de The Big Pivot: Radically Practical Strategies for a Hotter, Scarcer, and More Open World.

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