Em 2021, é boa ideia executivos e empreendedores ampliarem suas perspectivas sobre as possibilidades de modelos de parceria entre companhias grandes e pequenas
A alergia alimentar de um filho pequeno pode ser um problema maior do que se imagina. Enfrentei esse desafio com as minhas duas filhas. Na segunda vez, conheci a Mandala Comidas Especiais. A Mandala é uma foodtech criada pela Adriana Fernandes, publicitária que decidiu empreender com outros dois sócios um negócio que retirasse os principais ingredientes alérgicos em alimentos.
Adriana tinha que amamentar Leo, seu filho, que nasceu alérgico múltiplo severo. Na época, era muito difícil encontrar opções de alimentos que não contivessem gluten, leite, ovos, soja, castanhas e outros. A Mandala me conquistou no hospital enquanto minha esposa ainda dava de mamar para a Bella, minha filha prematura recém-nascida com intolerância a proteína do leite de vaca, ao receber o melhor brownie do mundo feito de feijão.
Alguns meses depois, a M Dias Branco, empresa líder nacional no segmento de massas e biscoitos, convidou a Innoscience para estruturar o Germinar, seu programa de inovação com startups. Me reconectei com a Mandala e conheci a Adriana. A Leila Malta, nossa consultora associada, fez contato com a Mandala incentivando sua participação no Germinar.
Durante o pitch a Adriana conquistou a todos com seus produtos. Depois de um período de discussão, as partes desenharam um projeto piloto para testar um produto da Mandala no canal varejo de um parceiro da M Dias Branco. Uma oportunidade única. Você não imagina como é difícil fazer seu produto ser vendido numa rede de grande porte como Pão de Açucar e Carrefour.
A parceria desenhada envolvia vender o nhoque de mandioquinha com a marca Mandala, promovido pela M Dias Branco. Depois de três meses de piloto e ótimos resultados, as empresas decidiram ampliar a parceria.
A relação entre a M Dias Branco e a Mandala ilustra um modelo no qual a empresa líder, oferece o produto com a marca da startup por meio de seu canal de distribuição. Tudo isso sem a necessidade de criação de uma nova empresa. A M Dias Branco aproveitou seu canal de distribuição, adicionando novos produtos, enquanto que a startup teve acesso a novos mercados.
O relacionamento entre empresas estabelecidas e startups não se resume a investimentos ou contratação de produtos e serviços. Uso White label, cobranding, revenue share, e novos negócios são algumas das possibilidades. Que tal conhecer modelos que, como executivo ou empreendedor, podem ser praticados para ampliar as formas de parceria?
1. White label: Envolve a oferta de uma solução em parceria entre uma empresa estabelecida e uma startup na qual a solução da startup é oferecida com a marca da empresa estabelecida. A relação, normalmente, é regrada por um acordo de cooperação comercial. A empresa estabelecida oferece com a sua marca o produto da startup que fica responsável pela execução. O Sicredi, em parceria com a startup Hallo, oferece um marketplace para seus cooperados de todo Brasil transacionarem por meio de uma plataforma oferecida pela instituição financeira. A solução utiliza a marca Sicredi Conecta e aproveita toda tecnologia da Hallo. Há casos inversos nos quais a solução da empresa estabelecida integra o produto da startup. Em um pitch recente que organizamos, três das fintechs participantes usavam soluções white label do BV, antigo Banco Votorantim.
2. Co-branding: Envolve a oferta de um produto ou serviço com ambas as marcas assinando a iniciativa. Não requer necessariamente a constituição de uma nova empresa, podendo ser regulada por acordo comercial e contrato de licenciamento.. A venda, produção e entrega podem ser feitos por ambos ou definidas responsabilidades entre as partes. A Nutricia, divisão de nutrição da Danone, desenvolveu em parceria com a startup Pic-Me, uma barrinha proteica voltada ao público adulto em busca de longevidade mais ativa. Além da proteína, a barrinha zero açúcar só leva ingredientes naturais e contém cálcio, colágeno e vitamina D. O produto é assinado com as marcas Pic-Me e FortiFit, marca da Danone Nutricia.
3. Revenue share: Envolve a oferta de um produto com a marca da startup por intermédio da rede de distribuição da empresa estabelecida, similar ao caso da Mandala. A grande empresa vende a solução e a startup entrega. No ambiente de plataformas digitais essa é uma prática bastante comum. Grandes vendors de tecnologia como Microsoft e SAP plugam soluções de tecnologia de startups em seus marketplaces para aproveitar sua base de clientes e rede de distribuição e, em função disso, existe uma divisão da receita gerada entre as partes. É um modelo que não requer a constituição de uma nova empresa, podendo ser regulado contratualmente, mas e que pode ser útil para a startup ampliar canal de venda e para a empresa ampliar mix de produtos ou serviços. A Randon lançou recentemente o serviço Truck Assistência em parceria com a TruckHelp garantindo serviços 24 horas por dia para atendimento de caminhões e implementos rodoviários.
4. Novos negócios: Envolve a co-criação de uma nova solução com objetivo de gerar um novo negócio entre uma empresa estabelecida e uma startup. Pode existir a constituição de uma nova empresa, uma joint venture societária, que terá uma nova marca e sócios em participações a serem definidas. Nesse caso, a venda e entrega podem serem feitas por ambos ou ainda por uma nova estrutura a ser criada. Uber e Embraer estão trabalhando juntos no EvTol, modelo de “carro voador” apresentado pela EmbraerX, subsidiária da Embraer para negócios disruptivos, no Uber Elevate Summit 2019, evento americano sobre soluções para o futuro do transporte.
Os modelos de parceria apresentados tem variações no tipo de relacionamento entre as partes, uso de marcas, definição de papéis e responsabilidades e forma de remuneração. Os aspectos legais condizentes com cada alternativa precisam ser adaptados caso a caso. Propriedade intelectual, exclusividade de uso e opções de investimento são alguns dos temas também discutidos. A Mandala, por exemplo, depois de uma parceria inicial recebeu investimento da M Dias Branco que passou a ser sócia da startup fazendo o primeiro investimento de venture capital da empresa nascida em 1961 no Ceará.
Importante destacar que os modelos não são mutuamente excludentes. Empresas como a Ambev, recentemente reconhecida como a melhor corporate para relacionamento com startups no Brasil, tem feito contratação, investimento e parceria com startups. Casos como as relações com Menu, Lemon e Skore, inclusive o revenue share de Skol Beats com a “startup” Anitta, são exemplos dessa apurada estratégia de parcerias.
Não há uma única forma de fazer parceria com startups. White label, revenue share, cobranding e novos negócios são algumas das alternativas. Para executivos e empreendedores, ampliar a perspectiva sobre as possibilidades de modelos de parceria traz o mesmo que a Mandala trouxe para a Bella, minha filha, e para o Léo, filho da Adriana. Maiores opções podem gerar melhores resultados.”