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A lógica dos incentivos no capitalismo consciente

Ao contrário do investimento baseado na relação utiltária, no capitalismo consiciente o alinhamento de causa é o fundamento do engajamento e da remuneração

Colunista Thomas Eckschmidt

Thomas Eckschmidt

19 de Outubro

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Artigo A lógica dos incentivos no capitalismo consciente

O mundo corporativo sempre trabalhou com incentivos, pois as pessoas nunca se conectaram diretamente com o negócio, mas com o benefício adicional oferecido pelas organizações em alcançar metas de produção. No entanto, a realidade nua e crua é que os incentivos financeiros não geram mais desempenho operacional. Isso ficou ainda mais acentuado durante a pandemia do covid-19.

Não estamos dizendo que os incentivos financeiros não vão existir. A questão, contudo, é que os apoios financeiros não irão mais promover aumento de desempenho. De modo natural, no entanto, você pode estar se perguntando: de onde vem essa ideia?

Os incentivos financeiros estão desatualizados e foram criados para um tipo diferente de trabalho, numa época social e economicamente mais atrasada do que a que vivemos atualmente.

O engenheiro mecânico Frederick Taylor partiu da premissa de que o trabalho é entediante e desagradável, sendo um meio para alcançar um determinado objetivo: sobreviver. Com base nessa premissa, a única forma de manter as equipes motivadas era oferecendo mais dinheiro. Essa abordagem míope é desastrosa para a inovação e criatividade, uma vez que os incentivos financeiros eram usados para ganhar desempenho em tarefas simples e repetitivas.

Infelizmente essa perspectiva de Taylor foi determinante para os modelos de gestão do século passado. O modelo da cenoura e da varinha, ou recompensa e punição, em outras palavras, foi o modus operandi de praticamente todas as organizações “sem alma”. Esse tipo de incentivo fomenta o que podemos chamar de “compliance” (cumprimento de regras) e não o engajamento.

A aplicação de incentivos financeiros é até mesmo questionável para as atividades repetitivas. Essa prática não contribui com a mudança de comportamento em longos períodos, muito menos em cenários de mudanças permanentes.

Do ponto de vista psicológico, essa abordagem de “prêmio e punição” é o tipo de motivação extrínseca, que não produz mudança de comportamento de longo prazo.

Então por que precisamos de incentivos? Talvez não precisemos mais deles.

Engajamento entre stakeholders

Quando pensamos nas relações entre pessoas, stakeholder e trabalho, podemos definir quatro níveis de relacionamento:

1. A relação utilitária: pode ser entendida pela troca do tempo do funcionário pelo salário fixo que este recebe. Ou seja, pura utilidade. Caso a empresa espere que ele alcance determinadas metas, trazemos o segundo nível de relacionamento;

2. A relação de valor: faço mais e assim ganho mais. Aqui entra o incentivo financeiro. Nesse momento criamos uma relação viciada: se não tem incentivo, não faço mais. No caso da relação das relações comerciais, há milhares de casos em que clientes só compram com o estímulo de promoções;

3. A relação de causa: entra a lógica do “faço o meu trabalho porque acredito nesta causa”; ou “quanto mais contribuo, mais avançamos a causa”;

4. A relação com a razão de ser do indivíduo: isso significa que quando a causa da organização esta conectada com a causa pessoal do indivíduo, alcançamos o auge de um relacionamento e, dessa forma, o desempenho é potencializado.

O que tudo isso significa, em síntese? Do ponto de vista de engajamento, o máximo possível é quando a razão de ser de um indivíduo está diretamente relacionada à causa da organização. Em qualquer nível de relacionamento anterior a esse não teremos um nível de engajamento máximo.

Alinhamento de causa

O argumento descrito acima levanta outras perguntas: (1) e onde falhamos? (2) Não temos nossa causa clara? (3) Quantas empresas têm clareza do seu propósito? (4) As organizações tomam decisões alinhadas com essa ideia ao invés de focar em resultados financeiros de curto prazo?

No geral, contratamos pessoas com base em uma troca utilitária. Buscamos talentos no mercado que se encaixem em uma faixa de remuneração específica e depois criamos incentivos para aumentar o desempenho. No entanto, deveríamos contratar pelo alinhamento de causa.

Já ouviu histórias de pessoas que dizem que para determinadas empresas trabalham até de graça? E que depois de serem contratadas por essas organizações e mostrarem trabalho conversam sobre como podem ser remuneradas? Isso é um alinhamento de razão de ser ao invés de uma relação utilitária. Sempre se consegue criar uma remuneração justa e boa para todos quando existe engajamento máximo a partir de um alinhamento de razão de ser.

Outro exemplo icônico no mundo do capitalismo consciente é de um CEO e fundador de uma empresa de processamento de cartões de crédito. O empresário decidiu baixar o seu salário de US$ 1 milhão para US$ 70 mil ao ano e subir a remuneração de todos os colaboradores para esse valor mínimo. Claro que alguns empregados que viviam da troca utilitária e de uma relação de valor (trabalho mais ganho mais) deixaram a empresa.

A Gravity Payments, baseada em Seattle, fez homens adultos chorarem, e teve crescimento extraordinário. No entanto, durante a pandemia passou por um momento difícil, pois em março de 2020, ficou a quatro meses da falência. Contudo, os funcionários se juntaram e decidiram por uma redução salarial coletiva para manter a empresa operando. Hoje já estão de volta ao desempenho de antes da pandemia. Isso é uma relação de razão de ser, seguindo a lógica de um engajamento máximo.

Neste sentido, um exemplo brasileiro, para não dizer que isso é coisa de gringo, é a empresa Mercur do Rio Grande do Sul, especializada na fabricação de artefatos de borracha. Conhecida pela produção de borrachas de apagar risco de lápis, a Mercur decidiu que o pagamento do bônus seria igual para todos. Cada funcionário era pago com um salário diferente, de acordo com a responsabilidade, conhecimento e risco exercido. No entanto, o resultado alcançado pela empresa deveria ser dividido igualmente, pois todos os colaboradores trabalhavam juntos para alcançar aquele benefício.

O case da Mercur é mais um exemplo onde todos trabalham alinhados pelo propósito da empresa e seus anseios pessoais. Assim, o incentivo para fazer mais não está inserida na lógica financeira individual, mas nos incentivos coletivos de impactar mais pessoas por meio do trabalho.

Exercício de análise

Diante de tudo que foi descrito e argumentado até aqui, finalizado este artigo com algumas perguntas que podem ajudar você e sua empresa:

1. Você ainda contrata com base em um orçamento de faixa de remuneração?

2. Você busca pessoas dispostas a doar seu tempo por salário fixo e depois cria incentivos financeiros para que alcancem as metas?

3. Qual o propósito de sua organização, por que ela existe? Qual problema sua empresa está resolvendo? Ou será que está causando mais do que resolvendo?

A partir de uma determinada condição de vida, onde grande parte das despesas básicas para viver bem estão cobertas, os incentivos para chegar mais longe e aumentar o nível de engajamento não está mais no dinheiro – exceto para as pessoas que vivem pelo ego. Neste caso a sua organização tem outro problema: um bando de gente que só olha para o seu interesse próprio. Certamente esse caminho não levará a sua organização muito longe neste século 21.

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Autoria

Colunista Thomas Eckschmidt

Thomas Eckschmidt

Cofundador e ex-diretor geral do movimento do capitalismo consciente no Brasil, Thomas Eckschmidt é autor de Conscious Capitalism Field Guide e outros livros práticos para implementar os fundamentos de um capitalismo mais consciente. É ainda cofundador e CEO da Conscious Business Journey, uma rede de consultores com o propósito de acelerar a transformação para um ecossistema de negócios conscientes e atua como conselheiro em diversas empresas.Em seu site www.CBActivator.cc, Thomas disponibiliza um e-book sobre como ativar a consciência da sua organização. Ele encabeça o podcast Capitalista.Consciente, encontrado nos principais tocadores.

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