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Ambidestria contextual: o que as empresas podem fazer

Confira este texto pioneiro da MIT Sloan Management Review, publicado em 2004 e atualizado, sobre o papel das organizações na construção da capacidade de gestão simultânea do presente e do futuro sem o foco em duplicar estruturas

Julian Birkinshaw e Cristina Gibson

17 de Julho

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Artigo Ambidestria contextual: o que as empresas podem fazer

A ambidestria organizacional – gestão simultânea do presente e do futuro – tem sido muito relacionada à estrutura formal das empresas. Mas ela não surge apenas dessa maneira. Na verdade, ela é alcançada, em grande parte, por meio da criação de um contexto no qual os indivíduos fazem suas próprias escolhas sobre como e onde devem concentrar suas energias – e aí as concentram, alternadamente, entre alinhamento (com a operação presente) e adaptabilidade (com o potencial futuro). 

No entanto, quase todos os esforços e pesquisas sobre ambidestria se concentram na separação estrutural entre atividades orientadas para o alinhamento e atividades orientadas para a adaptabilidade – ou seja, a empresa cria uma estrutura para cuidar do presente e outra para cuidar do futuro. Essa abordagem pode, sim, ser altamente eficaz, mas também há evidências de que ela pode criar muitos problemas. 

Nós desenvolvemos o conceito de ambidestria contextual e o exploramos por meio de uma ampla pesquisa de três anos em dez multinacionais, em várias de suas unidades de negócios de cada uma, em parceria com o Fórum Econômico Mundial e a consultoria Booz Allen Hamilton (hoje PwC Strategy&). 

Os resultados nos permitiram identificar quatro comportamentos ambidestros em indivíduos e também cinco esforços a serem feitos no nível organizacional, no qual a ambidestria contextual pode ser definida como “a orientação coletiva dos funcionários em direção à busca simultânea de alinhamento e adaptabilidade”.

ESTUDO DE CASO

Como os gestores podem começar a pensar sobre a construção de ambidestria contextual em suas organizações? Sumantra Ghoshal e Chris Bartlett definem contexto como o conjunto frequentemente invisível de estímulos e pressões que motivam as pessoas a agir de uma determinada maneira. Argumentam que quatro conjuntos de atributos – alongamento, disciplina, apoio e confiança – interagem para definir o contexto de uma organização. Combinados, tais atributos criam duas dimensões do contexto organizacional: 

  1. gestão de desempenho (combinação de flexibilidade e disciplina), que se preocupa em estimular as pessoas a entregar resultados de alta qualidade e torná-las responsáveis por suas ações;

  2. apoio social (combinação de apoio e confiança), que está preocupada em fornecer às pessoas a segurança e a liberdade de que precisam para ter um desempenho melhor.

A gestão de desempenho e o apoio social são igualmente importantes e reforçam-se mutuamente. A forte presença das duas coisas criará um contexto que leva a uma organização verdadeiramente ambidestra. No entanto, se houver um desequilíbrio nessas características organizacionais, ou a falta de ambas, existirá um contexto organizacional abaixo do ideal. 

Quanto mais uma empresa enfatiza a gestão de desempenho e o apoio social, maior é a probabilidade de seus funcionários se comportarem de maneira ambidestra, ou seja, serem alinhados e adaptáveis, e mais provável é que a organização alcance alto desempenho. Uma deficiência na gestão de desempenho ou no apoio social criará contextos abaixo do ideal para a ambidestria. Encontramos quatro tipos:

  • Contexto clube de campo: alto apoio social + baixa gestão de desempenho

  • Contexto alta performance: alto apoio social + alta gestão de desempenho

  • Contexto baixa performance: baixo apoio social + baixa gestão de desempenho

  • Contexto de burnout: baixo apoio social + alta gestão de desempenho

Se a organização for voltada para os resultados mas não der apoio social, vai se instalar um contexto de burnout. Exemplo de sistemas de apoio social são oferta de formação, sessões de feedback e informação entre as funções, por exemplo. Muitas pessoas até terão um bom desempenho por tempo limitado em tal cenário, mas sua natureza despersonalizada, individualista e orientada pela autoridade normalmente resulta em um alto nível de rotatividade de funcionários, dificultando a ambidestria. 

Já um forte apoio social sem expectativas de alto desempenho gerará um contexto de clube de campo, no qual os funcionários se beneficiam e desfrutam de um ambiente de responsabilidades compartilhadas, mas raramente produzem tudo que seu potencial permite. As empresas nessa posição também apresentam baixa ambidestria e produzem resultados satisfatórios, mas sem brilhantismo. 

Esse cruzamento de desempenho e apoio social fica visível no caso da Oracle. Ela estava posicionada entre os contextos de alto desempenho e burnout. As expectativas de desempenho eram muito altas, as pessoas eram bem recompensadas e o estilo de trabalho era competitivo e agressivo. Um executivo, por exemplo, comparou o negócio ao “motor de uma Ferrari, que gira em alta rotação, mas pode queimar a qualquer minuto”. Mas, ao mesmo tempo, os funcionários avaliaram a empresa como moderadamente alta em apoio social, citando o desenvolvimento de um sistema de balanced scorecard e fóruns de liderança nos quais os 275 gestores principais se reuniam para compartilhar ideias. Ela acentuou o apoio social.

Esse caso nos permite entender três aspectos: ponto de partida, ações e liderança. O ponto de partida da Oracle foi o alto desempenho e, em seguida, ela procurou maneiras de criar apoio e confiança em toda a organização. Outra empresa poderia fazer o caminho contrário, começando pelo apoio social existente para buscar alto desempenho. Os funcionários da Oracle enfatizaram o estabelecimento de metas, avaliação de desempenho individual e gerenciamento de risco como alavancas, e isso é importante. Ainda mais importante, contudo, é a consistência com a qual essas alavancas são enfatizadas e o número de funcionários que elas afetam. Por fim, quanto à liderança, a Oracle teve Larry Ellison, com seu estilo carismático e diretivo, mas o estilo não importa – a construção de contexto ideal acontece sob diferentes tipos de líderes, segundo nossas evidências.

Um ponto muito importante: as empresas que se encontram em um contexto de baixo desempenho devem colocar uma prioridade imediata no desenvolvimento de uma gestão de desempenho aprimorada. Os mecanismos de apoio social podem se seguir a isso, contanto que aconteçam bem antes que o risco de esgotamento se torne um problema.

CAMINHOS PARA A AMBIDESTRIA

Para executivos que buscam construir uma organização ambidestra, existem cinco lições principais que emergem de nosso trabalho.

1. Diagnostique o seu contexto organizacional

Antes que uma organização possa dar passos em direção a um contexto de alto desempenho, ela deve descobrir onde está atualmente em termos de gestão de desempenho, apoio social e equilíbrio entre os dois. Uma matriz com os quatro tipos de contextos explicados anteriormente, cruzada com respostas de um grande número de pessoas em toda a empresa produzirá uma análise quantitativa básica e útil. Ela pode ser complementada por uma discussão mais qualitativa do contexto na organização. Na medida em que as duas análises se reforçam, surge uma imagem confiável de quais mudanças precisam ser feitas ao longo de quais linhas para mover a organização em direção ao alto desempenho.

2. Foque em algumas alavancas e aplique-as de forma consistente

Não encontramos evidências de que alavancas organizacionais específicas, como remuneração de incentivos ou gerenciamento de risco, estivessem consistentemente vinculadas ao sucesso. Existem muitas maneiras de construir um contexto organizacional que possibilite a ambidestria, e as empresas que apresentam melhor desempenho são aquelas que se concentram consistentemente em apenas algumas alavancas. Por exemplo, a Scotch decidiu se concentrar em reforçar seu lado de apoio social da equação: desenvolvimento profissional, transferência de conhecimento e um processo de planejamento estratégico mais participativo. Quanto mais consistentemente esses conceitos forem aplicados, mais fácil será para os funcionários de toda a organização entender as mudanças que estão ocorrendo. A consistência é crucial, pois o contexto organizacional não cria, por si só, alto desempenho, mas possibilita a ambidestria em nível individual que, com o tempo, leva ao alto desempenho.

3. Garanta que todos os níveis da empresa estejam na mesma página

Em nossa pesquisa, descobrimos que quanto mais baixo o entrevistado estava na hierarquia corporativa, mais baixo ele avaliou as características ambidestras da organização, um padrão que chamamos de efeito de erosão. Curiosamente, a magnitude do efeito da erosão variou com o desempenho da empresa: em empresas de baixo desempenho, os funcionários da linha de frente classificaram os elementos do contexto organizacional em média 1,5 ponto abaixo em uma escala de 7 pontos do que seus colegas da alta administração; nas empresas mais ambidestras e de alto desempenho, a disparidade de classificação era normalmente de 0,5 ponto ou menos. Vale frisar que, para que o contexto organizacional seja eficaz na criação de ambidestria, sua mensagem deve ser disseminada de forma clara e consistente por toda a organização. Se os funcionários de nível hierárquico inferior não compreenderem as iniciativas da alta gestão, as iniciativas terão um impacto mínimo na capacidade de ambidestria dos indivíduos.

4. Veja a ambidestria contextual e a estrutural como complementares

Às vezes, uma separação estrutural pode ser essencial, mas também deve ser temporária, um meio de dar a uma nova iniciativa o espaço e os recursos para começar. O objetivo final deve ser a reintegração com a organização principal o mais rápido possível. A ambidestria contextual ajuda, inclusive, a melhorar os processos de separação e reintegração.

5. Veja as iniciativas de ambidestria contextual como elementos que "impulsionam a liderança", mas não são "impulsionadas pela liderança"

O ímpeto em direção à ambidestria às vezes pode ser impulsionado por iniciativas de cima para baixo, mas o objetivo é permitir que a liderança surja da organização em todos os níveis e para que essa liderança emergente e universal tenha como característica inerente a ambidestra. A liderança deve se tornar uma característica exibida por todos na organização.

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Autoria

Julian Birkinshaw e Cristina Gibson

Julian Birkinshaw é professor de gestão internacional e estratégica da London Business School e fellow do Advanced Institute of Management Research. Cristina Gibson é professora de gestão da Graziadio Business School, ligada à Pepperdine University, de Malibu, Calfórnia.

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