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Behavioral science e a estratégia de marketing – parte 1

Entenda como hábitos pessoais influenciam a tomada de decisões no cotidiano, gerando uma economia comportamental que (retro)alimenta posicionamentos e reações

Ulisses Zamboni
6 de agosto de 2024
Behavioral science e a estratégia de marketing – parte 1
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Atribuído originalmente a Nietzsche, o provérbio ‘o diabo mora nos detalhes’ é amplamente usado por todos nós no trabalho. Mas, por ser melancólico demais para se iniciar um artigo, vou ficar com a versão do mesmo ditado um pouco mais otimista: ‘Deus mora nos detalhes’. Essa é atribuída à doutrina judaica segundo a qual, para alcançar a perfeição material e moral, o homem depende das pequenas ações.

O behavioral science (BS) é o típico ‘detalhe’ no mix de atividades de marketing e da comunicação que pode dar aquele nariz de vantagem na conversão de uma marca em detrimento a dos concorrentes. Apesar do assunto já se apresentar como um fundamento importante do marketing contemporâneo, o BS está longe de estar consolidado como ciência reconhecida e massiva, até porque ela mesma ainda está evoluindo à medida que os papers e estudos acadêmicos estão sendo amplamente produzidos e divulgados.

O tema começou a ficar pop na década dos 2000, mais precisamente no início da década, com o psicólogo social e professor convidado em Berkeley, na University of California, Barry Schwartz, que lançou o livro O Paradoxo da Escolha. Na verdade, 2003 e 2004 foram anos importantes para o BS. Tanto Schwartz como Richard Thaler, que menciono largamente adiante, lançaram publicações sobre o assunto.

The Paradox of Choice
The Paradox of Choice amazon.com.br

Conhecido pelo seu estudo sobre a felicidade do homem, Schwartz estabelece uma correlação direta entre as escolhas que fazemos e a felicidade. No livro, ele direciona o conceito para a sociedade de consumo e introduz alguns dos vieses cognitivos que usamos frente às decisões de compra que temos (ou não).

A tese de Schwartz aterriza num insight importante para o marketing de hoje: quanto menos opções, melhor; ou seja, o usuário se livra do peso e da dor de estabelecer critérios para escolha de um bem. Muitas opções paralisam, constroem dificuldade na hora da escolha e prejudicam a conversão. Bom, para quem é bombardeado como a sociedade atual por uma quantidade que vai de 6 a 10 mil mensagens publicitárias todas as semanas, essa dor fica ainda mais forte.

Depois de 2004, vários outros acadêmicos também se tornaram autores da literatura de gestão com o assunto BS e ganharam notoriedade como Daniel Kahneman, Richard Thaler, Amos Tversky, Dan Ariely, etc, mas sempre cunhando seus estudos de economia comportamental ou behavioral economics.

Behavior(al) economics vs. behavior science

Na Europa, as consultorias e algumas poucas agências de comunicação estão dando um show de insights em BS para seus clientes. Contudo, por ser ainda um assunto novo e pouco explorado especialmente aqui no Brasil, há diferentes perspectivas quanto ao conceito de cada uma, mas em linhas gerais, behavioral economics fica na interseção entre a psicologia e a economia, no sentido de que uma atitude (psi) tangencia uma tomada de decisão com consequências econômicas, sejam elas financeiras ou não.

Em bom português, imaginem a seguinte situação: são três horas de viagem de São Paulo ao litoral sul, onde fica a casa de praia do Tobias. Chegando lá para um final de semana ele percebe que esqueceu as chaves do imóvel. Do ponto de vista ‘econômico’, ou seja, das consequências factuais do esquecimento, observamos: (1) tempo de retorno para SP; (2) o desequilíbrio emocional; (3) os prejuízos financeiros; (4) o comprometimento de atraso em compromissos na cidade etc. Em síntese, ocorre nesse tipo de situação uma arquitetura complexa de decisão e de comportamentos (behaviors) importantes.

O que ele poderia fazer: voltar para São Paulo? Arrombar uma das portas da casa? Pernoitar num hotel para não perder tempo do final de semana? Mandar um Uber pegar a chave com a empregada? Quaisquer decisões a serem tomadas vão gerar desdobramentos econômicos para aquele curto prazo do Tobias no litoral.

Em 2002, Daniel Kahneman, matemático israelense, mas naturalizado americano, que também é doutor em psicologia comportamental, ganhou o Prêmio Nobel de Economia com uma teoria que traz ainda mais luz ao behavioral economics. É a ‘teoria da perspectiva’ que prova que as possibilidades de perdas influenciam mais do que as chances de ganhos nas tomadas de decisão.

Anos depois, em 2011, Kahneman e seu parceiro de estudos, o também matemático e psicólogo comportamental Amus Tversky lançam Thinking, Fast and Slow (na tradução brasileira, Rápido e Devagar), obra que aprofundam seus conceitos da psicologia detalhando os dois jeitos como o cérebro funciona na hora de tomar decisões.

BS e o capitalismo libertário

Não é por falta de literatura que o BS vai padecer. Outro ‘hit pop’ da literatura de behavioral economics é a do livro Nudge, que em uma versão abrasileirada podemos chamar carinhosamente de “O empurrãozinho”. Em 2008, Richard Thaler lançou este best-seller e o reeditou neste mês (setembro de 2021). Participei do webinar de Thaler do lançamento da versão mais atualizada do livro, chamado de Nudge – The Final Edition.

Nudge: The Final Edition
Nudge: The Final Edition amazon.com.br

Nudge é quando a gente dá aquele empurrãozinho no indivíduo com pistas ou assertivas que podem ajudar na complexa arquitetura cerebral de escolha para tomada de decisão. Quer um exemplo? Lembram do início do texto que falo do paradoxo da escolha – de como escolher muitos itens – é penoso para o usuário? Pois bem, quando vamos ao restaurante e pedimos ‘o prato do dia’ estamos nos aproveitando de um nudge para escolher um prato do cardápio. Claro que esse é um exemplo raso e quase irrelevante, mas ilustra bem como o nudge age.

Thaler é um cientista daquele tipo “tiozinho genial que todo mundo quer ter” e um autor que dá entrevistas fofas para o National Geographic e Discovery Science. Calmo, sempre bem-humorado e muito humilde como todo cientista seguro do que está falando, em 2003, num artigo para o University of Chicago Law Review, Thaller cunhou – junto com um amigo advogado – a expressão ‘capitalismo libertário’, termo que virou alvo de críticas desde então.

Capitalismo libertário define que é possível e legítimo que instituições públicas e privadas afetem o comportamento, ao mesmo tempo em que respeitem a liberdade de escolha de cada um, bem como a implementação dessa ideia. Como vocês podem notar, o termo capitalismo em si já atrai lovers e haters mundo afora, e que dirá então qual é o significado?

Peculiaridades sociais à parte, Nudge foi reeditado em 2021 com um capítulo a mais. O autor escreve sobre sludge, o oposto de nudge, que se refere à criação de fatos que, ao contrário, pretendem ser nudges, mas viraram fricções para a decisão. Os UXers, designers de páginas na web que têm o objetivo de criar um layout tão fácil de navegar que os usuários visitam as páginas por mais tempo, sabem bem o que é um sludge.

Um exemplo de sludge vem do The New York Times. Há alguns anos, o jornal vinha colocando um botão enorme escrito ‘subscribe’ (‘assine’) em sua página de abertura com a intenção de facilitar o caminho para tal ação. Só que os americanos estão cansados de serem impactados por assinaturas de publicações. A experiência de um designer do jornal mostrou que não era o tamanho do botão que facilitaria a ação de compra da assinatura, mas o comando do botão que foi alterado de ‘assine’ para ‘join’ (‘junte-se a nós’). A mudança gerou um acréscimo de assinaturas por volta de 12%.

BS e a ética

Nas palavras de Thaler há um certo pesar pela massificação e pelo modismo do ‘nudge’ ao redor do mundo, tanto na iniciativa privada como nos governo. Aliás, para entender melhor a perspectiva do autor, vale a dica de conferir o canal especializado de behavioral economics chamado Inside BE.

Adiante, de acordo com Thaler, as empresas tech giants são experts em nudging, especialmente as plataformas de mídia social e streamings. A exemplo do Netflix, outros streamings também mantêm o espectador preso à tela no final de um episódio quando ’empurra’ o usuário para ver o episódio seguinte quando aparece aquela barrinha de segundos no canto inferior direito da tela.

Os estados americanos que possuem suas próprias leis também têm abusado recentemente e pisado na linha tênue entre um empurrãozinho e a falta de ética. Por exemplo, doação de órgãos é um dos assuntos em que um determinado estado, ao invés de sugerir um ‘opt in’ na doação, põe como default um ‘opt out’. Ou seja, esse empurrão faz com que automaticamente todos os cidadãos daquele estado seja doadores, ficando para cada indivíduo retirar o registro pessoal de doação caso não queira ser um doador.

No próximo artigo

Poderia escrever muito mais sobre o assunto. Como o tema é vasto e tem povoado a cabeça de muitos gestores, resolvi dividir o artigo em duas partes. No próximo texto, vou dissertar sobre alguns casos de nudges que ajudaram algumas empresas a conquistar mais market share, receita ou clientes. Aguardem.

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Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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