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Marketing

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Captar dados de graça está com os dias contados nas empresas. Monetização deve ganhar força

Consumidores, enquanto titulares de dados pessoais, vão querer sua fatia do bolo. Iniciativas de fidelização são alguns dos meios mais eficazes - e justos - para essa partilha

Colunista Julio Quaglia

Julio Quaglia

07 de Fevereiro

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Artigo Captar dados de graça está com os dias contados nas empresas. Monetização deve ganhar força

A monetização de dados virou mais um mantra no mundo dos negócios, sendo repetido por executivos de companhias dos mais diversos segmentos e tamanhos. Mas, antes de pensar em lucrar com esses assets, é preciso adquiri-los - e ao menor custo possível. Quem vai largar na frente? As empresas que já possuem as ferramentas mais seguras, eficazes e justas para obter esses ativos, os programas de fidelidade e outras ações de loyalty. E a razão é simples: não só as marcas descobriram que “dados são o novo petróleo” (outro mantra!), mas os consumidores também já começaram a se dar conta disso.

O consenso sobre o valor desse insumo tem suscitado entre os titulares de dados pessoais a seguinte indagação: “por que dar nossos dados de graça a empresas?”. A questão foi levantada por Daron Acemoglu, professor do MIT e candidato ao Nobel de Economia, durante a entrevista que concedeu ao Valor em sua recente passagem pelo Brasil.

Com mais e mais pessoas fazendo a mesma pergunta, ela pode muito bem acabar virando um movimento. E é aí que entram os programas de fidelidade - canais privilegiados de relacionamento com os clientes e fonte perene de dados primários de seus hábitos de consumo e preferências. Segundo dados da pesquisa Panorama da Fidelização no Brasil 2023, 84% dos consumidores compartilhariam dados pessoais com empresas em troca de mais personalização, melhor experiência de compra e benefícios.

Vantagens mútuas e confiança na marca

Ainda de acordo com a pesquisa, realizada pela Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (ABEMF) em parceria com o site Tudo Sobre Incentivos (TSI), quase 94% dos respondentes consideram como “confiáveis e transparentes” empresas que oferecem programas ou ações de fidelização; e 64% acreditam que essas iniciativas “trazem benefícios tanto para empresas quanto para os consumidores”.

Os dados brasileiros sobre a percepção de clientes acerca de vantagens mútuas na troca de informações com empresas estão em linha com resultados de pesquisas internacionais. Lançado neste ano, o 2024 Global Consumer Trends Index, da Marigold, que consultou mais de 10 mil pessoas em 15 países (incluídos Estados Unidos, França, Japão, Alemanha e Reino Unido), revelou que 91% dos respondentes compartilhariam seus dados em troca de descontos/cupons e 89%, de pontos/recompensas (entre outros benefícios que irei comentar mais à frente).

A monetização de dados hoje

Para definir aqui o que seria a monetização de dados, pego emprestada a definição de Barbara H. Wixom, Leslie Owens e Cynthia M. Beath, respectivamente, pesquisadoras e professora do MIT, além de autoras de um excelente artigo sobre monetização publicado no portal de MIT Sloan Management Review Brasil e do livro Data is Everybody's Business. Para elas, “monetização de dados é a conversão de dados em retornos financeiros”.

Perfeito. Mas, para embasar meu argumento, vou ampliar um pouco o conceito. Isso porque, do ponto de vista do consumidor, mais comodidade, mais segurança e ganho de tempo também podem equivaler a retorno financeiro. Afinal, não raro, muitos de nós pagamos para ter mais tempo, mais conforto e mais tranquilidade.

Por isso, no campo da fidelização de públicos, monetização de dados é também a conversão de dados em benefícios, que podem ser tangíveis (descontos, cashback, fretes grátis etc) ou intangíveis (exclusividade, facilidades, status etc).

Com o fim dos cookies de terceiros e a maior preocupação das pessoas com privacidade, as ações de fidelização se colocam como o canal mais confiável e adequado para o cliente. Principalmente, para captação de zero e first-party data, que são os dados que ele compartilha por iniciativa própria ou, como já dito, em troca de vantagens e que incluem não só informações sobre compras e hábitos, mas também preferências e respostas a questionários.

Por parte de algumas marcas, isso já é uma realidade. Um artigo de MIT Technology Review sobre marketing preditivo traz um case claro de utilização de dados dos consumidores via ações de loyalty. Por meio do programa de fidelidade Starbucks Rewards, a famosa rede norte-americana descobriu que 43% de seus clientes que consumiam chá não adoçavam a bebida. A Starbucks simplesmente lançou, então, uma linha de chás gelados sem adição de açúcar. Monetização para todos: comodidade ao cliente, retorno financeiro à empresa.

E as potencialidades para amanhã?

Bem, eu sou um defensor do reconhecimento do consumidor (o apelo ao seu lado emocional e à confiança) mais do que da adoção de recompensas. Isso significa que prefiro relações menos transacionais, essas que se baseiam em uma disputa econômica pelo cliente (quem dá mais desconto) e representam maior custo para as companhias. Acontece que boa parte dos consumidores também vê valor em relações mais emocionais.

O relatório 2024 Global Consumer Trends Index mostra que 83% dos respondentes compartilhariam seus dados em troca de acesso antecipado ou exclusivo a ofertas; 60%, para liberar acesso a conteúdos; e 55%, para acesso à comunidade da marca. Ou seja, eles estão dispostos a “monetizar” seus dados em troca de status, contato com grupos de interesses afins, materiais exclusivos, entre outros. Cabe a cada empresa conhecer seu nicho e público e oferecer aquilo que lhes é de valor - o que nem sempre será de cunho financeiro.

A pesquisa Panorama da Fidelização no Brasil 2023 aponta a mesma direção, sem deixar de dar conta também do aspecto racional - ou seja, programas como aliados econômicos dos participantes. Por exemplo, quase 54% dos respondentes afirmam terem aderido a iniciativas de fidelização porque viram a possibilidade de receber benefícios por compras que já fariam; e 43%, de economizar dinheiro (ou fazê-lo render mais). O que dá indícios de que a monetização de dados “hard” também terá seu espaço.

A oportunidade que se abre para as organizações mais data driven é a de transformar seus clientes em “sócios” de um pool de dados - uma espécie de “cocriação”, em que ambas as partes lucram. Após o devido tratamento (por exemplo, anonimização de dados), essa inteligência seria vendida ao mercado, com seus dividendos compartilhados entre a marca e o cliente. Este pode ser recompensado com pontos no programa de fidelidade, cashback em uma carteira digital, upgrade ou qualquer outra forma de valor dessa comunidade.

Não restam dúvidas de que o potencial a ser explorado na confluência entre monetização de dados - para todos - e os programas de fidelidade tende a ser gigantesco. No entanto, a relação com esse “novo petróleo” tem de ser feita com base em confiança, ética e transparência. As pessoas estão cada vez mais cientes de seus direitos, garantidos pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), e as empresas precisam estar atentas aos seus deveres.

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Autoria

Colunista Julio Quaglia

Julio Quaglia

Julio Quaglia é empreendedor e gestor com mais de 25 anos de experiência em CRM, loyalty, analytics e business intelligence. É CEO da Valuenet e também professor de customer relationship management na ESPM e coautor do livro Estratégias e Ferramentas do CRM para uma Melhor Experiência do Cliente.