fb

Tecnologia e inovação

9 min de leitura

O papel do blockchain nos NFTs

Neste artigo explico o que são os NFTs e analiso como o blockchain foi essencial para provocar um boom nesse novo modo de interagir com artes, esportes e mídia através de tokens não fungíveis

Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

11 de Maio

Compartilhar:
Artigo O papel do blockchain nos NFTs

Considero muito divertido falar sobre NFTs, pois eles são o exemplo perfeito de como o impacto da tecnologia de blockchain na vida das pessoas vai muito além do mercado financeiro. Eles capturaram a atenção do mundo, como vimos nas centenas de manchetes ao longo dos últimos meses, porque é uma nova maneira de interagir com a cultura, a música, o esporte e a mídia.

Assim, neste artigo, vamos entender o que são NFTs, como funcionam e o que sustenta o seu boom. Além disso, procuro mostrar como o blockchain possibilitou que NFTs criassem uma economia.

De início, lembro que quase todo mundo gosta de música, arte, esportes, games e Internet, e essa é uma das razões pelas quais NFTs são um assunto tão empolgante e divertido de falar. O feed de todas as redes sociais está cheio de pessoas que não haviam demonstrado nenhum interesse por criptoativos ou DeFi, mas agora estão falando fervorosamente sobre Non-Fungible Tokens, ou seja as NFTs.

Neste primeiro semestre de 2021, vimos muito interesse de celebridades e diversos memes endossando NFTs. Para lembramos alguns casos, em março, O CEO do Twitter, Jack Dorsey, vendeu seu primeiro tweet como NFT por quase US$ 3 milhões.

O NFT de Edward Snowden, uma obra de arte que mostra uma imagem do rosto de Snowden, foi vendido por cerca de US$ 5,4 milhões de dólares, ou 2.224 éthers (criptomoeda).

O NFT do meme de Zoë Roth - conhecida como "Disaster Girl" -, foi vendido como NFT por 180 ethers, o equivalente a quase US$ 500 mil.

Empresas do mercado tradicional também resolveram entrar na onda dos NFTs. No Brasil, a primeira coleção em NFT da Havaianas será leiloada no dia 12 de maio.

Eis o motivo que provocou uma elevação no volume de transações NFT em mais de 25 vezes desde dezembro de 2020: NFTs está no dia a dia das pessoas. Pode ser sua música predileta, uma história em quadrinhos do seu super-herói favorito, ou uma ferramenta num game que seu filho deseja adquirir.

No gráfico abaixo, podemos ver claramente o incremento das transações de NFTs nos últimos seis meses, bem como o volume de negócios desde o final do terceiro trimestre, que deve, segundo projeções, ficar em torno de US$ 190 milhões em abril de 2021. As informações são da NonFunglible:

Volume das NFTS

Arqueologia das NFTs

NFT é a sigla para Non-Fungible Token, que é um token não fungível registrado em uma rede blockchain.

Podemos conceituar NFT como “um pedaço de código de software que verifica se você detém a propriedade de um ativo digital não fungível, ou a representação digital do ativo físico não fungível em meio digital.”

Para quem prefere uma visão mais técnica, “NFT é um padrão de contrato inteligente que fornece uma maneira padronizada de verificar quem possui um NFT e uma maneira padronizada de ‘mover’ ativos digitais não fungíveis”.

Nessa linha, qualquer ativo não fungível pode ser objeto de um NFT, como: nomes de domínio, ingressos para eventos, moedas digitais em games, e até identificadores em redes sociais como Twitter ou Facebook. Todos estes ativos digitais não fungíveis podem ser um NFT.

Quanto ao seu funcionamento, um NFTs possui estrutura de dados (token) que vincula arquivos de metadados que podem ser fixados em uma imagem ou arquivo, e este token é carregado e modificado para atender aos requisitos de redes blockchain como ethereum, kusama, flow, dentre outras.

O arquivo de arte é carregado em uma rede blockchain que cria um arquivo de metadados na estrutura de dados do token. Como um criador de conteúdo (como o artista digital Beeple ou a banda Kings of Leon), você carrega seu arquivo de arte em uma plataforma que pega os metadados de seu arquivo, e passa por todo o processo de back-end de um produto que, no caso, é o seu NFT.

Seu NFT ganha então um hash criptográfico (uma chave), um registro à prova de falsificação com carimbo de data e hora que é carregado na rede blockchain. Note que tais dados são valiosos para você. Assim, como artista, por exemplo, você precisa verificar se sua obra criada não foi modificada posteriormente.

Carregar sua arte on-chain pode dar a você uma perspectiva melhor de quando os metadados do arquivo de arte foram tokenizados. À medida que os dados da obra de arte são carregados, ninguém pode retirá-los ou apagá-los, e a chance de sua obra de arte desaparecer praticamente inexiste se o NFT for registrado em uma rede blockchain.

Blockchain alavancou os NFTs

Os NFTs tradicionais, até 2008, não tinham uma representação unificada no mundo digital. Em outras palavras, eles não eram padronizados, e os mercados de NFTs eram fechados, limitados às plataformas que emitiam e criavam NFTs determinados.

Os primeiros NFTs em blockchains começaram com o surgimento dos colored coins no blockchain bitcoin e, alcançaram o mainstream em 2017 no blockchain ethereum com os Cryptokitties, um jogo que permite aos usuários criar gatos digitais e reproduzi-los com “raridade” variada.

Este projeto foi pioneiro por criar um sistema sofisticado de incentivos, que teve a cautela de reservar determinados NFTs para uso posterior como ferramenta promocional, bem como a sacada de utilizar um contrato de leilão que, posteriormente, se tornou um dos principais mecanismos para descoberta de preços para NFTs.

O interessante da aplicação da tecnologia blockchain aos NFTs é que ela ampliou e muito suas vantagens e possibilidades, pois trouxe a padronização na representação de ativos digitais não fungíveis através do ERC-721. Assim como o ERC-115 e o ERC-998, o ERC-721 é um padrão de contrato inteligente que traz um modo padronizado de verificar quem possui um NFT, e uma forma padronizada de “mover” ativos digitais não fungíveis.

Cinco vantagens da aplicação

O primeiro benefício trazido pela tecnologia blockchain aos NFTs, como acabamos de ver, foi a padronização. Além da padronização de atributos básicos dos NFTs como propriedade, transferência e controle de acesso, a tecnologia blockchain permite incorporar aos NFTs padrões adicionais de atributos como especificações de como exigir um NFT, por exemplo.

Outros benefícios propiciados pela tecnologia blockchain aos NFTs são a interoperabilidade, negociabilidade, liquidez, imutabilidade, escassez comprovada e a programabilidade, vantagens que veremos uma a uma, a seguir.

Os padrões de NFT viabilizaram também a interoperabilidade, de modo que os NFTs podem se mover mais facilmente entre vários ecossistemas. Em um novo projeto, os tokens não fungíveis podem ser visualizados imediatamente em dezenas de diferentes provedores de carteira, negociáveis em vários mercados e, exigidos em vários mundos virtuais. Essa interoperabilidade só foi possível porque os padrões abertos possibilitados pela tecnologia blockchain fornecem uma API clara, consistente, confiável e com permissão para leitura e gravação de dados.

A interoperabilidade, por sua vez, ampliou a negociabilidade dos NTFs, ao possibilitar o livre comércio em mercados abertos. Isso significa que NFTs baseados em blockchains possibilitam aos usuários moverem seus ativos não fungíveis para fora de seus ambientes originais, e tirar proveito de recursos sofisticados de negociação, como leilões, licitações, além da capacidade de transacionar em qualquer moeda, desde criptomoedas como bitcoin e ethereum até stablecoins e moedas digitais específicas de determinado aplicativo.

Essa vantagem da negociabilidade representa, por sua vez, uma transição de uma economia de NFTs que antes era inicialmente fechada para uma economia de livre mercado.

A negociabilidade instantânea dos NFTs em blockchain traz mais liquidez aos mercados, que podem atender a uma variedade mais ampla de público, o que possibilita uma maior exposição dos ativos não fungíveis a um grupo mais diversificado e amplo de compradores.

A quinta vantagem do uso da tecnologia blockchain em NFTs é a imutabilidade e escassez comprováveis. Isso ocorrer porque os contratos inteligentes permitem que desenvolvedores coloquem limites rígidos no fornecimento de NFTs, e imponham propriedades duradouras que não podem ser modificadas depois que um token é emitido.

Desse modo, pode-se garantir que as propriedades específicas de um NFT não mudem com o tempo, codificando-as no blockchain. Isso é especialmente interessante para o mercado de arte “física”, que depende muito da comprovada escassez de uma peça original.

Um ponto interessante nesse novo mundo NFTs baseado em blockchain é o surgimento de novas tendências e novos mercados como o de arte programável – que permite aos colecionadores interferirem no design original da obra.

Se no mercado de obras de arte representadas em NFTs a imutabilidade e escassez são importantes, no mercado de obra de arte “digital” o que tem sido considerado relevante é a vantagem da programabilidade.

Podemos encontrar exemplos programabilidade na Async Art, uma plataforma de negociação e criação de NFTs que possibilita aos proprietários de arte digital alterarem sua imagem sempre que quiserem.

Outro exemplo da característica de programabilidade é a capacidade de uma música mudar sua composição. Ou seja, a música pode soar diferente cada vez que você voltar para ouvir. Isso capaz de ser realizado dividindo uma música em camadas, separando as chamadas stems. Cada haste tem inúmeras variantes para seu novo proprietário escolher. Dessa forma, uma única faixa da Async Music contém muitas combinações exclusivas de sons.

Direitos autorais e propriedade intelectual

Muitas pessoas ainda não entenderam a dimensão do NFT boom, e como o blockchain está revolucionando o modo como consumimos cultura. Talvez isso aconteça porque as pessoas não tenham tido tempo para parar e refletir com a profundidade que o assunto merece.

A meu ver, contudo, o “pulo do gato” nessa história toda de NFTs, além da imutabilidade e escassez comprováveis, está na programabilidade dos contratos inteligentes em blockchain, o que garante uma “recompensa” aos criadores de conteúdo toda vez que seu trabalho é negociado.

Se determinado conteúdo (música, arte, nome de domínio, registro fotográfico de um gol do Pelé) for transacionado centenas de vezes, o criador do conteúdo receberá um percentual do preço de cada transação.

Ora, isso muda completamente a dinâmica dos direitos autorais e da propriedade intelectual de determinado conteúdo, porque se no código de contrato inteligente dos NFTs está programada uma "divisão da receita", imutável, talvez os criadores de conteúdo não precisem se preocupar mais com a propriedade legal de seu trabalho. E isso é incrível, porque é uma maneira diferente de pensar a propriedade e, em particular, a compensação de direitos, que é a essência dos direitos autorais.

Claro que o mercado dos tokens não fungíveis e a própria tecnologia blockchain ainda precisam percorrer um logo caminho para resolver questões como escalabilidade e infraestrutura mercadológica, bem como determinar qual jurisdição aplicável no caso de NFT com armazenamento descentralizado.

Todavia, não se pode perder de vista que é possível codificar os direitos sobre determinado ativo em meio digital dentro da transação de um NFT, o que viabiliza o surgimento de novos negócios e novos mercados, governados não por instituições ou pelos validadores tradicionais de confiança, mas por pessoas, empresas e marcas que estão realmente criando um conteúdo que é valorizado nos eixos sociais e produtivos.

Gostou do artigo da Tatiana Revoredo? Saiba mais sobre blockchain e NFTs assinando gratuitamente nossas newsletters e ouvindo nossos podcasts na sua plataforma de streaming favorita.

Compartilhar:

Colunista

Colunista Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo

Tatiana Revoredo é LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Professora do curso Blockchain para negócios no Insper. Autora de três livros “Blockchain- Tudo o Que Você Precisa Saber”, “Bitcoin, CBDC, Stablecoins e DeFi”, e “Cryptocurrencies in the International Scenario”.

Artigos relacionados

Imagem de capa Aceite as limitações dos LLMsAssinante

Tecnologia e inovação

19 Dezembro | 2023

Aceite as limitações dos LLMs

Superestimar a capacidade dos grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT, pode levar a resultados pouco confiáveis. Para lidar melhor com eles, é importante entender primeiro como funcionam

Mikhail Burtsev, Martin Reeves e Adam Job
Imagem de capa Open source contra os hackers da IA generativaAssinante

Tecnologia e inovação

19 Dezembro | 2023

Open source contra os hackers da IA generativa

A contratação de serviços de inteligência artificial pode expor seus dados e deixar sua empresa nas mãos das big techs. Mas existem alternativas. Estamos vivendo o início de uma fase semelhante à que deu origem ao Linux nos anos 1990, quando desenvolvedores do mundo todo se dedicaram a enfrentar os desafios da nova tecnologia com soluções de código aberto, disponíveis para todos – e veja cinco modos de administrar os respectivos

Aron Culotta e Nicholas Mattei
Imagem de capa Como aplicar IA generativa na inovação corporativaAssinante

Tecnologia e inovação

17 Dezembro | 2023

Como aplicar IA generativa na inovação corporativa

A nova tecnologia pode trazer eficiência e criatividade para a inovação em grandes empresas. Uma pesquisa recente mostra a realidade brasileira, os estágios de adoção em diversos setores, as oportunidades no horizonte e as barreiras de adoção

Maximiliano Carlomagno e Felipe Scherer
Imagem de capa Gestão pública 4.0: tecnologia para atender as demandas dos cidadãos

Tecnologia e inovação

15 Novembro | 2023

Gestão pública 4.0: tecnologia para atender as demandas dos cidadãos

A transformação digital pode ajudar na revolução da gestão municipal, melhorando a eficiência das instituições e fortalecendo a participação cidadã e a prestação de serviços mais ágeis, a partir dos aplicativos governamentais multiplataformas

Ana Debiazi e Aryana Valcanaia

2 min de leitura