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Marketing e vendas

13 min de leitura

Economia comportamental: a saga mental na tomada de decisão

Uma reflexão informal e descompromissada, e que passa pela psicanálise, sobre um dos assuntos mais relevantes para o marketing do século 21

Colunista Ulisses Zamboni

Ulisses Zamboni

26 de Agosto

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Artigo Economia comportamental: a saga mental na tomada de decisão

Em recente entrevista ao Estadão de domingo, dia 18/08/20, Miguel Nicolelis -- um dos neurocientistas de maior visibilidade do País hoje – afirma que “até quando um físico opta por um modelo matemático, ele toma uma decisão subjetiva”. Essa afirmação não poderia cair melhor para o início desse meu papo sobre economia comportamental.

A maioria das atitudes e decisões que tomamos ao longo da vida está à mercê dessa subjetividade e, por isso, algumas delas são passíveis de insegurança, indecisão e até arrependimento depois de tomadas.

Para quem conhece ou leu o best seller “Rápido e devagar – duas formas de pensar” (traduzido no Brasil do original “Thinking, Fast and Slow”), de Daniel Kahneman, sabe que o primeiro capítulo do livro é dedicado exatamente à questão da impulsividade e da racionalidade de nossas ações. O livro de imperdíveis 523 páginas, que vendeu mais de um milhão de cópias no mundo, é considerado a bíblia pop do marketing contemporâneo sobre a questão da tomada de decisão. Lá, ele postula de forma irrefutável sobre a irracionalidade das ações em nossas vidas cotidianas, da saúde ao dinheiro.

Kahneman toma emprestado dos psicólogos Keith Stanovich e Richard West o conceito “behaviorista” dos dois sistemas de pensamento: o Sistema 1, super veloz, que age quase sem controle consciente de nossa parte. E o Sistema 2, mais lento, complexo que racionaliza e que “enfileira dados” para tomada de ação. A grande estrela de Kahneman é o Sistema 1, aquele que produz um número ilimitado de escolhas imediatas, “sem pensar” e que faz a gente tomar decisões ditas “impensadas” e que desmentem o senso comum de que Economia é uma disciplina que se molda a partir de uma somatória de tomadas de decisão racionais. Foi essa teoria que o tornou Nobel de economia no ano 2000.

ECONOMIA COMPORTAMENTAL: VIVENDO NA PRÁTICA

“Pague dois, leve três”. Essa oferta vencedora do varejo mundial existe desde os tempos da Cia das Índias, a primeira multinacional de trading da história. Até os gestores de marketing mais céticos apostam nela. Mesmo que não precisemos de “três” unidades (de seja lá do que for) essa é uma oferta que sempre se apresenta tentadora, realizada em milésimos de segundos. Mas, por que será que ela funciona tão bem? Qual a atribuição racional e emocional dessa oferta? O que leva o consumidor a acreditar ser uma oferta imperdível?

Uma explicação baseada na economia comportamental é que a oferta “pague 2, leve 3” ajuda na tomada de decisão por uma razão mais complexa do que aparenta ser. Estamos na frente do que os neurocientistas costumam chamar de ‘decisão irracional’. Não há dúvida de que querer levar alguma vantagem nas compras do supermercado ou na padaria seja um comportamento óbvio do consumidor brasileiro que gasta mais de 50% do seu ganho em despesas no supermercado, no entanto, também faz parte dessa decisão de compra a sensação de recompensa emocional ligada aos sentimentos mais básicos do ser humano: o da ‘sobrevivência’. É o Sistema 1 atuando de forma implacável.

A oportunidade ali na gôndola oferecendo “mais por menos” está intimamente vinculada ao nosso princípio de procurar a abundância para viver melhor, que vem de nosso cérebro reptiliano, considerado o mais antigo na evolução da espécie; aquele que nos preserva. É algo como “eu preciso mesmo é caçar um búfalo - e não um coelho - para eu poder hibernar por mais tempo e viver melhor”.

Mas não é só sobre a recompensa que a economia comportamental se baseia. Uma outra questão relevante é o sentimento de ambivalência no processo de compra.

Já pararam para pensar como cada um de nós lida com dinheiro? E, como cada indivíduo acaba valorizando -- de formas diferentes -- cada real investido numa compra? O ato da compra carrega em si uma representação simbólica inconsciente muito forte de ‘perda’, no caso, perda de dinheiro. Apesar da compra ser um ato “voluntário” de escambo entre o seu dinheiro e os bens ou serviços desejados, o sentimento inconsciente de perda está lá embutido na transação.

Uma coisa é certa: o ato de perder é uma das mais desconfortáveis sensações que o ser humano passa na vida, afirma o artigo “A marketer’s guide to behavior economics”, publicado pela consultoria McKinsey em fevereiro de 2010. E, com dinheiro a gente passa por isso todos os dias. Adquirir um bem, por incrível que pareça, exige coragem já que pressupõe simbolicamente uma representação de perda. Quem de nós já não se sentiu culpado após uma compra mesmo que de um bem ou serviço muito desejado? Talvez seja uma culpa judaico cristã, embebida em um certo auto flagelo sobre a pouca legitimidade do merecimento, mas, não importa, um quinhão inconsciente dessa culpa reside na perda.

As empresas de cartões de crédito e o sistema financeiro se beneficiam exatamente desse processo inconsciente quando amenizam a culpa do comprador adicionando a variável “tempo” na equação. A diminuição da sensação de perda pelo adiamento do desembolso é um tremendo instrumento de recompensa emocional. E, essa dinâmica acontece com a gente todos os dias, em todas as horas que tiramos o cartão de crédito do bolso.

Divagações à parte, o conforto inconsciente para a tomada de decisão de uma compra vantajosa é um dos vários axiomas que a ciência tenta explicar, mais recentemente nos princípios da neurociência, psicologia e da economia comportamental. O que leva um indivíduo a optar por uma oferta e não a outra? Qual o balanço entre uma variável racional versus a emocional num processo de compra? Por que, no momento da compra, escolhemos uma marca em vez da outra?

Todo segmento de negócios e toda conversão de consumo de produtos ou serviços estão submetidos à lógica interna do sujeito. No entanto, comprar o arroz exposto numa gôndola passa por caminhos neurais e inconscientes muito diferentes do que comprar um carro ou um imóvel. Apesar disso, seja para o arroz ou para o carro, a lógica de consumo trilha a estrada do “rápido e devagar”, trazida e comprovada por Kahneman.

Já citei Daniel Kahneman, como um dos mais reconhecidos cientistas pelos marqueteiros no mundo sobre a questão da tomada de decisão. No entanto, não dá para passar batido por Richard Thaler, Nobel de Economia em 2017, já que é considerado uma espécie de grão-mestre da economia comportamental.

Seu livro Nudge (numa tradução rasa e tropicalizada “Empurrãozinho”), primeiramente editado em 2008, escrito em conjunto com Cass R. Sunstein, é outra obra-prima sobre o assunto. Thaler demonstra de forma bem despretensiosa que temos a obrigação de ajudar o usuário de nossa marca dando aquele “empurrãozinho” para que sua atitude seja a correta (ou pelo menos na direção do que queremos).

Em outras palavras, é facilitar a percepção do consumidor sobre qual ação queremos que ele tome naquele minúsculo espaço de tempo, seja olhando a embalagem na gôndola, num cardápio, surfando na web ou ainda, durante sua jornada. O pressuposto: sozinhos, os usuários talvez não tomem a decisão correta. É uma espécie de “moto contínuo” da “customer centricity strategy”, ou seja, fazer as coisas a partir da lógica de quem usa ou consome.

Em Nudge, ele retoma os dois sistemas de Kahneman, chamando-os de sistemas reflexivose automático e reforça a ideia de que não se deve acreditar no controle total de nossas tomadas de decisão, seja na vida pessoal, finanças e saúde.

PSICANÁLISE: FREUD TEM ALGUMA COISA A VER COM ISSO?

Muito. Não é errado dizer que desde o final do século 19, quando Freud postula sobre o inconsciente e nos faz reconhecer que somamos atitudes ditas irracionais às nossas ações e tomadas de decisão, a comunidade científica e acadêmica soma interesse e aprendizados sobre o assunto.

Mas, coloco aqui uma pimenta na discussão. A primeira epifania sobre a irracionalidade da psique humana por trás das tomadas de decisão no marketing data de praticamente 100 anos, numa sequência histórica que poucos marqueteiros conhecem. Mais curioso ainda é que o assunto sobre manipulação das massas veio da própria família de Freud, mais precisamente de seu sobrinho Edward Bernays.

Os escritos de Freud sobre introdução à psicanálise e sobre psicologia das massas -- esse último datado entre 1920-1923 -- foram gabaritos inequívocos para Bernays inaugurar o tema sobre “manipulação das massas” (ou, tomada de decisão) no marketing. Ele mostrou pela primeira vez para as empresas americanas (e depois para o mundo) que elas poderiam fazer as pessoas quererem coisas que elas não precisavam ligando produtos industrializados aos seus desejos inconscientes.

Edward Bernays, sobrinho de Freud por parte de sua esposa Martha Bernays, passou muitas de suas férias nos Alpes junto ao tio Sig, onde leu, de forma sempre interessada, alguns de seus ensaios e palestras. Bernays morava em Nova Iorque havia mais de 20 anos com seus pais e seguiu a carreira como Assessor de Imprensa na cidade. Profissional competente, teve uma jornada profissional de alto nível e, por isso, quando os americanos entraram na 1ª Guerra Mundial, foi chamado para compor o Comitê de Informação do Governo (“Public Information Committee”) como parte dos esforços em divulgar as ações americanas no front.

O presidente americano na época, Woodrow Wilson, desejava passar a mensagem de ser um verdadeiro homem republicano, pois com a entrada na guerra não desejava mais reestabelecer o Império Austro-Húngaro, mas sim estabelecer uma democracia legítima na região. E, Bernays se mostrou muito eficaz em promover essa imagem tanto para dentro como fora dos Estados Unidos. Reconheceu isso quando fez uma visita à Paris, posterior à guerra, junto com o mesmo presidente onde reconhece, na gloriosa recepção popular parisiense à comitiva, a resposta positiva de seus esforços na construção de imagem do governante. E, pensou: “If you could use propaganda for war, you can certainly use it for peace”.

Uma curiosidade: enquanto estava em missão em Paris com o presidente, Bernays pediu ao tio seus escritos sobre introdução geral à psicanálise. Nele, lê sobre as “forças irracionais escondidas” no sujeito, termo que até hoje ecoa na psicanálise e intriga os neurocientistas, especialmente quando discorrem sobre os atos não-racionais que tomamos. Fato curioso é que em gratidão ao envio do estudo, Bernays troca o documento que praticamente funda a psicanálise por uma simples caixa de charutos Havana.

Foi por essa lógica cartesiana que nasceu um novo jeito de informar e construir imagem, baseados nos ensinamentos da “political propaganda”. Mas, para Bernays, a palavra “propaganda”, vinda do alemão, arrastava consigo um conjunto negativo de valores (e que ainda permanece na Europa e nos Estados Unidos). Por isso, para essa metodologia, criou o nome “conselho das relações públicas”, que – “in short” e até hoje – permanece como “relações públicas”.

De volta aos Estados Unidos, Bernays estabeleceu o primeiro escritório de relações públicas do mundo, em “off Broadway”, e começou a trabalhar para multinacionais americanas com muito sucesso.

MARKETING: “THE TORCH OF FREEDOM” E O CIGARRO

O primeiro grande “case” da firma de PR de Bernays é emblemático e retrata excepcionalmente como as variáveis do inconsciente e dos desejos interiores começaram a ser instrumento do capitalismo na época (e até hoje).

George Hill, CEO da American Tabaco Corporation, ciente de que poderia duplicar o consumo de cigarro nos Estados Unidos com a incorporação do sexo feminino ao hábito, comissionou Edward Bernays a estudar, alterar e quebrar o tabu de que as mulheres não deveriam fumar em público.

Bernays consultou Adam Arden Brill, eminente psicanalista de Nova Iorque para descobrir o código por trás do cigarro para as mulheres. Ele inferiu que o cigarro era o símbolo do falo masculino e representava o poder. E que se Bernays pudesse desafiar o poder masculino com o cigarro, as mulheres fumariam porque garantiriam ter elas mesmas “um pênis”.

Daí surge o primeiro “PR stunt” conhecido nos tempos modernos. Bernays, em plena parada de Páscoa que acontecia todo ano em NY, decide montar um “stunt”. Ele convoca jovens ricas da cidade para entrar na parada e, ao seu sinal, começarem a fumar em público e de forma elegante. Bernays havia informado a imprensa que “tinha ouvido falar” que algumas mulheres revolucionárias para época estavam combinando de fazer isso e que estavam chamando os atos de “torches of freedom” (numa tradução livre: “tochas da liberdade”). E que seria um conteúdo inédito para os veículos.

Devidamente registrado pelos fotógrafos do The New York Times e demais publicações da época, o assunto foi capa no dia seguinte, e fez com que a indústria do Tabaco crescesse exponencialmente nos anos que sucederam. Esse evento inaugura uma série de ações subsequentes de Bernays junto às corporações e marcas americanas, sempre baseadas na psicologia do consumo ou em “insights” sobre o comportamento cultural vigente da sociedade.

Nos “hey days” da propaganda, por volta dos anos 1960, as agências de publicidade americanas hospedadas na elegante Avenida Madison em Nova York, começaram a subverter a ordem sobre a técnica da comunicação que se originou de um profundo expertise comportamental sobre a sociedade e sobre o sujeito para um ambiente de mais sofisticação, trazendo para o primeiro plano na indústria da comunicação o “craft” da execução criativa.

SUJEITO ABANDONADO?

As empresas de PR perderam força e passaram apenas a gerir reputação de marca por meio de variáveis bem menos comportamentais. Aliás, a atividade de relações públicas retornou a origem de Bernays antes de seu interesse pelos estudos de Freud, tornando-se apenas assessorias de imprensa. Ainda por cima, muitas delas se voltaram aos serviços de comunicação para o público interno, quase sempre atrelado aos recursos humanos e aos eventos corporativos, perdendo status e se afastando do comportamento humano.

Tenho notado um arrefecimento dessa dinâmica de 15 anos para cá, graças ao fortalecimento e ao robustecimento da ciência de dados e das plataformas digitais que permitem que tenhamos um atingimento “one to one” dos indivíduos, numa interação mais horizontal, mais profunda e direta. Não por acaso, a predição de comportamento dos clusters sociais se reintegra à técnica da comunicação, graças ao volume em escala de dados disponíveis.

No entanto, o questionamento que deixo aqui no final desse artigo diz respeito exatamente ao que é preditivo pelos dados na comunicação atual, já que ela carrega em si conhecimento sobre o indivíduo e não sobre o sujeito. A diferença entre indivíduo e sujeito não está apenas em sua semântica.

Note-se que “indivíduo” vem da origem etimológica latina que quer dizer indivisível, uno. A ciência de dados revela quase tudo sobre o indivíduo: seu comportamento na sociedade, hábitos mais frequentes e suas prováveis interconexões com outros atores sociais (incluindo as marcas). Esse aspecto, a ciência de dados não deixa sombra alguma sobre sua relevância no marketing contemporâneo porque extrai da sociedade similaridades.

O sujeito, por sua vez, é a grande descoberta freudiana. Volto ao início desse texto, trazendo o tema da subjetividade. A mágica que individualiza cada um de nós e nos faz singular está naquilo a que estamos submetidos. Para a psicanálise, somos “sujeitos” ao inconsciente (traumas, recalques, deslocamentos, transferências, sublimações e mais uma série de outras máximas subjetivas), e isso nos deixa diferentes uns dos outros.

A economia comportamental carrega em si o DNA do sujeito. Sugere que a irracionalidade perpassa por nossas atitudes e nos leva a tomadas de decisão a todo instante. Reconhece que o subjetivo faz parte da equação de nossas vidas e, assim, se aproxima cada vez mais da psicanálise e da filosofia, numa espécie de retorno nostálgico às discussões socráticas sobre a supremacia (ou não) da razão sobre nós. O que o marketing pode aprender com ela?

* Fontes de informação: livro “The Father of Spin: Eduward L. Bernays and the Birth of Public Relations”, de Larry Tie; e documentário “The Century of the Self”, de Adam Curtis, 2003 - BBC.

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Colunista Ulisses Zamboni

Ulisses Zamboni

Com 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do conselho do Grupo de Planejamento no Brasil, membro do Conselho Editorial da MIT Sloan Review Brasil e clinica como psicanalista.

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