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Economia de plataforma B2B: três lições da Alemanha

As empresas B2B estão adotando estratégias de plataforma de maneira torta, com plataformas unilaterais e fechadas, sem aproveitar os efeitos de rede. Isso pode ser transformado.

Svenja Falk e Frank Riemensperger
18 de julho de 2024
Economia de plataforma B2B: três lições da Alemanha
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O surgimento de plataformas disruptivas como Alibaba, Airbnb e Uber — juntamente com o plano de Pequim “Made in China 2025”, de transformar seu setor de manufatura em líder global de alta tecnologia — forçou as empresas industriais a repensarem modelos de negócio de longa data. Nos mercados B2B do mundo inteiro, as empresas agora estão enxergando além da venda de produtos e vêm construindo plataformas que permitem que outros — incluindo seus clientes, fornecedores e parceiros — criem valor.

Essa mudança no pensamento estratégico é significativa, especialmente para empresas com legado de cem anos de fazer produto e controlar o pipeline que entrega esse produto. As ofertas B2B tornam-se cada vez mais comoditizadas e as plataformas oferecem uma maneira de diversificar negócios e evitar a obsolescência. As plataformas podem gerar novos fluxos de receita mesmo depois que um produto é vendido, na forma de serviços “inteligentes” alimentados por dados.

Para entender melhor essa nova realidade competitiva para empresas B2B e descobrir as melhores práticas, estudamos um mercado geográfico com as principais empresas B2B globais: a Alemanha. Analisamos as 370 maiores empresas desse país (em faturamento) e descobrimos que mais da metade delas já estão tirando proveito de modelos de negócio de plataforma. A maior parte desses modelos de negócio tem um foco B2B ou um foco duplo B2B/B2C, com muitos deles senco centralizados na internet das coisas industrial (IIoT).

Essas descobertas iniciais pareciam impressionantes à primeira vista. Mas após uma inspeção mais de perto, descobrimos que muitas dessas empresas não estão realmente aproveitando o poder dos efeitos de rede — segundo esses efeitos, quanto mais participantes de plataforma, maior o valor produzido. Na verdade, apenas 16% das plataformas que estudamos na Alemanha estão sendo administradas como ecossistemas abertos e de rede que conectam vários players. O restante é unilateral — ou seja, servindo apenas uma categoria de usuário, como uma rede móvel de carregamento de veículos elétricos que só servem motoristas de veículos elétricos — ou fechada, isto é, são paredes de desenvolvedores de software terceirizados; algumas são as duas coisas.

As plataformas que são unilaterais, ou fechadas, limitam consideravelmente seus efeitos de rede. Considere a Amazon — a gigante tecnológica começou como unilateral (vendendo seus próprios produtos aos clientes) e fechada (desenvolvendo seu próprio software), mas tornou-se uma plataforma aberta e multilateral. A Amazon agora conecta compradores a vendedores terceirizados ao mesmo tempo que permite desenvolvedores terceirizados. Esse é um caso clássico de maximização de efeitos de rede: plataformas se tornam mais úteis conforme outras pessoas também a utilizam.

No entanto, enquanto a multilateralidade e a abertura são princípios amplamente aceitos para plataformas B2C, nossa pesquisa sugere que alguns proprietários de plataforma B2B estão relutantes em seguir o mesmo modelo. Os efeitos de rede são tão importantes para as plataformas B2B como para as B2C, de modo que as plataformas B2B podem ser igualmente úteis e valiosas para seus usuários. Esses efeitos só precisam ser perseguidos e gerenciados de forma diferente para plataformas B2B. Para esse fim, identificamos três imperativos para plataformas B2B que irão ajudá-los a crescer, permanecer competitivos e afastar os disruptadores digitais.

1.Pensar criativamente sobre a rede de valor (Dica: não é “o vencedor leva tudo”).

2. Instituir abertura de plataforma no espírito da _glasnost_.

3. Assumir o controle de seu medo de dados. Agora, vejamos um por um:

1.Pense criativamente sobre a rede de valor. Pense em plataformas B2C como iOS e Android. Seu poder reside em serem ecossistemas globais de produtores, consumidores e outros que criam e compartilham valor. Produtos B2B, ao contrário do iPhone e do Samsung Galaxy, podem ser muito “nichados” e direcionados, o que impede o tipo de dominância global vencedor-leva-tudo que vemos com sistemas operacionais de smartphones. Um fabricante de rolamentos de esferas não se tornará o próximo iOS ou Android, com um ecossistema tão diverso e espalhado quanto os destes dois, mas as plataformas B2B ainda podem criar efeitos de rede — apenas será em uma escala diferente. A chave é pensar além das cadeias de valor do próprio setor e imaginar novas redes industriais.

Foi exatamente o que a Siemens e a Calvatis fizeram. Tudo começou quando a Calvatis, que produz e distribui detergentes e desinfetantes de limpeza, foi abordada por uma grande empresa de processamento de carne com um problema: a produção de alimentos é bagunçada, e manter as instalações de produção limpas sai caro. A cliente queria saber como ela poderia economizar dinheiro e fazer uso eficiente de seus recursos (nesse caso, máquinas, ingredientes alimentares, água e produtos químicos de limpeza), mantendo suas fábricas limpas.

A essa altura, a Calvatis foi falar com a Siemens, e juntas as duas empresas projetaram uma solução. A Siemens conectaria os sistemas de lavagem industrial do processador de carne ao MindSphere, seu sistema operacional IIoT e, em seguida, coletaria todos os tipos de dados (como quanta água e detergente são usados em qualquer momento).

Armada com essa informação, a empresa de processamento de carne seria capaz de fazer melhor uso dos recursos. A Calvatis, entretanto, seria capaz de criar novos serviços de manutenção preventiva e gestão de recursos para o seu cliente. Finalmente, a Siemens seria capaz de fazer incursões no setor de limpeza da indústria alimentícia e expandir o ecossistema de fabricantes industriais usando o MindSphere. Por meio da plataforma, o processador de carne reduziu seu uso de fluido de limpeza em 6% e viu seu tempo de inatividade de fabricação cair em 10%.

No final do dia, ao transformar seu cliente (a Calvatis) em um parceiro e cocriador de ecossistema, a Siemens demonstrou o poder que as plataformas abertas têm de criar um valor novo para todos os seus participantes.

2. Institua abertura de plataforma no espírito da _glasnost_. Um segundo importante condutor de efeitos de rede é o grau de abertura, ou glasnost – para usar um termo russo –, a colaboradores terceiros. Se as plataformas forem fechadas, o ecossistema de criadores de valor nunca crescerá. Das plataformas que estudamos na Alemanha, 31% eram unilaterais e fechadas a terceiros. Por outro lado, algumas empresas não estão apenas construindo plataformas abertas; elas estão convertendo a abertura em uma parte da proposta de valor.

Peguemos o exemplo da Adamos (Adaptive Manufacturing Open Solutions), uma plataforma de IoT industrial para os setores de máquinas e engenharia industrial. Um grupo de empresas industriais e de software criou a Adamos em 2017 como uma plataforma neutra, aberta e não proprietária. Tais empresas tinham um histórico de trabalho em um mercado fragmentado, onde tentaram estabelecer suas próprias plataformas fechadas e vigiavam agressivamente sua propriedade intelectual. Mas com a Adamos, elas abraçaram a abertura e a colaboração em uma plataforma comum, vendo o valor de compartilhar recursos e conhecimento tecnológico para que todos se beneficiem.

De acordo com seu diretor-executivo, Marco Link, o valor da plataforma vem de “parceiros fortes que cooperam em pé de igualdade para avançar a rede digital e definir um padrão em engenharia mecânica e industrial”.

3. Assuma o controle de seu medo de dados. Os consumidores geralmente não têm nenhum problema em desistir de seus dados pessoais em troca de algo gratuito, como fazem quando aderem a uma rede de mídia social ou para receber uma newsletter informativa por e-mail. Mas os participantes da plataforma B2B tendem a proteger seus dados, que podem ser proprietários ou sensíveis à concorrência. Em resultado, a maioria dos serviços orientados por dados B2B é limitada no escopo.

Sem acesso a dados sobre transações de plataforma e interações, o proprietário da plataforma B2B fica cego para a próxima oportunidade — qual serviço “inteligente” poderia melhorar a experiência para os usuários? É por isso que ter uma estratégia de como os dados serão coletados, avaliados, precificados e monetizados é fundamental. A ajuda de terceiros neutros é muito bem-vinda, e nós esboçamos três pontos de partida para uma estratégia de dados sólida abaixo:

  • Recorrer a um marketplace de dados. O Data Intelligence Hub, da empresa alemã Telekom, por exemplo, fornece uma visão geral dos dados disponíveis gratuitamente ou para venda no mercado. As empresas podem recorrer ao Hub para dados que irão ajudá-las a rastrear os horários de chegada dos navios de contêineres que transportam alimentos perecíveis, e as cidades podem encontrar dados que os farão “mais inteligentes” em relação a fluxos de tráfego, coleta de lixo e iluminação pública.
  • Assegurar-se de que seus dados estejam protegidos. Por boas razões, as empresas estão hesitantes em abrir seus códigos. A International Data Spaces Association baseada no Instituto Fraunhofer da Alemanha, com 90 membros em 18 países, permite que as empresas troquem informações enquanto estiverem no controle de seus dados. Os dados permanecem com o proprietário e são trocados de forma segura sob demanda — e somente se solicitados por parceiros certificados e confiáveis.
  • Aproveitar as parcerias de dados. A Skywise da Airbus reúne dados (ordens de trabalho, configuração de frota, agendas de voos) de várias fontes em uma plataforma de dados segura e baseada em nuvem. O objetivo é melhorar o desempenho operacional e os resultados dos negócios na indústria da aviação.

O PONTO DE INFLEXÃO DE OPORTUNIDADE

As plataformas alemãs estão longe de serem perfeitas. Porém o crescimento da economia de plataforma alemã se dirige ao ponto de inflexão de oportunidade, especialmente para as economias dependentes da fabricação. As lições que abstraímos das principais plataformas podem ser particularmente úteis e instrutivas para os executivos que contemplam um modelo de negócio de plataforma.

Para as empresas B2B, a chave para o sucesso na economia da plataforma é evitar ter uma abordagem absolutista. Se você está buscando lançar uma plataforma, não presuma que você não pode aprender nada com a Uber ou a Amazon. Ao mesmo tempo, não pense que todas as regras dos líderes da plataforma B2C se aplicam à sua rede B2B. O que fez do YouTube o principal site de compartilhamento de vídeo do mundo pode não funcionar para uma empresa de mais de 100 anos. A resposta vai variar de acordo com o setor de atividade e a empresa, mas todo mundo deve ser guiado pela pergunta básica da plataforma: “Como posso ajudar outras pessoas a criarem valor?” Crédito da imagem: Shutterstock

Svenja Falk e Frank Riemensperger
Svenja Falk é diretora-geral da Accenture Research. Ela preside o grupo de trabalho sobre modelos de negócio digitais para a organização Plattform Industrie 4.0 e é professora honorária na Justus-Liebig Universität Giessen e membro da Hertie School of Governance, em Berlim. Frank Riemensperger é presidente da Accenture Alemanha, Áustria, Suíça e Rússia. Ele faz parte do conselho da Acatech, a academia alemã para ciências tecnológicas, e também é membro do conselho de supervisão do DFKI, o centro de pesquisas em inteligência artificial da Alemanha. Os autores agradecem a Dave Light, Paul Barbagallo, Christopher Sampson e Shiva Adari por suas contribuições para este artigo.

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