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Estratégias da incerteza: planejamento versus readiness

Sobreviver no mundo de incertezas exige agilidade para se adaptar, visão para enxergar cenários e disposição para desenvolver novas habilidades; muitas empresas, profissionais e escolas de negócios, contudo, ainda não captaram esse mindset

Colunista Martha Gabriel

Martha Gabriel

09 de Dezembro

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Artigo Estratégias da incerteza: planejamento versus readiness

Quando a sigla VUCA foi cunhada no final do século 20, talvez a maior contribuição estratégica que ela tenha trazido para os negócios é o da certeza da incerteza. Em outras palavras, a percepção de que o mundo estava mais volátil, incerto, complexo e ambíguo disseminou a consciência sobre a imprevisibilidade que se instaurava.

De lá para cá, a aceleração tecnológica vem gradativamente agravando a situação, contribuindo para o aumento contínuo e considerável do grau de incerteza, consequentemente da opacidade do futuro. Esse processo vem colocando em xeque diversos aprendizados e práticas tradicionais de gestão estratégica de negócios, especialmente o planejamento. Vejamos.

Previsibilidade e planejamento

Planejar é o processo de definir metas para o futuro, determinando os recursos necessários para alcançá-las. Portanto, planejamento é um exercício de previsão para antecipar ações. Nesse sentido, planejar só funciona bem como forma estratégica de navegar o futuro quando o futuro acontece como previsto — quanto mais e melhor se consegue “prever”, maiores são as chances de um planejamento ser bem-sucedido. Por isso, em ambientes com baixo grau de incerteza sobre o futuro, o planejamento tradicional tende a ser uma estratégia eficiente.

Um exemplo desse tipo de contexto são viagens, pois, normalmente, viajar nos permite controlar a maior parte das suas variáveis futuras — datas de saída e chegada, meio de transporte, compra antecipada de tickets, reserva de hotéis, que tipos de atividades vamos fazer, nossos companheiros de jornada, etc. A incerteza normalmente é pequena e fica por conta do clima e eventuais inconvenientes, que tendem a afetar pouco os planos. Por isso, planejar é uma estratégia que frequentemente funciona bem para viagens.

Imprevisibilidade e preparo

Por outro lado, em ambientes com alto grau de incerteza, o planejamento tende a não funcionar, pois, nesses contextos, o futuro torna-se imprevisível, impossibilitando, assim, a antecipação de ações certeiras. Esse é o caso, por exemplo, dos ambientes de esportes: as variáveis são tantas e incertas que nem mesmo o melhor jogador ou atleta do mundo consegue prever ou controlar o que vai acontecer — condições climáticas, estado emocional, vulnerabilidades físicas, condições da quadra/pistas, estado do(s) adversário(s), e muitas outras mais, dependendo da modalidade do esporte/jogo.

Nesse tipo de contexto, a melhor forma de atuar não é planejando, mas avaliando os cenários possíveis e mais prováveis de acontecerem, e se preparar para eles. Isso é o que todo atleta de alta performance faz — analisa cenários para cada jogo ou competição futura e treina para estar preparado e tomar decisões em tempo real para enfrentá-los. Portanto, quando o grau de incerteza é alto, conseguir enxergar cenários e se preparar para tomar as melhores decisões em tempo real quando eles acontecem passam a ser os principais diferenciais estratégicos.

De viagem para jogo

Nesse sentido, considerando o aumento do grau de incerteza no mundo nas últimas décadas, podemos dizer que, a partir do “momento VUCA”, os negócios foram gradativamente deixando de ser uma viagem, tornando-se esporte/jogo.

Desde essa “virada”, o planejamento tradicional, que era a espinha dorsal estratégica do sucesso, passa a funcionar cada vez menos, dando espaço para o surgimento e ascensão de novas formas estratégicas para navegar a incerteza.

Não é por acaso que as metodologias ágeis começaram a se popularizar na área de desenvolvimento de software em 2001, migrando em seguida para outros setores e campos estratégicos, como manufatura, gestão, marketing, etc.

Logicamente, em um primeiro momento, a agilidade foi o caminho natural para enfrentar a incerteza — uma associação da diminuição dos períodos de planejamento (para encurtar a imprevisibilidade do futuro) e a incorporação de metodologias que flexibilizassem rapidamente a estratégia. Assim, o planejamento foi se tornando ágil para dar conta do aumento da imprevisibilidade do ambiente de cada setor.

Nesse sentido, o foco do planejamento foi passando do detalhe para a agilidade, pois não adianta planejar detalhes do que provavelmente não irão acontecer, tendo a consciência de que as coisas mudarão cada vez mais rapidamente e teremos cada vez menos tempo para reagir às mudanças.

No entanto, apesar de o planejamento ágil ser fundamental para o sucesso dos negócios em ambientes incertos, ele não é suficiente: agilidade não é nada sem visão e preparo.

Como nos esportes, se o futuro é incerto, precisamos de visão para enxergar cenários e direcionar esforços e preparo para navegar quaisquer cenários que se apresentem. Portanto, além da agilidade (para se adaptar rapidamente), algumas outras disciplinas viraram pilares estratégicos fundamentais para o sucesso dos negócios: futures studies (para trazer visão, enxergar cenários) e preparo (para desenvolver as habilidades necessárias para agir contextualmente, em tempo real).

Readiness: future studies + preparo + agilidade

Entretanto, a mudança de mindset de planejamento tradicional para readiness é uma transformação profunda na humanidade: apesar da mentalidade de “estar preparado para a incerteza, desenvolver as habilidades necessárias para lidar com isso e agir de forma ágil” se faz cada vez mais necessária, esse não é um processo fácil ou simples para nós, humanos — muito pelo contrário, é desafiador. Fomos configurados biologicamente e educados até recentemente para reagir, não para antecipar.

Se analisarmos currículos de escolas de negócios pelo mundo, conclui-se que grande parte ainda está estruturada para ensinar a administrar negócios anteriormente existentes — do passado —, e não para empreender em situações inéditas e vislumbrar modelos de negócios desconhecidos — ou seja, negócios do futuro.

Considerando que o futuro não espera, precisamos desenvolver e implementar agora essas disciplinas estratégicas em nossas organizações e em nossas vidas, por mais difícil e desafiador que isso seja. Por isso, a resiliência é companheira indispensável das estratégias da incerteza: para garantir a jornada readiness para o futuro dos negócios.

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Colunista Martha Gabriel

Martha Gabriel

É referência multidisciplinar na América Latina nas áreas de negócios, tendências e inovação. Futurista pelo IFTF (Institute For The Future), engenheira (UNICAMP), pós-graduada em Marketing (ESPM) e design (Belas Artes), é ainda mestre e PhD em artes (ECA/USP) e formação executiva pelo MIT Sloan. Autora dos best-sellers "Marketing Na Era Digital", "Educar: A (R)Evolução Digital na Educação" e "Você, Eu e os Robôs", duas vezes finalista do Prêmio Jabuti. É CEO da Martha Gabriel Consultoria que atende corporações multinacionais, bancos, governo e universidades. Professora de inteligência artificial da PUC-SP, leciona ainda no Insper e Fundação Dom Cabral. Palestrante em seis TEDx, ainda é embaixadora no Brasil da Geek Girls LatAm, ONG de fomento de educação tecnológica para garotas focando na diminuição da inequalidade e no aumento da diversidade nas áreas STEM (science, technology, engineering, mathematics).

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