De maneira sustentável, algumas políticas, soluções e inovações procuram mitigar os efeitos da indústria alimentícia que colabora com o sobrepeso e obesidade
“Há aproximadamente 1,8 milhão de anos, a dieta alimentar dos seres humanos era completamente diferente. Nossos ancestrais eram basicamente nômades, coletavam seus alimentos pelas regiões onde passavam e se alimentavam carcaças de animais deixadas por seus inimigos predadores. Nossos antepassados não possuíam ferramentas ou conhecimento sobre cultivo de alimentos.
Por volta de 7 mil anos atrás, o cultivo do solo e a criação de animais se difundiram, tornando o processo de alimentação mais fácil, proporcionando aos seres humanos uma dieta com maior valor nutricional. Essa mudança permitiu que nossos antepassados estabelecessem raízes em regiões e nelas se fixassem. Sem a necessidade de mudança constante, eles passaram a ter tempo para observar a natureza, desenvolver conhecimentos, aprimorar suas técnicas e diversificar o cultivo dos alimentos. Essa evolução fez com que também tivessem acesso à ingestão mais regular de proteínas animais e a uma diversidade maior de grãos e outros vegetais.
Ao longo dos milênios, a produção de alimentos foi sendo aprimorada, indústrias se estabeleceram fortemente após o século 18, com a primeira revolução industrial. Entretanto, foi apenas após a Segunda Guerra Mundial, em meados de 1950, que a indústria de alimentos alavancou sua produtividade. Governos, principalmente de países desenvolvidos, injetaram capital na produção rural, investiram em pesquisas e desenvolvimento e incentivaram técnicas para incrementar a produtividades, tais como: a adoção de equipamentos agrícolas, pesticidas, herbicidas, fertilizantes sintéticos e manipulação genética.
De acordo com Nicole Battini, pesquisadora e autora do livro The Economics of Sustainable Foods, essas técnicas foram adaptadas de práticas militares. A partir delas, a indústria de alimentos ganhou escala e foi possível converter o planeta em uma máquina de produção e vendas de alimentos baratos.
Apesar de o ganho de produtividade ter tornado os alimentos mais acessíveis, ele também abriu espaço para dois cenários completamente opostos. O primeiro é composto por milhares de pessoas que passam fome ou não conseguem ter acesso aos nutrientes necessários para o seu desenvolvimento. O segundo cenário é composto pelas pessoas obesas ou com sobrepeso. As cadeias produtivas e de distribuição se organizaram de forma a ofertar alimentos de altíssimo valor energético, rápidos e baratos.
Diante disso, uma nova cultura alimentar foi criada, impactando negativamente a saúde população mundial. Como já discutimos o tema da fome no mundo em artigos anteriores desta coluna, vamos elaborar mais sobre o tema do sobrepeso e obesidade neste artigo.
Dados recentes mostram que, mundialmente, 39% dos adultos apresentam sobrepeso e 13% são obesos. Esse número, aliás, triplicou desde 1975. No Brasil, a taxa de sobrepeso chega a 60% dos adultos e a de obesidade, a quase 20%. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, os dois grandes fatores que contribuíram para esses indicadores foram o aumento de uma dieta de alta energia, principalmente pela ingestão de açúcares e gorduras, e um decréscimo nas atividades físicas.
Juntando os pontos, a revolução da indústria alimentícia, iniciada na década de 1950, possibilitou a oferta elevada e custo baixo de alimentos disfuncionais. Para completar o cenário, as revoluções tecnológicas, principalmente após a década de 1990, contribuíram para a mudança do nosso estilo de vida e para o maior sedentarismo.
As consequências são devastadoras. Sobrepeso e obesidade causam, normalmente, doenças cardiovasculares, diabetes, distúrbios musculoesqueléticos e alguns tipos de câncer. Essas doenças custam aproximadamente 4,7 milhões de vidas por ano, segundo Global Burden of Disease. Isso equivale a cerca de 8% das mortes mundiais. Além dessa perda terrível, obesidade e sobrepeso custam aos cofres públicos aproximadamente 2 trilhões de dólares por ano em razão de despesas hospitalares, tratamentos, e outros, conforme apurado pela McKinsey Global Institute. Esse valor representa 2,4% do PIB mundial de 2020.
Contudo, o cenário piora bastante quando olhamos para os efeitos da pandemia da covid-19. Observando que a maior parte das pessoas vitimadas pela covid-19 tinham pelo menos uma dessas comorbidades, temos que considerar entre os efeitos das últimas revoluções industriais e tecnológica uma maior vulnerabilidade às novas doenças.
Precisamos de uma nova revolução, e rápido. No entanto, desta vez, precisamos de uma revolução consciente e sustentável. Por sorte, todos os acontecimentos recentes contribuíram para que essa não fosse uma preocupação de poucos. Governos, executivos da indústria de alimentos e especialistas do setor estão trabalhando em políticas, soluções e inovações que possam mitigar o problema. Para dar o tom da relevância, o tema da sustentabilidade na indústria de alimentos tem sido tópico de discussão em fóruns importantes, como o Fórum Econômico Mundial.
A transição para um modelo consciente e sustentável pode ser alcançada. Para isso, é preciso a união das iniciativas públicas e privadas, por meio do redirecionando dos subsídios e investimentos agrícolas. Esses recursos precisam apoiar práticas sustentáveis, proteínas alternativas, desenvolvimento de produtos com melhores valores nutricionais, programas de educação alimentar e sistemas de saúde que incentivem as escolhas alimentares. Desse modo, as decisões e os investimentos feitos atualmente na indústria de alimentos irão determinar a saúde da população amanhã.
Gostou do artigo do Suelen Schneider? Saiba mais sobre inovação no setor de alimentos assinando gratuitamente nossas newsletters e ouvindo nossos podcasts na sua plataforma de streaming favorita.“”