Profissionais do marketing agora possuem um novo ativo digital para dominar. A partir da IA generativa, a ideia criativa será mais valorizada, com potencial para uma nova era de explosão de inovação
O lançamento do ChatGPT, em novembro de 2022, pela OpenAI, pode ser considerado um novo divisor de águas que entrará para a história da humanidade. Para alguns, uma disrupção no nível de uma renascença tecnológica e isso coloca todos nós, que respiramos tecnologia, diante da necessidade de fazer uma pausa para entendermos o impacto da inteligência artificial (IA) generativa em diferentes setores.
Nesses seis meses, conversando com diferentes players do mercado, tive contato com perguntas em diferentes horizontes de tempo e impacto prático. As de longo prazo e mais filosóficas, como “o que acontecerá com a humanidade em uma janela de 50 anos?” ou “o que faremos em termos de legislação e regulamentação em nível global” até questões mais práticas, como “qual impacto da IA generativa na nossa estratégia de negócios e adoção pelos diversos times e departamentos em nossas empresas?” ou “como a IA impactará as funções existentes e novos empregos?”.
Tenho dedicado boa parte do meu tempo para me aprofundar nestas diferentes facetas do tema “impactos dos large language models (LLMs) em negócios” – ao meu ver, todas importantes. Com isso, venho buscando traçar hipóteses dos impactos práticos dentro de um horizonte de dois anos, em áreas que tenho mais experiência, como no setor de marketing e comunicação no qual trabalho há 16 anos. Vejo que alguns efeitos dessa tecnologia já se desenham com mais clareza, e compartilho com vocês aqui neste artigo. Quem sabe, assim, nos preparamos melhor para o que está por vir.
Em um ensaio de futurologia trazendo para uma reflexão conjunta, inclusive aberto ao diálogo e a escutar seus feedbacks nos comentários, esboço a seguir os cinco prováveis movimentos práticos e de curto prazo em que a IA Generativa poderá impactar o marketing e a comunicação:
Quem é da área sabe o quanto as funções criativas digitais exigiram até aqui domínio e anos de experiência em softwares hiper específicos para sua realização. Photoshop, Blender, Final Cut são só alguns nomes mais conhecidos de uma série de ferramentas sine qua non para a produção digital. Quem os pilota, cria com autonomia. Quem não tem treinamento, precisa de algum especialista no time para criar certos elementos digitais. Por exemplo, para a produção de elementos 3D muito utilizados em filmes publicitários, websites e aplicativos é exigido conhecimento técnico hiper especializado e anos de prática em softwares de modelagem, animação, captura de movimentos e outros. O profissional que domina essas técnicas é disputado por altos fees e, às vezes, a valores que inviabilizam o acesso por conta do budget mais curto.
Com o surgimento de tecnologias generativas de IA (a exemplo das oferecidas por Runway, Rokoko e Luma AI), as barreiras de entrada para produção de elementos 3D já estão sendo reduzidas, permitindo que uma gama mais diversa de profissionais tenha acesso a estes recursos. O mesmo vale para recursos de edição de imagens e fotografia (como Photoshop, Illustrator e concorrentes), produção de games (como Unreal Engine e concorrentes) e outros elementos criativos especializados. Tudo aponta para a queda da barreira de entrada na criação desses elementos e consequentemente um maior acesso. Procure por ferramentas com recursos de “”text-to-image, text-to-video, text-to-3D”” e vivencie na prática o poder dessas novidades.
Além do acesso a novos recursos, o tempo necessário para a realização de diversas tarefas criativas será encurtado. Quando não em partes, automatizado. Entramos na era dos “profissionais 10x”, ou seja, dez vezes mais produtivos ao adotar a IA como co-pilota. E algumas profissões em marketing e criação estão entre as beneficiadas por estes “10x”, dentre elas, profissionais de content marketing, editores, diretores de arte, modeladores e outros, produzindo dez vezes mais rápido e sendo dez vezes mais produtivos.
Com a IA generativa como nova aliada, a tendência é que o custo de produção caia, assim como a contratação de algumas atividades, e também que a capacidade de throughput criativo aumente. Custos menores e uma maior produtividade são deflacionários e podem melhorar margens. E melhorar margens é a palavra de ordem no atual momento que o mercado vive.
Nessa corrida por otimizar margens, o efeito amplificador da IA traz “”dois lados da mesma moeda””. Para os bons prestadores de serviços, empresas e indivíduos diferenciados, terem uma IA que amplifica sua capacidade produtiva significa ter muito mais recursos para ganhar mercado. Já para os profissionais e empresas medianos e subperformance, as novas tecnologias devem ampliar a concorrência e trazer tempos amargos fora da posição de conforto. Muitos precisarão investir tempo e recursos para ampliar sua qualidade de entrega e diferenciação.
A holding publicitária WPP já se antecipou e anunciou uma parceria com a NVIDIA, Adobe e outros players de tecnologia para a criação de um ecossistema de ferramentas para fortalecer seus mais de 150 mil colaboradores pelo mundo.
Em marketing, meio e mensagem caminham juntos. Na última década, o “”meio”” – a mídia – passou por uma avalanche tecnológica. O nome dado a esta revolução foi “”mídia programática””. A tecnologia proporcionou novas possibilidades e oportunidades em compra, venda, personalização, segmentação, precificação e veiculação de anúncios para públicos hiper específicos. Isso deu origem a novos e gigantes players, times especializados in-house ou terceirizados, novas profissões (isso mesmo, novos empregos!) e skills disputados no mercado. A revolução no “”meio”” ainda não acabou e segue surpreendendo, mas com a IA generativa chega a vez da “”mensagem”” escalar.
Para os próximos dez anos podemos esperar uma mudança de paradigma na forma como escalamos a criação das mensagens e conteúdo criativo. Uma nova era de “”conteúdo programático””. Para ilustrar melhor esses próximos tempos, imagine o seguinte caso: com a IA generativa já é possível partir de uma mensagem publicitária definida (textual e visual) e desdobrá-la automaticamente em mil variações. Essas mil variações são disparadas gradativamente para sua base de clientes e conforme métricas de engajamento (clicks, likes, shares, compras etc), a própria IA que as criou as seleciona de forma “”darwiniana”” conforme feedbacks dos dados de performance.
Um segundo exemplo interessante está na tropicalização de conteúdo em áudio e vídeo para dezenas de países. Com a IA generativa já é possível traduzir a voz de um locutor ou atriz para diversos idiomas sem que o timbre ou tom sejam alterados. Um terceiro exemplo é de Tomasz Tunguz, fundador da Theory Ventures. Segundo ele, “novas técnicas de criação de conteúdo usadas da maneira certa podem permitir uma nova forma de aquisição de inbound leads. É a IA permitindo escalar o account-based marketing. Talvez vejamos a fusão do inbound marketing com o account-based marketing, em que os profissionais criam garantias sob medida para contas identificadas, mas fazem isso para milhares de clientes em potencial, em vez das dezenas ou centenas de hoje em dia”.
Por estes e outros exemplos é que nos surpreenderemos neste e nos próximos anos em como a tecnologia de conteúdo programático vai turbinar a eficácia e a relevância das comunicações de marketing. E, assim como com a mídia programática, veremos novos players, novas funções e novos skills neste mercado. Quer ter uma dimensão? Conheça a Typeface.ai, do ex-CTO da Adobe, que com poucos meses de vida já captou em 2023 seus US$ 65 milhões.
Mais do que nunca estamos próximos do santo graal há tantos anos desejado pelas marcas em conversar de forma verdadeiramente individual com cada consumidor (mensagem certa, no contexto certo, no canal correto, no momento ideal).
Os três movimentos descritos acima (maior acesso, melhores margens e escala programática) quando postos em perspectiva tendem a nivelar em certa parte o mercado. Para leigos em certos softwares e os hobistas, será muito mais fácil dar vazão a suas ideias e sacadas criativas. Quem se destaca por saber “”pilotar softwares”” complexos perderá a barreira competitiva. Assim, acessar recursos criativos para produzir em alto giro deixa de ser um diferencial.
E o que se destacará? Ao meu ver, a capacidade de direção artística e criativa ganha ainda mais prestígio. Por direção criativa e artística quero dizer ter a ideia e também a capacidade de “”tirá-la do papel””, ou melhor, da tela, seja com recursos próprios ou dirigindo terceiros e com a capacidade de dominar – parafraseando o que um querido amigo e diretor de criação uma vez me disse – a “”arte do craft”” – de fazer algo com qualidade e sem aquela aparência “”pasteurizada-industrializada””. Significa ter bagagem e referência cultural para dirigir, para brifar e inclusive para comandar a IA.
Com a IA, continua a máxima de “”quanto melhor o briefing, melhor o resultado final””. Por exemplo, nas ferramentas de IA generativa voltadas à criação de imagens, como na Midjourney, os resultados bons dependem de bons “prompts” (comandos). E o que seriam bons prompts? São textos recheados de referências técnicas e culturais que dirigem a IA em como criar a imagem que imaginamos. Qual iluminação usar? Qual tipo de câmera e abertura da lente? Qual estilo de pintura? Qual tipo de renderização? Podemos esperar resultados muito diferentes entre um briefing à IA que pede “”foto de um tênis azul e laranja em fundo moderno abstrato”” versus “”arte digital detalhada e surrealista de um tênis em tons fortes de azul e laranja com fundo em estilos bauhaus, Wassily kandinsky, Leica 75mm 2.0 Summicron-M ASPH, unreal engine, –ar 9:16″”. Uma diferença gritante em termos de especificação e referencial cultural, não é?
Em 30 anos de internet, vivenciamos a migração do relacionamento com o cliente do físico e analógico para o digital. Só para lembrar algumas transformações: as gôndolas viraram catálogos online com imagens, scrolls e botões. O dinheiro e até mesmo o cartão de crédito físico praticamente sumiram de cena. Os outdoors viraram banners e a publicidade de mão única pensada para TVs, jornais e revistas foi reinventada para formatos interativos e muito mais granulares. Na transformação digital das últimas décadas, o CMO ganhou três principais ativos digitais para criar, montar times e processos e gerenciar: websites, mobile apps e perfis em redes sociais. E na próxima década, o que virá com a onda de IA generativa, em uma internet “”AI first”” e “”chat-based””? Dentre muito ainda que tem para acontecer, um novo ativo já se apresenta para essa nova gestão: os canais conversacionais “”AI first””.
O “”chat+AI”” puxa uma transformação em curso na experiência de como marcas e clientes se relacionam. As marcas poderão entregar cada vez mais interações personalizadas e em tempo real aos seus clientes, independentemente de onde eles estejam – no Whatsapp, no Instagram, no webchat ou até quem sabe dentro do próprio ChatGPT, BingChat ou Google Search (os dois últimos incluíram na experiência de search um novo formato de chat). Neste novo asset digital, o CMO ganha um nível de personalização e obtenção de dados jamais visto e põe as empresas muito mais próximas de seus consumidores, com o melhor das relações digitais (via IA) com o afeto humano (via times de vendas, atendimento e gestão de comunidades). Ainda, amplia a capacidade de coletar insights e dados do cliente uma vez que todas as conversas ficam identificadas e armazenadas numa “”thread infinita”” de relacionamento entre marca e cliente. Um cenário em que CMOs possuirão um novo asset para dominar e inserir em suas estratégias e planejamentos. E os times de marketing e agências ganham um novo playground para inovarem.
A IA vai substituir os profissionais criativos e de marketing? Por todos os pontos que comentei aqui, verdadeiramente acredito que não, mas vai aumentar a concorrência, elevar a régua de talento criativo e diretivo para diferenciação. Mas…(e aqui vem um grande “”mas…””), vejo como certo que criativos e marketeiros que fizerem o uso de IA e canais conversacionais seguramente terão muito mais poder em mãos para substituir os que não fizerem uso dessa nova tecnologia.Mais do que nunca, a ideia criativa será valorizada, com potencial para uma nova era de explosão de inovação. Com as barreiras de acesso diminuindo, a competição vai aumentar e aqueles que estiverem preparados com conhecimentos em IA e, principalmente, com a soft skill de adaptabilidade, vão ter uma boa largada nessa corrida. Quem resistir por conservadorismo, medo ou apego à tradição corre o risco de acordar em desvantagem ou se tornar o telefonista dos anos 1990. E isso não é ficção!”