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Inovação: as vantagens de pensar como uma criança

Uma menina de 3 anos. Um copo que cai. As ciências cognitivas nos dão argumentos para crer que a inovação das empresas advém do mesmo modelo de pensamento que essa menina vai adotar

Cássio Pantaleoni
29 de julho de 2024
Inovação: as vantagens de pensar como uma criança
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Aprender não é para os fracos. Veja, por exemplo, o caso daquela menina de 3 anos que ingenuamente colocou o copo plástico sobre a mesa, bem na beirada, e ao largá-lo de maneira descuidada surpreendeu-se com o efeito da falta de apoio, vendo o copo se debater contra o chão. 

Ela observa o quicar do objeto, o ruído oco, o rolar a esmo e assusta-se por um momento. Depois, por mera curiosidade, retoma o copo e o deixa cair das mãos outra vez apenas para descobrir que tudo se repete. Duas ou três vezes mais, e volta a colocar o copo sobre a mesa, desta vez um pouco mais longe da beirada. A menina, pacientemente, insiste naquela observação até que suas experimentações se confirmem numa espécie de teoria possível para aquele acontecimento. Porém, quando a mãe pergunta o que aconteceu, ela resume tudo em alguma história simples, uma narrativa que às vezes pode cativar o sorriso dos adultos: “_Eu botei o copo ali e ele se jogou, ficou pulando e rolou pra debaixo da mesa. Agora eu deixei ele bem longe da beirada e ele não consegue mais pular!_”. 

Do se que trata tudo isso? Que processo é esse de apreensão do fenômeno que de algum modo registra na criança, ainda que de maneira muito simples, um aprendizado sobre algo tão complexo quanto a força da gravidade por meio de uma representação alternativa como “copos que pulam da beirada de mesa caem e quicam”?

O caso acima quer apresentar como se desenvolve a cognição humana de modo lúdico. O exemplo é relativamente importante para compreendermos até que ponto um dos requerimentos de negócios mais exigidos nos dias atuais – a capacidade de inovar – associa-se ou não aos métodos empíricos das crianças. 

Há muita opinião não-científica acerca dos atributos essenciais da inovação, principalmente nos dias atuais em que o termo “inovação” adquiriu a estatuto de responsabilidade – diversas empresas agora depositam o processo nas mãos de um head de inovação, que chefia um grupo de gente paga para pensar em “soluções disruptivas”, por meio de técnicas de design thinking, brainstorming etc. Contudo, as discussões sérias sobre o tema acontecem mesmo é no campo da ciência. É das ciências cognitivas que retiramos argumentos para sustentar que a inovação advém mesmo desse modelo de pensamento que combina informação (o copo caiu no chão), fenômeno (pela falta de apoio), comunicação (a explicação do que aconteceu) e processo (tentativa, erro, observação, correção). Ou, por assim dizer, o modo como a criança naturalmente conquista conhecimento do mundo.

Há um campo da psicologia que se ocupa da Teoria das Teorias. À luz desta área de estudo, é entendido que a criança aprende por meio da construção de uma teoria do mundo que é recorrentemente testada pelas suas experiências. De acordo com Alison Gopnik, pesquisador da Universidade da Califórnia, é como se as crianças fossem pequenos cientistas – elas criam hipóteses com base em suas observações, as testam experimentalmente e depois revisam suas visões à luz das evidências coletadas. Há boas semelhanças, de fato. Tais semelhanças levaram o filósofo americano John Dewey a concluir que há dois atributos essenciais tanto para as crianças como para os cientistas – espontaneidade e sociabilidade

Em grande medida, as crianças em idade pré-escolar brincam por boa parte do dia. O que elas usam é o instinto comunicativo, atuando de modo bastante espontâneo. A brincadeira não é imposta. Elas apenas brincam de modo espontâneo dentro do campo social onde estão inseridas. Porém, há uma característica importante a se notar: muitas vezes as brincadeiras são desenvolvidas através de histórias contadas de improviso. Qual a razão disto? 

De acordo com Paul Zack, diretor do Centro de Estudos Neuroeconômicos da Claremont Univesity, as histórias são efetivas para a transmissão de informação e valores em um grupo social. Histórias captam e mantêm a atenção do outro e transportam um ou mais indivíduos para o lugar de outro (ou para o mundo do outro). Ora, o que são histórias senão a representação de ideias, objetivos, vontades, etc? As crianças usam as histórias para representar o seu mundo para o outro (socialização) sem qualquer intenção além da intenção de representar este seu mundo conforme o experimenta e o vive (espontaneidade). 

Todos aqueles que convivem com crianças entre 3 ou 4 anos de idade observam a naturalidade com que os pequenos incansavelmente perguntam pelo porquê das coisas. Há momentos em que parece até obsessão. Pesquisadores da University of Michigan, liderados por Brandy Frazier, desenvolveram um estudo sobre a satisfação das crianças com as respostas que obtinham de seus pais ao usar o porquê de maneira tão recorrente. O dado interessante é que a pesquisa demonstrou que – ao receber uma resposta não satisfatória – 87% das crianças refizeram a pergunta. 

Ou seja, as crianças podem não saber as respostas, porém sabem quando você não está dizendo coisa-com-coisa; e elas vão insistir! Este modo de questionar recorrentemente para encontrar respostas satisfatórias não parece ser muito bem aceito no mundo corporativo. Em certa medida, tal insistência pode ser entendida como infantilidade (!) e o colaborador se torna inadvertidamente refém do juízo coercitivo de seus pares, aceitando respostas insatisfatórias apenas para corresponder às expectativas comuns. 

A semelhança entre o método científico de investigação e o “jeitão” dos pequeninos, segundo Henry Cowles, outro pesquisador da University of Michigan, acontece em razão de que a ciência é um estilo de racionalização que se define pela forma e não pela mensagem em si. Isto, muito provavelmente, é o que leva a ver as crianças como “pequenos cientistas”. Assim, o progresso que as crianças obtêm na busca de conhecimento, da maneira como acontece com os cientistas, dá-se pelo modo espontâneo com que – no âmbito social – a forma de investigação é desenvolvida, ou seja, por meio do estabelecimento natural de coinvestigadores que recorrentemente insistem no porquê das coisas até que a resposta encontre grau de satisfação consensual. 

As implicações são profundas: significa dizer que nunca sabemos as coisas sozinhos, pois conhecimento e aprendizado andam de mãos dadas e todo o aprendizado é social. Até mesmo nossos pensamentos particulares se dão pelas relações sociais. Como Cowles aponta, “o modo como as crianças aprendem demonstra algo que a imagem idealizada do gênio solitário não consegue capturar e, que ao final, parece muito mais próxima da realidade da comunidade científica”.

> “O processo de inovação alcança sua riqueza não pelas características supostamente geniais de certa pessoa, mas antes pela espontaneidade em perguntar do modo mais ingênuo possível, sem receio de ser mal interpretado”  

É preciso aceitar o fato de que o processo de inovação alcança sua riqueza não pelas características supostamente geniais de certa pessoa, mas antes pela espontaneidade em perguntar do modo mais ingênuo possível, sem receio de ser mal interpretado pelo grupo social onde tais questionamentos aparecem, possibilitando a construção de histórias que correspondam a interpretações simples de situações complexas. Para tanto, incentivar o questionamento e a ingenuidade das perguntas em toda a organização é mais efetivo para o processo de inovação do que a instituição de uma responsabilidade por decreto.

Como escreveu a escritora agraciada com o Nobel de Literatura de 1938, Pearl Buck, “a mente verdadeiramente criativa em qualquer campo não é mais do que isso: uma criatura humana nascida desumanamente sensível. Para estes, um toque é um golpe, um som é um ruído, um infortúnio é uma tragédia, uma alegria é um êxtase, um amigo é um amante, um amante é um deus e o fracasso é a morte. Adicione a esse organismo cruelmente delicado a necessidade esmagadora de criar, criar, criar – de modo que, sem a criação de música ou poesia, livros ou edifícios ou algo significativo, sua própria respiração é cortada … Eles devem criar, devem derramar a criação. Por alguma urgência estranha, desconhecida e interior, eles não estão realmente vivos a menos que estejam criando.” 

Essa criatura tão sensível, atenta a toda a experiência, insistentemente espontânea e com vontade de brincar com outros, costuma-se denominar criança. E ela tem a vantagem de não se importar com isso.

Cássio Pantaleoni
Cássio Pantaleoni é managing director da Quality Digital e membro do conselho consultivo da ABRIA (Associação Brasileira de Inteligência Artificial). Tem mais de 30 anos de experiência no setor de tecnologia, é graduado e mestre em filosofia, e reúne experiências empreendedoras e executivas no currículo. Vencedor do prestigioso prêmio Jabuti, com a obra *Humanamente Digital: Inteligência Artificial centrada no Humano*.

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