Embora sofram com a escassez de benchmarks organizados, algumas empresas que vendem para outras empresas parecem estar redefinindo a essência do que é fazer marketing hoje
Criar estratégias de marketing e retenção para o complexo e muito peculiar mundo das empresas B2B, que vendem para outras empresas, tem sido, há muitos anos, um desafio hercúleo para as equipes de negócios.
Ao contrário das organizações B2C, que se dirigem ao consumidor final e contam com a divulgação das melhores práticas de mercado nos segmentos em que atuam (contam também com as dezenas ou centenas de papers e livros sobre o marketing B2C que são lançados todos os anos), o mundo B2B é carente de informação e divulgação.
As áreas de negócios do marketing B2B sofrem com uma espécie de apagão de benchmarks (ou, mal traduzindo, carecem de “referência de sucesso na categoria”) para balizar suas estratégias.
Escolhi o tema para esta coluna porque fui chamado a fazer recentemente um trabalho de consultoria de marketing e posicionamento para uma grande organização B2B aqui no Brasil e tive que sair caçando, literalmente, benchmarks no País e lá fora. Fui atrás das boas práticas em B2B e topei com uma realidade muito pobre de informação.
Não teve jeito. Tive que apelar para os cabelos brancos e praticamente basear toda estratégia no conhecimento construído ao longo dos anos e das experiências com outras empresas tanto em B2C como em B2G (business-to-government). Claro, inoculando um tanto de teorias do presente, como é o caso do capitalismo de stakeholders, que falo mais adiante, e seus poderosos subprodutos.
Uma perspectiva intrigante, para não dizer surpreendente, me ocorreu durante esse projeto: os negócios B2B estão redefinindo a própria essência do que é fazer marketing no século 21. Não, esse não é um statement dramático aleatório. Se as companhias B2C andam tão famintas, ávidas e preocupadas em impactar positivamente os que as cercam (do meio ambiente aos próprios funcionários), eu posso afirmar com todas as letras que o marketing B2B tem feito isso de maneira exemplar e contemporânea.
Um olhar mais profundo da minha investigação mostra um cenário B2B tremendamente pujante e alinhado com os mais modernos aspectos de um marketing moderno. Do alto de um preconceito sem tamanho, achei que iria deparar com um cenário marcado por previsibilidade, recheado por mensagens-clichê, formais e de tom genérico, e por muitas ações inócuas perdidas em um mar dos jargões corporativos.
A surpresa não foi exatamente encontrar o contrário disso, mas perceber que as organizações B2B brasileiras já estão realizando ações vanguardistas em marketing, só que sem os rótulos pomposos e hype que o B2C costuma usar. Mais que isso, o B2B tem em suas mãos a gestão de programas ‘tailor made’, já que muitas vezes, aquela empresa é única no seu segmento no país e com suas necessidades bem específicas.
E percebam que nem estou falando de empresas como Gerdau, Vale e Suzano, os exemplos mais conhecidos do mercado brasileiro em programas de impacto e relacionamento com seus públicos de interesse. Eu me refiro a várias outras organizações de médio e até pequeno porte que pude conhecer e que mantêm atividades de marketing baseadas no que há de mais eficiente no capitalismo de stakeholders.
Na jornada de pesquisa e desenvolvimento deste projeto, notei a presença de quatro pilares importantes para um desenvolvimento organizacional e de negócios das marcas B2B. Aqui estão eles:
Aqui, o que diferencia as empresas B2B nesta era transformadora é a sua proximidade com a filosofia central do Capitalismo de Stakeholders que é se importar legitimamente com todos públicos, repito, todos os públicos que giram ao redor da marca e em toda cadeia de valor. Todos importam e todos são geridos com a mesma competência e importância.
A intensidade e qualidade de interações das empresas B2B com seu espectro de stakeholders cria uma oportunidade única em aproximar a narrativa de seus propósitos corporativos em uma conexão humana genuína.
Cada stakeholder se torna uma tela de comunicação com a comunidade da empresa onde colaboradores são multiplicadores (da marca). Nessa realidade, o “”walk the talk”” é fundamental.
Não tem “meia conversa” sobre levar o bem à comunidade, ter programas robustos e consistentes de impacto social ou até mesmo governança interna. Ou a empresa está 100% alinhada com o tal “”compliance”” ou a máxima de que os colaboradores que são ao mesmo tempo beneficiários de programas e multiplicadores da marca vai pro ralo.
Nesse ambiente, as empresas B2B se encontram alinhadas inadvertidamente com o paradigma emergente do Capitalismo de Stakeholders – uma abordagem que já me referi aqui em vários dos meus artigos.
É um modelo do capitalismo que põe abaixo o modelo de Milton Friedman que pressupõe que a única responsabilidade dos gestores é com a maximização dos lucros aos acionistas.
Ah, não posso deixar de apontar para a posição estratégica que ocupam os profissionais de Recursos Humanos (ou qualquer outro nome pomposo que possa aparecer na gestão de pessoas) neste cenário mais vanguarda e “”Stakeholder driven”” do B2B (ou, em português e menos chique, voltado aos públicos de interesse).
Os impactos das plataformas de mídia social associadas à descentralização da informação das grandes fontes de informação formaram indivíduos cientes e seus direitos (às vezes nem tanto cientes de seus deveres, mas aí é outra história).
Numa sociedade onde todos têm acesso a tudo e com velocidade exponencial, é inevitável que todos se sintam protagonistas de suas vidas pessoais e profissionais. O verbo muda do “”eu quero”” para o “”eu posso”” do colaborador da linha de produção ao executivo gestor de um conglomerado enorme.
O protagonismo do indivíduo é um fenômeno tão importante na nossa era que não é leviano afirmar que tudo muda (ao menos no recorte profissional, certamente, tudo muda). Quando entramos nesse ambiente de trabalho ‘modificado’, onde os indivíduos não são apenas funcionários, mas protagonistas de suas próprias narrativas, encontramos pessoas carregando consigo uma tapeçaria de aspirações, desejos, preferências e emoções.
Pergunta retórica: será que isso deve ser desconsiderado para aumento de performance e engajamento no trabalho?
Pessoas são tão fundamentais nos negócios B2B (e stakeholders idem), que esse negócio deveria ter o upgrade de nome para B2B2C porque, no final da linha, ninguém contrata um técnico ou um especialista em qualquer segmento B2B e deixa para trás o ser humano que vem junto com ele.
Quase que como um subproduto do item anterior, esse pilar acabou se destacando na comunicação e nas narrativas das marcas com seus públicos de interesse. Explico melhor, não basta mais ter uma narrativa e uma comunicação apenas politicamente correta para que os públicos de uma marca B2B se engajem com a marca. Ela precisa carregar emoção, diferenciação e criatividade.
Nas palavras de Gerald Zaltman, o estimado chefe de neurociência da Harvard Business School, surpreendentes 95% das decisões de compra estão enraizados em emoções. Essa revelação destaca a verdade inegável de que as emoções são o ponto central da tomada de decisões – uma realização que está servindo como princípio norteador para cada projeto de marketing B2B.
Chegou a hora de as empresas B2B se livrarem das correntes da comunicação convencional e abraçarem uma abordagem mais pessoal e emocional. Os stakeholders não são entidades sem rosto; são indivíduos com histórias, preferências e sentimentos como já disse. O marketing B2B, em sua essência, deve ser uma conversa que fala diretamente aos corações daqueles que procura envolver.
É entrar no tecido daquela comunidade com a atitude de quem é daquela comunidade. Um exemplo interessante disso é o que tem feito a McKinsey, empresa de serviços de consultoria que, no Brasil e no mundo, se tornou uma publishing hous (ou uma casa de notícias). O serviço de notícias da McKinsey, variado, é está no centro das atividades B2B daquela organização. Detalhe: sempre de forma lúdica, organizada e bem humorada (sempre que possível, ao menos). Eles até sugerem listas de músicas para os assinantes do seu serviço de informação para se ouvir no verão, por exemplo.
Outro grande exemplo de criatividade e sociabilidade de marca no B2B é a brasileira TOTVS que construiu uma espécie de universo POP para se relacionar com seus públicos. Não só decidiu se integrar com um de seus públicos de interesse, os desenvolvedores e profissionais de TI, adotando e valorizando o ‘dia do orgulho geek’ ou ‘o dia da toalha’ (entendedores entenderão) como levando a cantora Anitta para sua conferência anual.
Podemos também citar a BASF AGRO, por exemplo, que há anos vem usando na comunicação um enaltecimento do setor agro brasileiro com o tema de sua campanha institucional “”Legado””, que descreve como o segmento rural foi se construindo de pai para filho.
O tema “”Legado”” na narrativa da BASF AGRO tem sido premiado há anos, sendo que arrebatou praticamente todos os prêmios do mercado rural com ele desde então.
Inevitável constatar o poder transformador da iniciativa privada. E de como ela pode transformar mais rapidamente o que vivemos. Ações de impacto estão no core das empresas B2B.
Elogiamos uma marca como por exemplo a Patagônia que tem propósito claro de preservar a natureza através de suas ações inequívocas para isso no lançamento de produtos e serviços “”nature friendly”” ou ainda a própria Natura que dispensa aqui comentários.
Mas essas são empresas B2C. Ouso dizer que a intensidade de ações de impacto das empresas B2B é muito superior à das empresas B2C. Minha busca por exemplos desta categoria foi até fácil e abundante.
ESG (a já bem famosa sigla m inglês para responsabilidades ambientais, sociais e de governança corporativas) é o tema do momento, aliás, um tema que deveria estar na paridade de negócios e não em sua diferenciação. Quer dizer, quem faz não deveria se destacar, mas na verdade, se juntar às outras empresas.
Como comentado, as indústrias de base têm se utilizado desse artifício – quase que obrigatório – gerando impacto para comunidades e colaboradores. Destaco uma ação que tem aspecto reparador e que tem potencial de modificar a comunidade de forma singular.
A Serasa Experian construiu uma plataforma de educação financeira para o cidadão (qualquer um que queira) saber gerir bem seu dinheiro. São 7 módulos completinhos, que estão lá, disponíveis, em parceria com a Descomplica, um ambiente virtual de aprendizagem.
Ao contrário do que se poderia esperar em um cenário muitas vezes marcado pela monotonia e formalidade, algumas empresas B2B brasileiras já se destacam ao adotar ações inovadoras e contemporâneas, alinhadas aos princípios do Capitalismo de Stakeholders. Romper com a formalidade tradicional nas relações empresa-empresa exige audácia e coragem para transcender as barreiras mentais e abandonar os padrões convencionais.
Nesse novo paradigma, as empresas B2B possuem o potencial real de se tornarem verdadeiras líderes, pavimentando o caminho para um marketing mais humano e significativo no cenário corporativo. Elas têm a oportunidade de superar até mesmo as empresas B2C mais reconhecidas, as quais, muitas vezes, se limitam a abordagens táticas no que diz respeito ao impacto, seja nas ações comunitárias, nas estratégias de comunicação e narrativas, ou nos programas educacionais.
A constância e a profundidade das ações de impacto no segmento B2B conferem um caráter estratégico a essas atividades, proporcionando-lhes a chance de se tornarem mais robustas, envolventes e relevantes do que são atualmente, inclusive superando algumas marcas B2C notáveis pela sua proximidade com os públicos-alvo. “