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Negócios de plataforma e ecossistema: os novos conceitos da gestão

Novas estruturas de negócios requerem novas formas de administrá-las

Colunista Luís Rasquilha

Luís Rasquilha

16 de Agosto

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Artigo Negócios de plataforma e ecossistema: os novos conceitos da gestão

Estas três leis, juntas, formam o que chamamos de “tempestade perfeita” que vamos viver na terceira década do século 21: a Lei de Moore, que diz que “a velocidade de processamento de dados dobra a cada 18 meses, a Lei de Butter, “a velocidade de transmissão de dados duplica a cada 9 meses” e a Lei de Kruder, que determina que “a velocidade de armazenamento de dados dobra a cada 13 meses”.

Esse fenômeno é objeto de nossa admiração há muito tempo. Hoje, na palma da mão, há um computador mais potente do que o melhor computador que existia duas décadas atrás.

A velocidade de transmissão de dados também cresceu, e segue crescendo, de forma espantosa. A chegada do 5G irá turbinar ainda mais essa dinâmica. Já a capacidade de armazenamento também nos impressiona. O que chamamos de “nuvem” hoje é resultado de mais um ingrediente fantástico.

Tais leis provocaram duas mudanças radicais e que redefinem a forma de fazer negócios e pensar a estratégia. Cada uma delas gerou um impacto muito relevante na dinâmica de se fazer negócios. Vamos a cada uma delas:

1 – Redução dos custos de transação

Os custos de transação despencaram e deram a todos nós a oportunidade de transacionar informações de forma muito barata. O impacto: fragmentação da cadeia de valor.

Tal fragmentação permitiu, de maneira muito rápida, a entrada de novos atores em determinado setor sem precisar ter estrutura para ocupar a cadeia de valor inteira. Um dos melhores exemplos disso é o setor financeiro. Até bem pouco tempo atrás, poucos poderiam atuar no setor sem necessitar de grande aporte de capital para oferecer todos os serviços.

Hoje, a maioria das chamadas fintechs ocupa um pedaço da cadeia de valor. Várias atuam apenas em meios de pagamento. Outras, em programas de fidelização. Outras, em investimentos. Assim por diante. É a cena de um tubarão sendo comido por centenas de piabas.

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Se, num passado recente, os gigantes de qualquer setor tinham relativa tranquilidade e controle sobre com quem competiam, hoje todos dormem com um fantasma no guarda-roupas. Em um programa recente que conduzimos sobre ambidestria corporativa, quando questionado sobre os seus concorrentes globais, o presidente de uma gigante de tecnologia do Brasil respondeu: “Para ser bem sincero, hoje eu tenho mais medo das vespas desconhecidas do que dos leões conhecidos”.

2 – Negócios de plataforma x pipeline

Eis a mudança que redefiniu o mapa global dos negócios. O fato de podermos transacionar dados nessa velocidade e custo abriu as portas para uma nova modalidade de construção de valor, rompendo o fluxo tradicional. Os chamados negócios de pipeline, nos quais o fluxo de valor é controlado por um player de mercado até chegar ao cliente final, passou a ter que conviver (em alguns casos, ser substituído) com uma nova dinâmica.

O que é, então, uma plataforma?

  • Um conjunto de blocos de negócios e tecnologia que servem de base para a construção de produtos e serviços complementares e que permitem a criação de valor.
  • Um conjunto de recursos usados em comum em uma família de produtos que também estão sujeitos a efeitos de rede.
  • Um padrão aberto que facilita a participação de terceiros, com um modelo de governança contratual ou de reputação que explica e controla os comportamentos permitidos na comunidade.
  • Um sistema de negócios que combina compradores com fornecedores que fazem transações diretamente entre si usando recursos do sistema.

Em representação gráfica:

Externo 12-03

Quais os impactos? Em primeiro lugar, a eliminação dos “gatekeepers”. Os guardiões do portão são aquelas entidades que dizem o que entra e quem não entra. Um belo exemplo é o de uma editora. João escreve um livro e bate à porta de uma editora em busca de publicação. O conselho editorial se reúne e decide que o livro não deve ser publicado. O que o João faz? Pega o seu livro e vai atrás de outra editora, até que o seu texto seja aceito ou até que desista do projeto.

Pois bem, uma empresa, entendendo pessoas como o João, cria uma plataforma aberta, na qual ele e toda e qualquer pessoa que tenha um texto a ser publicado possa colocar seu livro à venda. João contrata um revisor e um diagramador, funções que as editoras tradicionais faziam se aceitassem a obra, e joga na plataforma o PDF da capa, do miolo do livro e, se quiser, uma versão para venda digital. A plataforma coloca o livro à venda, seja de forma física, com uma gráfica parceira de impressão sob demanda, seja digital.

Do valor da venda, a plataforma fica com um percentual e o autor, com outro, até maior do que as editoras tradicionais pagariam. A plataforma cria um sistema de reputação digital (estrelas, notas de 1 a 5 ou qualquer outro) e os livros mais bem avaliados pela comunidade ganham destaque no marketplace e podem ser objeto de promoção em redes sociais e bases de e-mail da plataforma.

Em segundo lugar estão novas fontes de criação de valor. Quando o Uber nasceu, o objetivo inicial era conectar pessoas que tinham carro e estavam em mobilidade com pessoas que precisavam se locomover dentro de uma cidade.

Mas, quando se cria uma plataforma, novas formas de geração de valor surgem a partir da própria dinâmica de interação entre a comunidade (produtores e consumidores). Não demorou muito para surgir o serviço Uber Eats, por exemplo.

O que mais pode sair daí? Asas à imaginação. Serviço de transporte interestadual? Serviço de logística? Assinatura de Uber? Ou quem sabe um dia se tornar a maior empresa de publicidade hiperlocal? Isso se chama “novas formas de criação de valor”.

O terceiro impacto é o mais óbvio. Quem cria uma camada tecnológica em torno de uma unidade de valor e conecta produtores e consumidores tem uma plataforma e não gerencia recursos, mas uma comunidade. Essa nova forma de se fazer negócios está, há menos de uma década, transformando o mapa de poder no planeta. No século 20, surgiram monopólios gigantescos baseados em economias de escala do lado do fornecimento. No século 21, estão surgindo monopólios baseados em economia de escala do lado da procura.

Um paper recente da Deloitte apresenta esta quarta e nova forma de se fazer negócios:

  1. Construtora de ativos: Ford, Walmart.
  2. Prestadoras de serviço: PwC, Porto Seguro.
  3. Criadoras de tecnologias: Microsoft, Samsung.
  4. Orquestradoras de redes: Uber, Airbnb, Facebook, Google, Amazon.

O termo “orquestradoras de redes” é perfeito e choca alguns quando lemos as seguintes frases: “A maior rede de varejo do mundo não tem uma loja”; “A maior empresa de mídia do mundo não produz um conteúdo”; “A maior empresa de táxi do mundo não tem um carro”; “A maior rede hoteleira do mundo não tem um hotel”.

Poderia ficar aqui páginas discorrendo sobre os negócios de plataforma, mas prefiro fazer uma menção aqui ao professor Geoffrey G. Parker, do MIT. Entre fevereiro e junho de 2020, fiz o seu curso sobre negócios de plataforma. Ele foi, sem nenhuma dúvida, quem melhor modelou e explicou esse novo jeito de se fazer negócios.

Em seu livro Plataforma – A revolução da estratégia (Editora Alta Books, 2018) ele apresenta o que é uma plataforma, como se criam efeitos de rede, como se desenha, lança, monetiza e se administra um negócio de plataforma. Deixo aqui a recomendação.

Hoje, junto com o meu sócio da Inova Marcelo Veras, em nossas aulas de gestão estratégica, reservamos um tempo para um debate sobre como uma organização estabelecida e que seja um negócio tradicional de pipeline pode se transformar em um negócio de plataforma, incorporar algum elemento de plataforma ou até mesmo fazer uma aquisição de uma plataforma. Talvez a principal mensagem aqui, e que deve ser um eixo de reflexão estratégica na hora de se discutir as apostas do negócio, seja:

“A estratégia mudou. Evoluiu do controle de recursos internos exclusivos para a orquestração de recursos externos. Em vez de criar barreiras competitivas, conquistar comunidades vibrantes.”

Nesse momento, espero que concorde que a tese da escola clássica de gestão, que atribuía o sucesso às organizações que se pautavam em hierarquia, processo, cadeia de valor, produto e força, talvez esteja sendo substituída por outras premissas. E outras formas de atuação e modelos de gestão devem ser consideradas.

Uma delas emergirá nos próximos anos como modelo de atuação. É o designado negócio de ecossistema, que se resume em quatro ingredientes:

  • Um conjunto de unidades de negócio ao redor de um DNA claro e inequívoco.
  • Negócios que colaboram entre si e que geram negócios uns para os outros.
  • Negócios que são liderados por experts em cada área, mas que comungam dos mesmos valores e DNA.
  • Alta capacidade de inovação.

Um ecossistema é então um movimento de efeito de rede aberta, considerando todas as interações que suportam o negócio, com diversos players que se complementam entre si e permitem a descentralização da operação numa lógica ganha-ganha e focado numa evolução da cadeia de valor tradicional (na lógica de pipeline) para algo mais interativo, flexível e descentralizado.

Desafiador, mas altamente diferenciador também. E nesse sentido há que destacar os fatores críticos de sucesso ao se pensar em criar ou participar de um ecossistema:

  1. O DNA é o coração do conceito. Para se criar uma comunidade vibrante, o DNA é o elemento que cria a conexão mais forte. Sem um DNA claro e inequívoco, você é apenas mais um no mercado.
  2. O ecossistema forte deve ter os quatro ingredientes. A falta de um deles pode comprometer sua sustentabilidade.

Dito isso, existem (como em tudo) vantagens competitivas e desafios.

Vantagens competitivas:

  • Colaboração.
  • Ofertas mais “completas”.
  • Lifelong learning.
  • Credibilidade.

Desafios:

  • Conciliação de visões.
  • Delimitação de fronteiras.
  • Ofertas ganha-ganha.
  • Sobreposição de ofertas.

Um exemplo, clássico é o da Amazon, que ao longo dos tempos tem conseguido estruturar o seu negócio como um ecossistema bem completo, conforme se pode ver abaixo:

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Sempre nos questionaremos sobre os caminhos a serem percorridos pelo negócio em que atuamos. Temos duas opções:

  1. Seguir a jornada como está e com as convicções atuais, com todos os ônus e bônus que isso traz, mais ainda num contexto altamente volátil como o atua, ou;
  2. Desenhar o planejamento estratégico prospectivo, fazer novas apostas e eventuais renúncias, considerando:
  • Novos vetores de crescimento.
  • Novos modelos de negócio.
  • Transformação em plataforma.
  • Transformação em ecossistema.

O professor Ram Charan colocava essas duas opções da seguinte forma: mantenha como está e saiba que, em algum momento, mais próximo que distante, a curva vai inverter. Mude como é necessário e saiba que será uma escalada de erros e acertos, mas com certeza mais longeva que ficar no mesmo lugar.

Vale a reflexão final trazida por John Chambers: “As empresas morrem porque fazem bem as mesmas coisas durante tempo demais”.

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Colunista Luís Rasquilha

Luís Rasquilha

CEO da Inova TrendsInnovation Ecosystem e professor da Fundação Dom Cabral (FDC), Hospital Albert Einstein e Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

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