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Inovação

10 min de leitura

O embate Itaú vs. XP e a disrupção

A melhor análise que você poderia ter da maior briga do setor financeiro dos últimos tempos sob a perspectiva da teoria de Clayton Christensen

Colunista Maximiliano Carlomagno

Maximiliano Carlomagno

15 de Agosto

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Artigo O embate Itaú vs. XP e a disrupção

Disrupção e disruptivo são as palavras mais frequentes do ambiente de negócios em tempos de pandemia. Não há apresentação corporativa que não faça referência a elas. Tenho dúvida, contudo, se aqueles que vociferam os riscos e benefícios sabem o que a teoria da disrupção elaborada pelo professor de Harvard Clayton Christensen explica. Seria como se médicos aplicassem remédios sem saber a posologia. Nem toda nova tecnologia é disruptiva. Nem toda grande empresa que cai foi “disruptada”.

O medo da disrupção é o tormento de conselhos e top management de empresas estabelecidas. Parece existir uma profecia auto-realizável sem plano B. Vai acontecer e não há o que fazer. Ledo engano. Compreender o processo de disrupção e as alternativas de resposta a ameaça disruptiva podem ajudar empresas brasileiras que enfrentarão o fenômeno com maior frequência e intensidade nos próximos anos. 

Então, que tal explorarmos um caso nacional para dominar o contexto de aplicação e utilidade da teoria e reduzir as chances de ser disruptado? 

De um lado, o incumbente Banco Itaú, fundado em 1943, dono de franquias como BBA, Personnalité, Private, Uniclass, Empresas e negócios como ItauCard, Rede e Credicard.  A jornada do Itaú para se transformar no maior banco brasileiro foi marcada por fusão, aquisições e uma série de inovações incrementais. Atualmente o Itaú é o maior conglomerado financeiro privado do hemisfério Sul, tendo lucrado mais de R$ 26 bilhões em 2019. 

Do outro lado, o escritório de agentes autônomos de investimentos, candidato a disruptor, que daria origem a XP Investimentos. Nascido em Porto Alegre, quase sessenta anos depois da fundação do Itaú, comprou corretora, cresceu, ampliou o portifolio de produtos de investimento, criou operações de banco de investimentos e abriu capital. Virou um negócio com mais de 2 milhões de clientes, R$ 400 bilhões de recursos sob gestão e R$ 120 bilhões de valor de mercado na Nasdaq.

O duelo em 3 atos

Atores caracterizados, vamos ao embate. A XP ilustra com perfeição a teoria que o professor Christensen aplicou a discos rígidos, siderúrgicas, telefonia celular e outros setores com prescrições assertivas. A teoria tem três atos principais que explicam o mecanismo causal de por que bem gerenciadas empresas estabelecidas perdem o jogo quando há mudanças tecnológicas disruptivas ou de modelos de negócios. 

Primeiro ato.

Um líder estabelecido entrega mais e mais valor para seus melhores clientes priorizando oportunidades de alta margem por meio de inovações incrementais. À medida que o tempo passa, uma parcela dos clientes fica “overserved” e outra sequer consegue estar apta para consumir, dada a complexidade e inacessibilidade das soluções. 

Que administração seria questionada por oferecer mais a seus principais clientes? A escolha do management do incumbente faz todo sentido pois otimiza os resultados do negócio trazendo maior retorno sobre o investimento no curto prazo.

Segundo ato.

O processo de disrupção tem um catalisador quando um desafiante oferta uma solução mais simples, conveniente e acessível para não clientes do líder ou para os clientes mais sensíveis a preço que não querem um arsenal de funcionalidades sem valor (inovação disruptiva). 

Para tanto, o disruptor oferece uma inovação que é pior nos atributos originalmente valorizados pelos clientes mais demandantes do mercado, porém melhor em conveniência, simplicidade e acessibilidade.

Analisemos o caso de Itaú e XP sob esse prisma. O Itaú lidera o mercado brasileiro desde 2006. Ninguém é líder por acaso. O primeiro caixa eletrônico do país instalado em Campinas em 1983 foi do Itaú. Internet banking? Um dos primeiros. Mobile banking? Dispõe de mais de uma solução. No entanto, o banco passou a enfrentar uma ameaça distinta com a consolidação da XP. A corretora surgiu como o “popularizador” do ato de investir em bolsa no Brasil, até então restrito a um pequeno número de pessoas físicas endinheiradas. Com uma linguagem acessível, um modelo de educação em escala e a formação de uma rede de distribuição alternativa, a empresa evoluiu a sombra dos grandes bancos brasileiros focando em quem não fazia parte do mercado de investimento em ações. 

Será que os grandes bancos não visualizaram o crescimento da XP? Claro que sim. O problema não é de miopia – ou astigmatismo. 

É aí que entra o terceiro ato da teoria da disrupção. 

Terceiro ato.

O desafiante cresce por uma assimetria de motivação da empresa líder em responder ao disruptor. Como o ataque não ameaça os melhores clientes (foca, isto sim, em um negócio de menor margem), o líder tende a evitar uma retaliação direta. Economicamente, não parece fazer sentido um contra-ataque. Por que colocar recursos em oportunidades de pior resultado se há melhores alternativas? Nesse meio tempo o desafiante faz duas coisas: melhora sua oferta nos atributos que eram piores do que os do incumbente e caminha rumo aos melhores negócios. Exatamente o que fez a XP.

A estratégia de resposta

Voltemos ao caso concreto. O Itaú e os demais bancos não retaliaram de forma definitiva a XP. A evolução da plataforma de investimentos e rede de distribuição, somada ao aumento da disponibilidade de capital de risco e o amadurecimento dos investidores brasileiros fizeram a XP se fortalecer. A corretora adicionou uma ampla gama de produtos rumando aos melhores clientes dos bancos. Fez isso a partir de uma cultura que mistura uma agressividade do Fundo 3G com a disposição a inovar de uma startup. 

Transformou-se, assim, no mais temido “disruptor” do mercado brasileiro. Agora, valendo R$ 120 bilhões, metade do valuation do Itaú e o dobro do BTG, o jogo ficou diferente. Como um incumbente deve responder a esse tipo de ameaça?

A teoria da disrupção trata de um fenômeno muito especifico: como as grandes empresas lideres, por serem bem gerenciadas, perdem relevância chegando ao declínio. Também prescreve o que deve ser feito para responder a essa ameaça. A teoria tem duas prescrições para quando ocorre a disrupção: 

1) criar uma estrutura em separado para contra-atacar o disruptor ou 

2) investir no próprio desafiante ou seus concorrentes antes que seja tarde. 

Ciente ou não da prescrição da teoria, o top management do Itaú respondeu disciplinadamente investindo no desafiante a um preço alto e aceitando determinadas condições. Em 12 de maio de 2017, o Itaú adquiriu 49,9% da XP por R$ 6 bilhões com compromisso de adquirir mais 12,5% em 2020 e outros 12,5% em 2022. O investimento se pagou várias vezes com a valorização exponencial da participação na XP. 

O ponto intrigante é que a associação ao Itaú deu a XP um dos poucos atributos que não conseguia entregar com a mesma intensidade do que o banco: reputação. O lançamento do Banco XP, cartão de crédito e os R$ 100 milhões diariamente transferidos de contas do Personnalité para a XP, segundo dados do desafiante, são indicativos de que houve migração de reputação do incumbente para o disruptor.  

Como cliente de ambas empresas, visualizo esse processo com uma lente de aproximação. Acompanhei os predicados de um e as limitações de outro. As discussões recentes sobre conflitos de interesse no modelo de negócio da XP e Itaú irão evoluir, mas não são o foco dessa análise. 

O ponto critico é que, do lado do Itaú, existia e ainda há outras opções de resposta a disrupção. Do lado da XP, o cenário é outro. Nesse momento, a empresa é alvo da retaliação de players como o BTG e do ataque de uma série de novos desafiantes que tentam disruptar o disruptor. 

6 modelos de resposta a disrupção

Os ensinamentos da teoria e do caso Itaú-XP podem ser úteis para outros incumbentes que precisam responder a disrupção e, também, para disruptores que pretendem manter o crescimento. Primeiro analisemos alternativas de respostas disponíveis aos incumbentes.

1. Focar na sua estratégia:

A primeira alternativa é deliberadamente esquecer o disruptor e focar em inovações incrementais na estratégia original apostando que não ocorrerá uma substituição do modelo e que trazer eficiência ao negócio existente será suficiente. Durante alguns anos, o Itaú seguiu essa estratégia ao continuar investindo pesado em suas franquias existentes.

2. Copiar o disruptor:

Essa é a estratégia defensiva mais óbvia. Recentemente, o Itaú passou a oferecer uma abordagem de investimentos 360 aos clientes do Personalitte que tenta transformar a franquia numa plataforma “um pouco aberta”. Copiar o desafiante exige que o incumbente avalie como operar o negócio original e o novo e qual o grau de integração entre ambos. O Itaú encontrou algum nível de autonomia ao Personnalité.

3. Contra-atacar o disruptor:

Sim, a terceira alternativa é ir para o contra-ataque.  A indústria de relógios suíça foi líder global durante anos, baseada na precisão e produção artesanal. A introdução dos relógios digitais japoneses, com novos atributos como preços competitivos e novas funcionalidades fez com que o market share global dos suíços caísse de 48% em 1968 para 15% em 1980. A resposta suíça veio com a Swatch, que introduziu uma terceira inovação focada em estilo, design, variedade e preço competitivo.

No caso do Itaú, a tentativa recente de contra-ataque com o Personnalité ainda carece de efetiva diferenciação frente ao disruptor.

4. Adquirir o disruptor:

A alternativa mais intensa é comprar o disruptor. A Blockbuster poderia ter feito isso com a Netflix da mesma forma que o Yahoo poderia ter feito com o Google. O Facebook fez isso com Instagram e WhatsApp. No caso do Itaú não foi feita uma aquisição, mas um investimento que daria ao banco controle, posteriormente vedado pelo Banco Central até 2026.

Essas quatro primeiras alternativas servem para o Itaú e outras empresas sofrendo a disrupção. São úteis também para a XP que enfrenta novas e potenciais ameaças de fintechs. No entanto, a melhor forma de evitar a disrupção é atacar antes do que necessário. Disruptar seu próprio modelo, quando oportuno, ou testar as futuras oportunidades de mercado quando ainda são incertas. É disso que tratam as duas alternativas a seguir.

5. Fazer a auto-disrupção:

O caso mais emblemático da auto-disrupção é o da Netflix que operava um negócio de DVD por correio e migrou para o streaming on demand enquanto seu modelo ainda era lucrativo. Esse tipo de movimento faz sentido quando o novo modelo de negócio é tão ou mais lucrativo do que o original. 

Para o caso da XP, o modelo de negócio atual ainda apresenta potencial de crescimento e captura de valor, porém a ameaça de disruptores cresce. 

Será que a auto-disrupção é mesmo o melhor caminho? Os movimentos de aquisição de corretoras com operações de baixo custo são, em determinada medida uma tentativa de fechar o que Christensen chamava de “low end disruption”. A Intel fez isso com o processador Celeron quando seu produto principal, a linha Pentium, enfrentava novos processadores de baixo custo.

6. Criar opções:

Quando a disrupção não é iminente e não fica claro se o cenário futuro é positivo ou negativo a melhor alternativa é investir na criação de opções. No mercado financeiro uma opção consiste no direito de comprar ou vender um determinado ativo por um valor determinado. 

No mundo da inovação esse movimento pode ser feito investindo em startups como a XP fez com a Antecipa, Fliper ou DM10 ou desenvolvendo internamente novos negócios atuando como venture builder como a Cyrela fez com a CashMe, startup de crédito.

Exemplo preciso

O caso do Itaú e XP ilustra com precisão a teoria de Christensen e seu poder prescritivo. Conselheiros e administradores de grandes incumbentes devem ampliar o entendimento do fenômeno e seu repertório de alternativas de resposta a disrupção. 

Prescrever apenas um único remédio pode ser perigoso. Para ser um bom médico é necessário conhecer diferentes remédios e sua posologia. E, como diz o ditado, “é melhor prevenir do que remediar”.

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Colunista

Colunista Maximiliano Carlomagno

Maximiliano Carlomagno

É sócio-fundador da Innoscience, consultoria de inovação corporativa que trabalha com empresas como Roche, Coca-Cola, Duratex, Hypera Pharma. SLC Agrícola, Sicredi, M. Dias Branco, Braskem, Nestle, Ipiranga e Avon. É autor do livro “Gestão da Inovação na Prática”.

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