Christensen e Drucker já explicaram: o fim de uma empresa acontece quando as premissas pelas quais ela foi construída deixam de existir. Será que isso está acontecendo com a sua empresa agora?
Meu assunto preferido de negócios e estratégias é ruptura. Desde que li O Paradoxo do Inovador, de Clayton Christensen – uma modelagem para explicar como empresas sólidas, com enorme market share, são deslocadas do mercado por outras, muitas vezes menores e com bem menos recursos –, passei a ficar atento a movimentos do mercado que indicassem uma ruptura a caminho.
Christensen criou seu modelo a partir da observação da indústria de HD (hard drivers para computadores). Foi dos seus estudos para o doutorado que saiu a frase “Os líderes e gerentes de negócios tornaram-se muito focados em ganhos de curto prazo. (….) fazer a ‘coisa certa’ vai te matar.”
O alerta de Christensen é melhor entendido, talvez, na leitura do fantástico artigo de Peter Drucker “A teoria do negócio”. No artigo, Drucker adverte os líderes empresariais: a causa de crises nos negócios quase nunca está relacionada à má execução, nem mesmo à falta de foco (ou a execução desnecessárias). As crises acontecem quando as premissas pelas quais a empresa foi construída deixam de existir, pois aí a execução, por mais eficiente que seja, não produz resultados para a sociedade.
Faz sentido? Vejamos um exemplo apenas para nos situarmos. Lembram-se dos GPS? Teve um Tomtom ou um Garmin? Pois bem, no Brasil, eles deram fim aos Guias 4 Rodas. Claro, adicionaram comodidade, segurança e praticidade ao dirigir em ou para locais desconhecidos. Mas, apesar de serem produtos adoráveis, os fabricantes dos GPS perderam, em quase tempo nenhum, 85% do valor de mercado quando o Google adicionou a navegação ao Google Maps! Sim, não dá para competir com custo zero (app no smartphone) e atualizações constantes e gratuitas!
As empresas que fabricavam GPS eram mal administradas? Não! A produção era ineficiente? Também não! Simplesmente enquanto a Tomtom e a Garmin disputavam market share entre eles, as bases da competição mudaram, a premissa “para navegar é preciso dispositivo específico!” desapareceu, deixou de ser verdadeira. E o que faziam Tomtom e a Garmin, deixou de fazer sentido.
No “”normal””, novas tecnologias, canais, legislação ou (no longo prazo) demografia eram os principais impulsionadores das mudanças da teoria de negócios. Foi assim, até bem pouco tempo atrás, que o amadurecimento e o largo acesso às plataformas digitais (as tecnologias) estavam ditando a vida e a morte de vários negócios.
Com a pandemia, outra premissa de muitos negócios veio à tona. O isolamento social revelou uma premissa presente em muitos negócios, que mudou repentinamente: o ponto de entrega do serviço ou produto, ou seja, os canais físicos desapareceram. Educação, transporte, varejo, saúde etc praticamente todos os setores que dependiam do consumidor na “”loja”” foram afetados. E a tão incômoda transformação digital, de vilã, passou a ser o viabilizador dos negócios.
Sobreviveu e prosperou quem já tinha uma entrega totalmente digital, ou quem se adaptou rapidamente a um modelo híbrido, com uma entrega que começa digital e finaliza no físico. O e-commerce é um bom exemplo. Uma pesquisa de agosto da ABComm indicou crescimento das transações eletrônicas em 67,5%, comparado com o mesmo período de 2019. Segundo a Ebit/Nielsen, no primeiro semestre de 2020, 7,3 milhões fizeram a primeira compra online.
A telemedicina é outro exemplo massa. O número de usuários saltou de 150.000 para 3,5 milhões e apenas uma startup, a Conexa, passou de 50 atendimentos diários para 15.000. O mesmo se diz da educação, nunca surgiram tantas ofertas de cursos no modelo “”remoto ao vivo”” (aulas em plataformas de videoconferência). O acesso aos bancos através dos apps mobile cresceu cerca de 30%. Até mesmo os supermercados, farmácias e restaurantes conseguiram continuar operando através de serviços de entrega (como o Rappi) iniciados através das plataformas digitais.
É como se tudo que fazíamos tivesse sido encoberto por uma capa digital, com núcleo de suporte físico. Já estava acontecendo, é claro, mas a pandemia acelerou até a virada, à como Christensen e Drucker reconheceriam!
Nesta nova arquitetura híbrida, alguns negócios possuem suas capas verticalizadas numa só empresa (como MagaLu, que opera de forma integrada um marketplace digital com lojas físicas) ou usam capas de terceiros e o conjunto opera em rede (como Conexa, com o serviço de telemedicina para operadoras de plano de saúde, ou mesmo o Rappi supermercados mais as empresas de entrega).
E tudo indica que assistiremos ainda a várias rupturas.
Diante disso, qual o caminho a seguir para sobreviver? Será que o caminho é necessariamente se desfazer dos ativos físicos e se tornar 100% digital?
Vamos pensar juntos. O que observamos é que qualquer negócio que já existia antes de 1995, ano de surgimento da internet comercial, era, até então, predominantemente analógico. Em algum momento, para sobreviver a uma pandemia como agora, ou por uma reflexão estratégica sobre o que lhes aguardava no futuro, alguns iniciaram interações, ou prorrogaram mudanças, realizaram experimentos do analógico para o digital e decidiram tomar uma destas três direções:
1- continuar como estão, mas sabemos que não terá vida longa;2- acreditar que tudo pode ser digital, será? Possivelmente sustentável apenas para serviços completamente virtuais ou3- se transformar numa plataforma de negócios digitais em rede com suporte físico e humano (note bem o em rede e volte nos exemplos anteriores).
Recentemente assistimos a polêmica causada pelo plano do Banco do Brasil para fechamento de 361 agências… É certo e líquido que o isolamento social por tanto tempo causará mudanças estruturais de comportamento pós-pandemia. Quem não quis arriscar a saúde migrou para a agência virtual: o app! Quem migrou vai retornar depois ao real? Acho que não.
Mas será que o físico perdeu a relevância completamente? No retorno, ainda teremos os custos com a adaptação das plantas físicas às novas exigências sanitárias, e todas as empresas estarão fazendo as contas da relação preço-desempenho do trabalho remoto, é certo… Agora, será que isso significa mesmo o fim do físico?
Volte aos exemplos anteriores.. Até agora, pelo que tenho visto, o sucesso está com quem era puramente virtual e adquiriu partes físicas, ou quem era puramente analógico, e ressignificou o físico através do virtual. Ou seja, o sucesso, no caso da atual ruptura, é em rede e híbrido!
Sugestão de ano novo: pnha estas palavras – “em rede” e “híbrido” – nas suas reflexões estratégicas de 2021, até porque pensar é grátis!”