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O que as vacinas podem nos ensinar sobre inovação aberta?

Vacinas foram desenvolvidas em menos de um ano de pandemia e o número de pessoas vacinadas já está próximo de ultrapassar o número de casos confirmados de Covid-19 no mundo

Sagres Brasil
12 de julho de 2024
O que as vacinas podem nos ensinar sobre inovação aberta?
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Há quase 300 propostas de vacinas contra a Covid-19, dezenas em testes clínicos e uma dezena aprovada para uso em humanos. Estes números consistem em um feito e uma vitória para a humanidade, em especial pelo tempo recorde de desenvolvimento.

A liderança empresarial, o investimento governamental, a infraestrutura constituída para P&D, fabricação e distribuição, e a colaboração entre diversos atores foram fundamentais para começar a vencer essa batalha.

Muito tem sido debatido sobre a perspectiva científica e tecnológica das vacinas. Além disso, embates são levantados sobre seus estágios clínicos, segurança e eficácia desses agentes imunizadores.

Nesta coluna, damos luz para outro ponto crucial do processo de inovação que concebeu as principais vacinas contra Covid-19: a colaboração de grandes corporações com startups e universidades por meio da inovação aberta.

Vamos analisar brevemente quatro vacinas que possuem publicações científicas que obtiveram aprovações regulatórias e que possuem publicações sobre os resultados alcançados. São elas as vacinas da Sinovac, Pfizer/BioNTech, Astrazeneca/Oxford e Moderna.

Sinovac: a parceria chinesa com o Instituto Butantan

A empresa chinesa de biotecnologia Sinovac começou a desenvolver a vacina Coronavac em janeiro de 2020. A empresa já era reconhecida pelo desenvolvimento e produção de vacinas contra Hepatite A e B, influenza, H5N1, H1N1, caxumba e raiva.

Como também já tinha desenvolvido uma vacina para o vírus SARS-CoV-1, isso permitiu uma adaptação ágil para endereçar o desenvolvimento para o SARS-CoV-2, utilizando uma versão quimicamente inativada do vírus, sendo a pioneira na publicação de resultados promissores com testes em animais.

Mas a Sinovac não fez tudo sozinha. O desenvolvimento e as publicações foram realizados em parceria com os Institutes of Laboratory Animal Sciences of China Academy of Medical Science e diversas outras instituições de pesquisa referência na China.

Para além do desenvolvimento, foram necessários amplos testes clínicos para comprovar a segurança e a eficácia da vacina. Para tanto, a Sinovac realizou parceria com o Instituto Butantan para a fase III no Brasil, que demonstrou ser bem sucedido.

Nesse caso, ao longo do desenvolvimento completo da vacina, a Sinovac utilizou do mecanismo de acordos de parceria com centros de pesquisa e universidades.

Astrazeneca: Oxford University, Governo Britânico e Fiocruz

Algo similar ocorreu com a vacina desenvolvida pela Astrazeneca, uma gigante farmacêutica, que celebrou parceria com a Oxford University para o desenvolvimento em conjunto, a realização de testes clínicos, bem como a produção em larga escala.

Essa vacina utiliza de uma tecnologia mais recente de vetor viral. Além da parceria universidade-empresa, houve também uma forte articulação e financiamento do governo britânico para viabilizá-la.

O investimento governamental atingiu a cifra de £20 milhões para a pesquisa de vacinas da Oxford University e apoio para os ensaios clínicos coordenados pela instituição. Esta vacina também contou com uma parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Brasil, para a realização da fase III dos testes clínicos que também foram bem-sucedidos.

Outro ponto a ser ressaltado consiste no mecanismo inovador utilizado pelo governo brasileiro para a compra dessa vacina, a encomenda tecnológica. Esse instrumento está previsto na Lei de Inovação e consiste em um meio de utilizar do poder de compra do Estado para promover a inovação.

Nesse caso, a Astrazeneca e a Oxford University, além do acordo de parceria para o desenvolvimento da vacina entre indústria, universidades e centros de pesquisa, também contaram com o direto apoio do Estado para viabilizá-la.

Pfizer e BioNTec: a gigante farmacêutica e a startup

Enquanto a Sinovac e a Astrazeneca realizaram parcerias com universidades, a vacina desenvolvida pela Pfizer e BioNTec lançou mão de uma parceria entre uma grande corporação, a própria Pfizer, e uma startup, a BioNTec.

É importante destacar que uma relação entre Pfizer e BioNTech existia desde 2018 para o desenvolvimento de vacina contra a gripe baseada na tecnologia do RNA mensageiro. Com a pandemia, as duas organizações direcionaram seus esforços e investimentos para combater a Covid-19 e por isso a parceria para utilizar de forma pioneira a tecnologia de microRNA (mRNA) para a nova vacina aconteceu de forma muito mais ágil.

“Levou apenas 248 dias desde o anúncio de nossos planos de colaborar com a BioNTech até a apresentação dos dados ao FDA”, declarou Albert Boula, diretor-executivo da Pfizer .

Moderna: o investimento em tecnologia e ciência

Por fim, um processo de inovação ainda mais complexo foi o desenvolvimento da vacina da Moderna. Essa empresa farmacêutica foi criada em 2010 pela Flagship Pioneering com o professor Robert Langer, renomado inventor e professor do MIT, com o objetivo de desenhar computacionalmente a droga e produzi-la por meio da tecnologia de mRNA.

Para desenvolver a tecnologia, a Moderna também contou com a parceria de cientistas do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (Niaid), dos Estados Unidos. Hoje esta vacina está sendo aplicada em milhões de pessoas, conforme foi projetada no computador.

Liderança, velocidade e investimento

Listamos três aprendizados de inovação extraídos do processo de desenvolvimento dessas quatro vacinas:

Liderança empresarial: embora no momento haja bastante charme no mundo das startups, grandes desafios requerem grandes empresas que têm musculatura e que já desenvolveram tecnologias semelhantes no seu portfólio.

Tempo recorde: apesar de serem grandes e relevantes empresas que já trabalhavam com tecnologias de vanguarda, nenhuma delas realizou este feito sozinha. Todas realizaram algum tipo de colaboração com startups, universidades ou centros de pesquisa. Este foi um fator essencial para a velocidade do aprendizado e dos resultados.

Investimento governamental: em todos os casos, há a presença relevante do Estado, seja de forma mais tímida na formação de pesquisadores e infraestrutura qualificada, ou seja de forma mais intensa por meio de instrumentos como encomenda tecnológica, subsídios financeiros ou investimentos diretos.

O poder e a velocidade da inovação aberta

São as vacinas que vão nos salvar desta pandemia. E isto acontecerá independentemente se a tecnologia utilizada é por mRNA, vírus atenuado ou vírus inócuo; ou se o desenvolvimento é realizado em parceria com universidades, startups, outras indústrias ou governos.

As vacinas foram desenvolvidas a partir de um profundo conhecimento científico acumulado e com o objetivo direcionado de atingir todas as pessoas do planeta. O investimento governamental de longo prazo em pesquisa, a liderança empresarial para inovar e o conhecimento científico direcionado para a solução de problemas foram elementos essenciais para o desenvolvimento de todas elas.

Dessa maneira, a inovação aberta – por meio da colaboração entre esses atores, sobretudo – permitiu o tempo recorde da idealização até chegar às pessoas.”

Sagres Brasil
“Sagres Brasil” é o pseudônimo coletivo adotado por Guilherme Ary Plonski, Daniel Pimentel, Lucas Delgado e Guilherme Rosso. Plonski é coordenador científico do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica e diretor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo. Pimentel e Delgado trabalham na Emerge Brasil, organização focada em integrar inovações de base científica e mercado. Rosso é responsável pelo Escritório de Inovação do Complexo Pequeno Príncipe, que abrange hospital, faculdades e instituto de pesquisa em Curitiba. Sagres é uma homenagem ao inovador projeto acadêmico português que, ao estender a fronteira do conhecimento da época, criou o movimento de navegação internacional de Portugal, um marco mundial do empreendedorismo inovador.

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