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Para ter sucesso com a ciência de dados, primeiro construa “a ponte”

É necessário criar uma estrutura organizacional nova para alinhar melhor as equipes de dados com as operações de negócios e acabar com tensões enraizadas em grande parte das empresas

Roger W. Hoerl, Diego Kuonen e Thomas C. Redman
29 de julho de 2024
Para ter sucesso com a ciência de dados, primeiro construa “a ponte”
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Muito tem sido escrito sobre a alta taxa de falhas nos projetos de ciência de dados. As equipes de ciência de dados costumam ter dificuldade em transferir seus insights e algoritmos para os processos de negócios. Ao mesmo tempo, os times de negócios geralmente não conseguem comunicar os problemas que precisam ser resolvidos, e ignoram sua resistência cultural à ciência de dados.

Portanto, devemos admitir e lidar com a tensão estrutural existente entre as equipes de negócios e de ciência de dados. Problemas estruturais exigem soluções estruturais, e entendemos que o primeiro passo para sermos bem-sucedidos nesses projetos é por meio da criação de uma “ponte” de ciência de dados: uma estrutura organizacional e compromisso de liderança para o desenvolvimento de comunicação, processos e confiança entre todos os stakeholders.

Para entender os desafios presentes nessa situação, vamos utilizar duas metáforas: uma fábrica (no lugar de qualquer operação de negócios) e um laboratório de ciência de dados (como o de pesquisa e desenvolvimento [P&D] de grandes empresas).

No caso da fábrica – que pode ser uma “fábrica” literalmente ou uma operação de negócios que gera decisões sobre pedidos de hipotecas, ou que lê ressonâncias magnéticas, ou perfura poços de petróleo –, suas metas costumam envolver atingir a produção projetada para o período e manter o custo baixo por unidade produzida. A palavra-chave para essas operações, logo, é estabilidade, isto é, são negócios que não encaram grandes disrupções e lidam com poucas surpresas.

Os gestores dessas empresas trabalham muito para gerar e manter estabilidade, então é natural que resistam a qualquer mudança que ameace a normalidade. A única exceção importante a ser feita aqui é que bons gestores de fábrica apoiam a melhoria incremental uma vez que essa melhoria eleve a estabilidade a um novo patamar, contanto que ela seja conduzida dentro da fábrica. Chamamos esses esforços de projetos de small data.

Já o laboratório de ciência de dados é projetado especificamente para criar uma disrupção nas fábricas. Seu trabalho flutua entre encontrar melhorias ainda maiores do que as realizadas a partir de small data, mudar a maneira como as decisões são tomadas e criar novos produtos que tornam os antigos obsoletos, focando em problemas grandes, complexos, que não possuem estrutura e são ricos em dados. O laboratório representa a própria antítese da estabilidade – exatamente o tipo de coisa que os gestores de fábrica odeiam!

É de se esperar um certo atrito entre quaisquer departamentos. Gestores de fábrica não apreciam a interferência da área de finanças quando as práticas contábeis mudam, ou do RH quando são exigidos incrementos em seu sistema de revisão de funcionários. Mas esses são meros incômodos; eles não mudam a maneira como a fábrica faz seu trabalho principal.

Compare esses incômodos com o ataque cara-a-cara e a disrupção causadas pelo time do laboratório de ciência de dados. Em algumas empresas, essa tensão se tornou tão tóxica que gerou duas regras informais nas fábricas: “Nunca peça ajuda do laboratório”, e “se o laboratório oferecer ajuda, recuse”.

Tensão enraizada na fundação das empresas tradicionais

Para muitas empresas, há valor na separação entre o time de operações e a equipe de dados, afinal, dar ênfase para a estabilidade em operações mantém os custos baixos. Por outro lado, a ênfase no trabalho disruptivo e de longo prazo da ciência de dados é essencial para fomentar inovação e sucesso no futuro.

Contudo, esses objetivos divergentes podem criar tensões com repercussões graves. A falta de comunicação torna mais difícil identificar as áreas da fábrica com maior necessidade de inovação e prejudica a capacidade da fábrica de aproveitar ao máximo as invenções do laboratório. Com o tempo, a fábrica fica ainda mais para trás à medida que as possíveis inovações se acumulam, concorrentes mais ágeis invadem os negócios, e os melhores cientistas de dados vão em busca de oportunidades onde seu trabalho seja apreciado. Essa tensão é inevitável, e sua fonte está na escolha do projeto organizacional para gerenciá-los separadamente.

Quem merece o crédito por esse modelo é Thomas Edison, que é geralmente reconhecido por ter lançado o primeiro laboratório de pesquisa industrial do mundo em Menlo Park, Nova Jersey, no final do século 19. Seu foco era inventar a próxima geração de produtos e serviços.

Edison parece ter reconhecido que incorporar recursos de laboratório em uma fábrica, onde haveria distrações das responsabilidades de produção, não funcionaria. Como vimos em organizações que tentaram esse modelo no passado, os recursos do laboratório in-house acabam sendo direcionados às questões de estabilidade do dia a dia, impedindo invenções verdadeiras. E ao separar as áreas, o laboratório fica isolado, fazendo com que o time fique fora da realidade do negócio.

Ao liderar o laboratório e controlar a fábrica ao mesmo tempo, Edison foi capaz de mitigar essa tensão. Porém, para a maioria das organizações desde então, essa tensão contínua nunca foi resolvida de forma adequada.

Compartilhamos essa história para destacar um ponto importante: a tensão entre operações e laboratório não veio do surgimento da ciência de dados. Na verdade, os laboratórios de ciência de dados foram envolvidos em uma disputa não resolvida de longa duração. Baseado em nossas conversas com especialistas, incluindo Tom Davenport (Babson College), Blan Godfrey (North Carolina State University), Ron Kenett (University of Jerusalem) e Ron Snee (Snee Associates), esse atrito é implicitamente aceito e reconhecido em todos os tipos de setores, organizações e locais no mundo inteiro.

Então, o que há de novo agora? A explosão da ciência de dados mudou as coisas na fábrica. Há uma necessidade de decisões melhores, processos baseados em dados, melhorias de produtos e serviços, ganhos em eficiência e custos reduzidos. No laboratório, o possível – e grande – volume de dados úteis e de pessoas qualificadas para analisá-los cresceu consideravelmente. Resolver a tensão é urgente e seu potencial benéfico é maior do que nunca.

Uma solução: a ponte da ciência de dados

Como citado previamente, problemas estruturais exigem soluções estruturais. E a partir da nossa metáfora sobre a fábrica e o laboratório, nossa proposta é que as empresas criem uma ponte de ciência de dados – imagine que fábrica e laboratório fiquem em lados opostos de um rio e uma ponte seria construída entre eles. Ao conectá-los, resolveria algumas das limitações principais e permitiria a introdução de mais inovações baseadas em dados na fábrica.

Uma ponte de ciência de dados teria quatro responsabilidades principais:

Desenvolver e manter canais de comunicação bidirecionais altamente potentes entre a fábrica e o laboratório. Isso inclui desenvolver uma linguagem comum (para que a fábrica e o laboratório não passem uma por cima da outra), identificar e esclarecer quais inovações são mais necessárias (para que o laboratório se concentre nas coisas certas) e garantir que o feedback seja fornecido e compreendido.

Desenvolver e operar um processo pelo qual as invenções de laboratório são customizadas para a fábrica. Isso pode incluir a incorporação de algoritmos recém-criados em tecnologias da fábrica e/ou sistemas de TI, além de treinamento para os funcionários da fábrica.

Selecionar e alocar os recursos necessários. As pessoas e o financiamento seriam atribuídos para oportunidades de inovação prioritárias.

Criar confiança entre a fábrica, o laboratório e a alta gestão. No fim das contas, apenas a confiança pode atenuar a tensão.

Entre os exemplos de precursores na construção dessa ponte estão Bell Labs e AT&T, em um processo de transferência de tecnologia feita uma geração atrás, processos D4 mais genéricos (dados, descoberta, entrega, dólares) e tradutores analíticos que estão entre as organizações técnicas e comerciais.

O líder da ponte

A seleção do indivíduo responsável por essa ponte, talvez até usando um título como capitão inovação, é a decisão mais crítica para sua construção. Não pode ser apenas um gestor experiente ou cientista de dados mais talentoso. Tom Davenport e Wayne Eckerson escreveram sobre a necessidade de encontrar “purple people” (pessoas roxas), ou seja, alguém que seja respeitado tanto pela fábrica (vermelho) quanto pelo laboratório (azul).

Para ser eficiente, esse profissional deve se reportar a um CEO e ter financiamento adequado para patrocinar projetos de melhorias que requerem inovações do laboratório para aprimorar a fábrica. Sem financiamento e acesso direto ao CEO, a ponte se transformará em uma organização passiva que oferece conselhos ou, pior ainda, em uma “autoridade rígida” que critica o trabalho do laboratório e da fábrica e é ressentida por todos. A liderança da ponte deve estar no mesmo nível que a liderança do laboratório e da fábrica.

Para construir uma ponte robusta e durável, existem várias perguntas que as organizações devem se fazer. Um ponto de partida é chegar a um acordo sobre qual é a definição operacional de ciência de dados, analytics ou qualquer que seja o nome do laboratório. As definições variam muito, portanto, definir os termos é importante para permitir um diálogo produtivo. Outras questões preliminares incluem o seguinte:

– Quais projetos atuais do laboratório poderiam se beneficiar com melhores conexões de negócios e servir como projetos-piloto para a ponte?

– Quais funcionários da fábrica precisam ser engajados na proposta primeiro? E quais do laboratório?

– Existem candidatos para liderar a ponte de dentro da fábrica ou do laboratório que são respeitados o suficiente pelo outro lado para serem eficazes?

– Como alinhamos a ponte com os interesses estratégicos da empresa?

Primeiros passos: passarelas levam a pontes maiores

Em muitos casos, o líder do laboratório de ciência de dados tem mais a ganhar e pode ser quem entra em contato com o líder da fábrica para iniciar o diálogo. Inicialmente, uma passarela entre o laboratório e a fábrica pode ser suficiente. Os líderes de laboratórios e fábricas de mente aberta podem tomar a iniciativa de discutir o conceito além das fronteiras organizacionais e apresentar propostas específicas para a alta liderança – eles devem respeitar o princípio de levar aos líderes uma solução, não um problema.

Líderes de média gerência e técnicos não precisam esperar por uma direção de seus superiores. Identifiquem áreas que coordenam em que a tensão entre o laboratório e a fábrica está inibindo o progresso e iniciem um diálogo para debater como promover uma cooperação melhor. Uma série de discussões sobre como lidar com a tensão também constitui o início da construção de uma passarela.

É claro que, no fim das contas, para conseguir uma solução sustentável, o direcionamento que vem de cima precisa cruzar com o que vem de baixo, e uma solução estrutural será necessária. Isso significa criar a ponte de forma organizacional: ou seja, nomear um executivo sênior para liderar o projeto e financiar a iniciativa de melhoria. Somente o CEO pode fazer isso.

Agora é a hora

A competição no espaço da ciência de dados, incluindo a competição por recursos qualificados, nunca foi tão acirrada como é hoje. Cientistas de dados frustrados podem e devem partir para oportunidades melhores, levando seus talentos onde possam ser mais bem utilizados. Embora vários esforços estejam sendo feitos para alinhar os laboratórios de ciência de dados com as operações de negócios, imaginamos que esses esforços continuarão a ser insuficientes porque não são baseados em um diagnóstico adequado sobre as reais causas do problema.

As organizações somente poderão colher os benefícios de seus investimentos em ciência de dados se tomarem medidas estruturais necessárias para lidar com os atritos enraizados. Nossa proposta é que a ponte de ciência de dados – ideia já sugerida, ainda que não tão bem elaborada por autores anteriores – seja o passo mais lógico a se dar nessa jornada.

Agora é definitivamente a hora de agir. Líderes sêniores têm a oportunidade única de resolver uma tensão muito prejudicial que antes não era reconhecida, colocando, assim, suas iniciativas de dados em uma direção nova e mais produtiva.

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Roger W. Hoerl, Diego Kuonen e Thomas C. Redman
Roger W. Hoerl (@rogerhoerl) ensina estatística no Union College em Schenectady, Nova York. Anteriormente, ele liderou o laboratório de estatística aplicada na GE Global Research. Diego Kuonen (@diegokuonen) é presidente da Statoo Consulting, consultoria com sede na Suíça, e professor de ciência de dados na Escola de Economia e Gestão de Genebra na Universidade de Genebra. Thomas C. Redman (@ thedatadoc1) é presidente da Data Quality Solutions, consultoria com sede em Nova Jersey, e co-autor de *The Real Work of Data Science: Turning Data Into Information, Better Decisions, and Stronger Organizations* (Wiley, 2019).

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