Existe um movimento de que “todos devemos ser startup”, contudo, como aponta Steve Blank, startups não são versões menores de grandes empresas e essas, segundo Henry Chesbrough, não são modelos maiores de startups
“No dia 20 de junho de 2016, o então CEO da Vivo manifestou o objetivo de transformar a empresa numa startup. Acabou deixando a presidência da empresa em dezembro de 2016. Alguns dias atrás, outro CEO da Vivo foi capa de revista com o título: como transformar sua empresa numa startup.
Se, cinco anos depois, a empresa ainda tem a mesma ambição, duas coisas podem ter acontecido: a jornada original não foi bem-sucedida ou esse não é o caminho a ser seguido. Minha hipótese é a segunda opção. Uma grande empresa não deve ambicionar se transformar numa startup. Existe uma perigosa disseminação da prescrição de “vamos transformar uma grande empresa estabelecida numa startup”. Quero compartilhar minha visão – baseado no que há de melhor em ciência sobre o tema – para explicar:
1. Por que razão uma empresa estabelecida não deve adotar essa visão;
2. Qual parte da abordagem utilizada por startups pode auxiliar empresas estabelecidas;
3. Quais os principais desafios dessa adoção;
4. Quando essa abordagem deve ser aplicada.
Antes disso, cabe destacar que a Vivo é uma empresa com desempenho muito positivo. Teve um papel central na renovação da indústria de telefonia brasileira pós-privatização. A empresa é uma referência em pagamento de dividendos para seus acionistas, entre os quais me incluo. Faz parte do grupo Telefônica que tem uma atuação global marcante e uma jornada de corporate venturing por meio de diferentes estruturas, entre elas a Wayra, bastante consistente. Adquiriu anos atrás a GVT, uma startup altamente inovadora com quem tivemos a oportunidade de trabalhar.
A minha proposta de reflexão não é sobre a Vivo, mas sobre o movimento de “todos devemos ser startup” que tem sido vendido aos quatro ventos. Entendo que essa prescrição não faz sentido. Uma coisa é contratar, fazer parceria, investir ou adquirir startups como tem feito a Telefônica e mais de 3.500 empresas brasileiras segundo levantamento da 100 Open Startups, ou mesmo aplicar determinados princípios da abordagem startup em projetos específicos de uma empresa estabelecida.
Outra coisa é querer virar startup, uma espécie de Benjamin Button gerencial. É mais um slogan para comunicar uma visão do que uma prescrição gerencial recomendável, entretanto, essa prescrição tende a ser perigosa para todos que embarcarem nessa ideia sem um exame apurado.
Uma startup é uma fase na vida de uma empresa, e não um tipo de empresa. Integrando a visão de Steve Blank e Eric Ries, principais defensores do tema, podemos entender que uma startup é uma fase de uma organização, quando enfrenta alto nível de incerteza para desenvolver um novo produto ou serviço, em busca de um modelo de negócios que a permite crescer de forma escalável.
É possível classificar a jornada startup em fases. Usemos um modelo adotado pelo IBGC que estabelece quatro: ideação, validação, tração e escala. A fase de ideação pode ser ilustrada por aquele momento em que um grupo de pessoas se reúne para empreender. No outro extremo, a fase de escala pode ser simbolizada por uma empresa pré-IPO, como o Nubank. Ambos poderiam ser considerados uma startup. Há pouca clareza sobre quando acaba a jornada startup mas, no meu entendimento, o IPO seria um marco definitivo.
Então por que diabos uma empresa que fatura bilhões, líder de mercado poderia querer virar uma startup? A abordagem gerencial utilizada nas startups foi desenvolvida como uma resposta as limitações da abordagem tradicional de gestão que privilegia a previsibilidade, controle e planejamento detalhado e que não se mostrou efetiva para inovar. O sucesso das startups como veículos para inovar fez com as práticas de gestão empregadas se transformassem numa abordagem gerencial adequada para contextos de alta incerteza.
Cabe entender ospilares da abordagem startup que passaram a ser disseminados, pois alguns deles podem ser muito úteis em circunstâncias vivenciadas em grandes empresas. Foco no usuário, experimentação, times ágeis e compartilhamento de risco e retorno são práticas de gestão eficazes para o contexto de criação de novos produtos, serviços e modelos de negócio, inclusive em empresas estabelecidas.
No entanto, as empresas estabelecidas não são compostas apenas por projetos de inovação. Diferentemente das startups, elas não lidam, todo o tempo, com alta incerteza em todas as suas funções. A incorporação dessa filosofia em toda operação de uma grande empresa estabelecida é a utilização de um bom remédio numa patologia errada podendo levar, inclusive, a perda de eficiência em operações previsíveis. Por outro lado, a replicação da abordagem startup dentro de empresas estabelecidas, mesmo no contexto de projetos de inovação, requer adaptações importantes sob pena de não gerar os resultados esperados.
Uma empresa estabelecida não é composta por um único projeto. Uma empresa como a Vivo é formada por uma quantidade interminável de projetos e uma operação corrente que precisa de eficiência. A ideia de utilização da abordagem startup em toda a empresa não é adequada, pois uma parcela relevante da empresa não enfrenta a característica em que a abordagem apresenta melhor performance. Por exemplo, a Vivo tem o pior desempenho no Reclame Aqui na categoria de telefonia celular. O call center e o serviço ao cliente deveriam ser administrados como uma startup?
Ao invés de pedir que todos na empresa sejam pequenas startups, a tendência é que se obtenha melhores resultados sabendo quando aplicar a abordagem e como fazer as adaptações para que funcione numa empresa estabelecida. A abordagem startup foi desenvolvida para criação de novos produtos, serviços e modelos de negócio. É recomendável para casos como o Zé Delivery na Ambev ou a CashMe na Cyrela. Esse é o tipo de projeto que mais se beneficia da abordagem de imersão no contexto do usuário, experimentação, times ágeis e blitzscaling.
Nesses casos, a tentativa de usar a abordagem tradicional de previsibilidade, controle, times alocados part-time e planejamento detalhado antecipadamente já se mostrou ineficaz. É recomendável que a Vivo e qualquer outra empresa utilize a abordagem startup quando vivenciar o contexto de alta incerteza.
Um alerta: a aplicação da abordagem startup em empresas estabelecidas não acontece da mesma forma como ocorre em startups independentes. De novo, uma grande empresa não é uma startup. Tem contextos específicos dentro dela que podem se beneficiar dessa abordagem. E mesmo esses contextos não são iguais em comparação com a realidade de uma startup independente. Segundo Steve Blank, startups não são versões menores de grandes empresas. Perfeito. Por outro lado, segundo Henry Chesbrough, grandes empresas não são versões maiores de startups.
Uma startup independente tem um único desafio: validar a solução no mercado. Uma startup corporativa, seja ela um novo produto, serviço ou modelo de negócios, enfrenta dois desafios. O primeiro é validar a solução no mercado. O segundo é validar a solução internamente para garantir apoio e acesso aos recursos únicos da empresa estabelecida que farão a startup interna ter uma vantagem competitiva em relação as independentes.
Os principais desafios da abordagem startup em empresas estabelecidas envolvem aspectos estratégicos, estruturais e gerenciais. As ortodoxias do modelo de negócio existente, os receios de testar uma solução junto a clientes antes de estar complementarmente pronta, a dificuldade de ter acesso aos recursos e o desafio da elaboração de MVPs em indústrias pouco digitais são as principais restrições elencadas em pesquisa recente.
A solução para a manutenção da chama da inovação acesa em corporações não passa por se transformar em startup. A abordagem startup deve ser utilizada onde gera melhores resultados. Para atingir todo seu potencial, além de adotar as práticas disseminadas pelas startups é necessário entender o duplo desafio e estabelecer mecanismos de suporte no relacionamento entre o projeto de inovação e os recursos únicos da empresa estabelecida.
Muito mais do que bradar ambições genéricas periodicamente, a empresa moderna precisa discernir quando cada remédio é mais adequado e ajudar seus times a compreenderem as especificidades da aplicação da abordagem correta em cada realidade. Ou vamos virar um conjunto de curandeiros gerenciais repetindo mantras. Ohmmmmm!
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