Ao desenvolver um argumento e um alinhamento estratégico na sua empresa, saiba identificar quem são os sabotadores internos do processo de execução
“Estratégia envolve tomar dezenas de decisões interdependentes, algumas das quais irreversíveis, e liderar e motivar seus colaboradores para executá-la. Além disso, é necessário manter uma certa flexibilidade para lidar com imprevistos e fatos novos. Moleza, não?Para a surpresa de ninguém, a maioria das empresas não faz isso direito. Os autores (abaixo) mencionam pesquisa da PWC de 2019 com 6000 executivos:
– Apenas 37% relataram que suas empresas têm estratégia bem definida;
– Só 38% responderam que achavam que a estratégia de sua empresa levaria ao sucesso;
– E – assustador – só 20% dos executivos acharam que havia consenso interno em suas empresas sobre qual era a estratégia delas.
Imaginem o estrago que pode fazer um executivo que não entende ou não acredita na estratégia de sua própria empresa.
Nosso treinamento também não ajuda. Os cursos de estratégia enfatizam o estudo de casos. Cada caso (no meu MBA na UCLA eram seis até oito por semana) descreve a situação de certa empresa, o que os líderes fizeram, e no que isso resultou. Competia a nós alunos criticar o que aquelas pessoas fizeram. Alguns professores mais conscienciosos nos perguntavam o que faríamos diferente, mas no geral ficava por aí. Nada a ver com o mundo aqui fora.
Tem mais: pensar estrategicamente exige níveis elevados de Abstração. E nossa formação moderna dita “pragmática” não nos treina adequadamente para lidar com Abstrações. O problema com Consequências, como dizia Marco Maciel, é que elas ocorrem depois…
Resultado: agora que somos executivos frente a decisões estratégicas, muitos de nós não sabemos como estruturar o processo de discutir, concordar, decidir e executar uma estratégia com horizonte de dois até cinco anos.
O livro recém publicado por dois professores de Stanford, Glenn Carroll e Jesper Sørensen, Making Great Strategy – Arguing for Organizational Advantage faz um esforço honesto para preencher esta lacuna. A discussão interna sobre a estratégia de uma empresa (1) deve ser rigorosamente pautada pelo desenvolvimento lógico de ideias, e (2) deve criar uma mensagem inequívoca sobre a direção estratégica da empresa. Isto eles chamam Argumento, palavra poderosa que usarei aqui. Agrego mais um item, mal coberto no livro: (3) a discussão estratégica pode ser “sequestrada” por alguns participantes, às vezes até sem querer.
Empresas podem ser “sortudas” e dar de cara com um caminho que leva ao sucesso. Nada de errado com empresas que sabem se aproveitar de circunstâncias favoráveis. No entanto, sucesso a médio/longo prazo requer a aplicação rigorosa da lógica na formulação de estratégia. Isso exige discussões internas, algumas bem penosas, e na maioria dos casos envolver o conselho, os acionistas, e descer pela hierarquia até os escalões de nível médio.
Nessa formulação é essencial que as pessoas sejam instruídas por inteligência de mercado, dados sobre o desempenho recente e a provável evolução futura dos mercados onde a empresa atua.
À medida que se apura esse argumento, obter o input sincero de todos que serão afetados pela futura estratégia, e o engajamento desses na sua execução. Haverá inevitavelmente mudanças de rumo, o que acarretará consultar de novo pessoas já consultadas no passado recente.
O argumento será refinado gradativamente, envolvendo mais e mais níveis até ser compreendido por todos. O mesmo estudo da PWC dá conta de que muitas vezes é nos escalões de nível médio que a maioria das empresas encontra obstáculos à mudança. Aí ele muda de nome, para estratégia. Isso acarreta, simultaneamente, (1) divulgar internamente as partes publicáveis da estratégia e (2) criar salvaguardas para que a estratégia (inteira) não caia nas mãos de concorrentes.
De que forma essa construção do argumento pode perder seu rumo, ignorar dados, ou mesmo descarrilhar por completo? Eis os principais sabotadores, alguns dos quais não têm plena consciência do dano que causam. Estes personagens são em boa parte criação minha:
– Hipopótamos (acrônimo em inglês HIPPO: Highest-Paid Person’s Opinion): a pessoa de maior salário dentro da reunião pode acabar monopolizando a discussão. John Kennedy, durante as discussões sobre como lidar com a crise dos mísseis russos em Cuba em 1962, às vezes saía da sala por alguns minutos, porque sabia que sua “sombra longa” podia influenciar o rumo da conversa;
– Elefantes nunca esquecem como a empresa funcionava no passado, e se opõem instintivamente a mudanças. Eles são fáceis de reconhecer porque vivem repetindo o mantra “sempre fizemos assim”;
– Crocodilos tencionam defender os funcionários menos graduados da empresa de potenciais abusos por parte dos gestores. Muito comum em argumentos que envolvem metas stretch, coisa bastante usual hoje em dia;
– Girafas (porque pastam mais alto que os crocodilos) acusam os principais gestores de querer enviesar a estratégia em benefício próprio. Ocorre principalmente em empresas onde os principais gestores têm bônus atrelados ao desempenho futuro da empresa. Como não existe o algoritmo perfeito atrelando remuneração variável a resultados, este personagem tende a perdurar;
– Zebras (em inglês ZEBRA: Zero Evidence, but Really Arrogant): pessoas que nas discussões usam da arrogância para esconder sua falta de dados concretos. Geralmente alguém que defende uma linha de pensamento que está perdendo terreno, mas pode acontecer também com participantes irritados com a demora em buscar consenso.
O objetivo aqui é descobrir formas de fazê-los colaborar construtivamente na formação do argumento. Certas culturas corporativas criaram mecanismos para isso. Na Intel, por exemplo, todos são incentivados a discutir e argumentar, mas uma vez definida a direção estratégica espera-se que todos a apoiem.
O livro de Carroll e Sørensen é leitura importante porque lida bem com um tema mal resolvido na literatura: desenvolver e divulgar estratégia. Quem não tiver paciência para as digressões da prosa pode ir direto para o passo-a-passo no capítulo 6 e no Apêndice B. E a bibliografia é primorosa na sua cobertura dos autores “modernos” sobre o assunto.
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