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Resolução de conflitos – Parte 2

No segundo e último artigo da série, aponto como o método de cenários de Adam Kahane nos ajuda a gerenciar conflitos dentro das organizações por meio de tratativas coletivas e conversas one-on-one

Colunista Augusto Dias Carneiro

Augusto Dias Carneiro

20 de Outubro

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Artigo Resolução de conflitos – Parte 2

Conforme prometi mês passado, eis um livro (Trabalhando com o inimigo) sobre como lidar com pessoas das quais você discorda, não gosta, e/ou não confia, mas com quem você tem que chegar a alguma forma de acordo.

Adam Kahane trabalhou alguns anos na Shell, empresa que na década de 1970 criou o planejamento estratégico pelo método dos cenários. Em 1991, Kahane foi convidado para juntar-se a um grupo na África do Sul nomeado pelo presidente F. W. de Klerk, decidido a acabar com o apartheid em seu país.

A tarefa de Kahane neste grupo, que representava todas as correntes de pensamento na África do Sul na época, era desenvolver três ou quatro cenários alternativos de como seria a África do sul pós-apartheid. Menciono isso porque o método de cenários permeia toda a metodologia posterior de Kahane. Para quem quiser saber mais sobre cenários, recomendo o livro do Woody Wade: Planejando cenários: um guia prático para se preparar para o futuro do seu negócio.

Na África do Sul em 1991, Kahane ainda não havia sido incumbido de resolver o impasse, mas descrever as consequências possíveis (e possível, diferente de provável, é um dos mantras do método de cenários). O mesmo ocorreu quando foi contratado pela Organização dos Estados Americanos, órgão da ONU que congrega os países das três Américas, para desenvolver os cenários que poderiam resultar de novas políticas sobre drogas no continente.

No entanto, nos conflitos seguintes, guerras civis na Tailândia e na Nicarágua, e lidando com as FARC na Colômbia, o papel dele migrou para o modo solução. A metodologia dele foi-se aperfeiçoando, com revezes e frustrações monumentais, e quem ler o livro vai testemunhar este “parto” passo a passo.

Situações que Kahane caracteriza como de pouco controle e alta complexidade. O que caracteriza as pessoas num conflito desses?

  • Não só não concordam quanto às possíveis soluções, na maioria dos casos nem sequer concordam sobre qual é o problema que estão tentando resolver;
  • A aposta é muito alta: o que for decidido (ou não) terá impacto sobre a qualidade de vida de milhões de pessoas;
  • Cada um está convencido de que está certo, e que o resto está errado. E alguns estão prontos para impor seus pontos de vista via imposição/violência;
  • Cada pessoa pertence a uma facção com a qual concorda apenas em parte, e o porta-voz daquela facção, naquele momento, foi selecionado por critérios não raro ilógicos: ou falam mais alto, ou são mais articulados, ou mais ameaçadores;
  • Existem facções dentro de facções maiores com as quais concordam em alguns temas, mas não em outros, e que migrarão rapidamente para outra facção se isso lhes parecer mais conveniente.

Claro que tentar forçar uma solução como sendo a única possível é não só impossível como perigoso. Tem mais: na colaboração convencional, podemos controlar o foco, o objetivo, o plano para atingi-lo, e o que cada pessoa precisa fazer para implantar o plano. Nada disso está presente aqui.

Colaboração estendida

Kahane batizou sua metodologia de colaboração estendida, que prescreve primeiro buscar consenso sobre as três regras básicas do engajamento:

1. Definir como nos relacionamos com as pessoas com quem estamos colaborando, primeiro dentro da nossa facção, e depois gradativamente expandido para as outras. Isto requer aceitar o conflito e gradativamente substitui-lo por conexão. E não confundir conexão com concordância; 2. Decidir sobre como medir progresso nos nossos esforços. E estarmos preparados para rever esta métrica muitas vezes; 3. Definir que papel de cada um dos presentes representa. Aqui precisamos resistir à tentação natural de convencer quem pensa diferente de nós.

Em seguida, apresentar os cenários que descrevem as soluções possíveis. E depois acompanhar as tratativas, sob um dos seguintes quatro “modos”:

  • Presenciar: “o que eu ouço aqui e agora é...”;
  • Diálogo: “na minha experiência...”;
  • Download: “a verdade é que...”;
  • Debate: “na minha opinião...”.

Todas as quatro têm seu lugar nas tratativas que se seguirão.

A introdução para esta fase exige que todos os participantes conheçam e entendam os quatro modos acima. Como é responsabilidade de cada saber o momento certo de usar cada modo, vale a pena investir tempo nesta compreensão. Mesmo assim, haverá momentos em que será necessário esclarecer para os presentes o modo que está prevalecendo, e se ele é o mais indicado para o momento.

Kahane inspirou-se em muitos pensadores para desenvolver sua metodologia. Me chamou a atenção o teólogo Paul Tillich, uma das principais referências de Martin Luther King. Em seu trabalho, Tillich descreveu as duas motivações fundamentais de todo ser vivo:

  • Queremos entender melhor a nós mesmos. Essa premissa Tillich batizou de “poder”;
  • E todos desejamos unir o que está separado. Essa motivação o teólogo batizou de “amor”.

E peço que abracem essas duas definições pouco usuais, pelo menos até o final desta coluna.

Todos os esforços que dispendermos visando ajudar os outros na mesa a lidar melhor com os dois “botões mágicos” acima serão bem-vindos. É fundamental saber equilibrar os dois, porque:

  • Amor gera engajamento. Em excesso, gera manipulação;
  • Poder gera afirmação. Em excesso, gera imposição.

Martin Luther King definiu bem os extremos: “poder sem amor é imprudente e abusivo. Amor sem poder é sentimental e anêmico”.

Conversas 1:1

Encerro com um parágrafo sobre, conforme Kahane, quando e como devemos parar com as tratativas coletivas e partir para conversas um a um. Isso deve ocorrer toda vez que uma pessoa for vista pela maioria como muito influente. Um exemplo é do caso FARC: Juan Manuel Santos, na época presidente da Colômbia, futuro Prêmio Nobel da Paz e brilhante “costurador” de acordos. Além disso, as conversas um a um devem ser estabelecidas quando as posições estão tão aguerridas que, no trato individual com essa pessoa muito influente, as pessoas provavelmente se sentirão mais à vontade para se expressar.

Contudo, Kahane alerta para que a conversa um a um seja empregada com moderação, pois quem não foi convidado pode se sentir, bem, excluído.

Alguém na plateia reclamará: “Augusto, você escolheu encrencas imensas para este seu artigo!”; eu respondo: (1) são situações extremas onde a cartilha tradicional de resolução de conflitos seria no mínimo contraproducente, quem sabe até perigosa; (2) o é tema pouco explorado, na literatura e nas empresas; e (3) neste mundo em polarização crescente, pessoas como nós no mundo do business nos veremos cada vez mais incumbidos de resolver conflitos que contêm partes do acima.

Gostou do artigo de Augusto Dias Carneiro? Confira o primeiro artigo da série sobre resolução de conflitos. Além disso, aproveite assine gratuitamente nossas newsletters e ouça nossos podcasts na sua plataforma de streaming favorita

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Augusto Dias Carneiro

Coach, headhunter, autor, mediador e board member, Augusto Dias Carneiro é sócio da Zaitech Consultoria. Autor de Guia de Sobrevivência na Selva Empresarial.

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