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A evolução da indústria de alimentos é do tipo radical

Ferramentas inovadoras de inteligência artificial e de pesquisa e desenvolvimento revelam a evolução em curso no setor, que é ampla e profunda

Colunista Suelen Schneider

Suelen Schneider

06 de Fevereiro

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Artigo A evolução da indústria de alimentos é do tipo radical

De tempos em tempos, os setores de atividade precisam se reinventar para garantir sua subsistência em um mercado que muda o tempo todo. A indústria de alimentos passou por diversas quebras de paradigmas nas últimas décadas. A pergunta que fica é: quais transformações esperar num setor que evoluiu tanto recentemente?

Em 2004, Anita McGahan, professora de estratégia e políticas de gestão da Boston University, publicou um artigo sobre como as indústrias se desenvolvem. Na publicação, a autora apresenta um framework (leia abaixo) que indica os fatores que influenciam mudanças em uma dada indústria. McGahan diz que a evolução de uma indústria pode ter suas origens na arquitetura deste setor, ou seja, em suas atividades principais (produção, vendas, inovação, pesquisa, desenvolvimento, marketing), ou ainda na fundação do setor, que está baseada nos seus principais ativos (equipamentos, máquinas, inventários, prédio).

A partir da combinação dessas duas possíveis causas, arquitetônica e fundacional, são possíveis quatro tipos de trajetórias de evolução:

  • Progressista: esta é a trajetória mais simples de evolução de uma indústria. Nesse cenário, nem as atividades principais, nem os ativos estão ameaçados. As empresas apenas realizam mudanças incrementais ou se adaptam às mudanças mercadológicas de baixa complexidade, tais como, lançamento de produtos complementares, adequação de ciclos de produção e entrega ou ações relacionadas à redução de custos.

  • Intermediação: nessse cenário, apesar de os ativos dessa indústria não estarem ameaçados, suas atividades principais precisam ser adaptadas, pois elas podem desestabilizar relações com parceiros, fornecedores ou clientes. Esse contexto requer mudanças na maneira com que a indústria opera.

  • Criativa: os ativos dessa indústria estão ameaçados e, portanto, a indústria precisa desenvolver novos ativos ou recursos para tornarem-se mais competitivas, ou simplesmente para se manterem no mercado.

  • Radical: este é o tipo de evolução que exige da indústria a aplicação de medidas mais disruptivas. Nessa perspectiva, tanto os ativos quanto as atividades dessa indústria estão ameaçados. As capacidades dessa indústria estão à prova e ela precisa desenvolver novas atividades, recursos e capacidades para se manter no mercado.

Trajetórias de evolução

Ativos tecnológicos na indústria de alimentos

A transformação radical, como o próprio nome diz, desloca quaisquer competências e atividades-chave para novos paradigmas, fazendo que condições anteriores não mais representem quaisquer diferenciais. Ela também altera a maneira com que os shareholders enxergam a necessidade de recursos, ativos e de relacionamentos.

Com o início da quarta revolução industrial, a indústria de alimentos também entrou na espiral da evolução radical. Por um lado, suas atividades principais foram questionadas. Os tradicionais métodos de plantio e de criação de animais mudaram, assim como a distribuição de alimentos.

Quando falamos das atividades agropecuárias, por exemplo, a tecnologia proporcionou rapidez e redução de custos, seja através de maquinários, ou, mais recentemente, programas interconectados e inteligência artificial, capazes de mapear centenas fazendas ou produtores rurais em tempo real.

A pesquisa e desenvolvimento também abriu portas a novos parceiros, como as indústrias químicas, que trouxeram grandes avanços em forma de componentes químicos que aumentam a produtividades das empresas agroalimentícias. Já na distribuição de alimentos, podemos citar a revolução do “last-mile delivery” (entrega de última milha), que ocorreu devido aos aplicativos lançados como iFood, Rappi e Uber Eats.

Utilizando-se de competências digitais e reduzindo a assimetria de informações entre clientes e fornecedores, o consumidor pode escolher, sem despender o custo de translado até o restaurante, a opção de qual será de sua preferência somente pelo seu gosto e disponibilidade financeira.

Inovação e sustentabilidade: “vertical farms” e proteínas substitutas

Por outro lado, há também dúvidas sobre quais ativos, recursos e capacidades são de fato necessários para a subsistência da indústria de alimentos. Quando pensamos na lógica da produção de alimentos, dois recursos são usados em abundância: água e terras agriculturáveis. E por conta disso, terras e água potável são considerados recursos muito valiosos. Afinal, são recursos escassos.

Mas, e se isso mudar? Um primeiro exemplo de que uma mudança é possível é o surgimento das vertical farms (fazendas verticais). De maneira bastante simplista, as fazendas verticais são plantações feitas em construções de estrutura vertical, onde o plantio ocorre em diversas camadas ou andares.

Esse novo processo reduz a necessidade de grandes lotes de terra para o cultivo de alguns alimentos. Portanto, o ativo terra, torna-se “menos” impactante, e a utilização de água é melhor controlada e reduzida.

Um segundo exemplo, ligado à produção de proteínas animais, é a fabricação de proteínas artificiais que já estão sendo testadas em laboratórios, mas ainda são pouco divulgadas. Além disso, temos os substitutos vegetais para a produção de hambúrguer, por exemplo, com sabor de carne, e que já está bastante propagado e tem alta aceitação no mercado.

Essas inovações trazem o aumento da sustentabilidade da cadeia produtiva. Seja o caso das fazendas verticais ou das proteínas substitutas, as inovações exemplificadas aqui mostram o quanto os paradigmas sobre os ativos necessários à produção de alimentos podem ser “questionados”, abrindo caminho para novos modelos de negócios.

Entretanto, essas inovações estão ainda em fases iniciais ou de incubação. Elas precisam ser testadas, aprimoradas e necessitam de escalabilidade para se tornarem economicamente viáveis. Uma vez que isso ocorra, a evolução radical da indústria de alimentos permitirá que o setor se renove e se torne ainda mais sustentável.

Missão maior

A missão maior da indústria de alimentos é alimentar o mundo e, para isso, os paradigmas precisam ser quebrados. Chegar a esse patamar é uma questão de tempo, de quebra de modelos mentais e de foco.

*Esse artigo foi escrito em parceria com Fernando Zonzini Bocabello. Mestre em administração de empresas, Bocabello tem sua linha de pesquisa direcionada para a evolução de indústrias. Atualmente ele é diretor de negócios da DSM Animal Nutrition & Health.

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Autoria

Colunista Suelen Schneider

Suelen Schneider

Especialista em liderança, estratégias e operações. Suelen Schneider tem experiência de mais de 20 anos, onde ocupou posições-chave de liderança em uma das maiores empresas do Brasil. Hoje, é consultora empresarial e mentora de líderes na empresa que ajudou a fundar, a MultiConcept. Suelen é doutoranda em Liderança e Mudanças Globais pela Pepperdine na Califórnia, tem mestrado pela FGV e especializações pela University of Califórnia em Irvine, Indian Institute of Management Bangalore na Índia, Yale School of Management nos EUA e Koç Universiti na Turquia. Já conduziu diversas pesquisas relacionadas ao futuro da liderança, participação feminina na liderança e inclusão.

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