A startup brain4care tem potencial para impactar um bilhão de pessoas nos próximos dez anos com o modelo de negócio SaaS, em vez de se contentar em virar apenas uma empresa que vende equipamentos médicos
Temperatura corporal, frequência cardíaca, pressão arterial e frequência respiratória são indicadores extremamente importantes para direcionar primeiros socorros, auxiliar o diagnóstico de doenças e orientar intervenções clínicas. Devido a essa relevância, são considerados sinais vitais. Há, ainda, uma ampla discussão se a dor seria ou não o quinto sinal vital.
E se fosse possível mensurar outros indicadores no corpo humano que conferissem dados mais complexos, capazes de identificar e discernir padrões de enfermidades de uma forma mais simples?
Em 1783, os cientistas escoceses Alexander Monro e George Kellie identificaram que a saúde do paciente pode estar correlacionada com a pressão interna exercida pelos volumes dos três componentes intracranianos (encéfalo, sangue e líquor – o fluido que lubrifica o sistema nervoso). Entretanto, o desafio que persistiu até este século reside na dificuldade de medir a pressão intracraniana de forma precisa e não invasiva, assim como medimos outros sinais vitais estabelecidos.
A solução para este desafio está intimamente relacionada com um cientista brasileiro, o professor emérito da Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Mascarenhas. Com publicações e descobertas científicas relevantes, formou mais de seis mil alunos, fundou a Embrapa Instrumentação e participou da concepção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), além de ser Presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Academia Mundial de Ciências (TWAS, na sigla em inglês).
Em 2005, Mascarenhas foi diagnosticado com a doença hidrocefalia de pressão normal, que causa o aumento da pressão intracraniana devido ao excesso de líquor acumulado na cabeça. Por causa da hidrocefalia, precisou submeter-se a uma neurocirurgia invasiva para implantar uma válvula permanente que retira o excesso de líquido do seu cérebro. O funcionamento é parecido com a válvula de uma panela de pressão.
Indignado com a situação de que os médicos precisaram furar a sua cabeça em pleno século 21, o cientista e professor – que considera sua cabeça como seu maior valor – empenhou-se em descobrir uma maneira de monitorar a pressão intracraniana de forma não-invasiva.
A primeira ideia que teve foi medir se a superfície externa do crânio sofreria alguma deformação em decorrência da variação da pressão interna do crânio. Com isso em mente, compartilhou a proposta com seu neurocirurgião. A resposta imediata foi que essa tentativa de medição não teria sucesso, pois havia um princípio estabelecido há mais de 200 anos na Medicina que afirmava que o crânio do ser humano adulto era rígido e não expansível.
Entretanto, a física o havia ensinado que nem o núcleo do átomo é rígido. Como um bom cientista, resolveu testar sua ideia.
O primeiro experimento contou com um crânio emprestado da UFSCar, um balão de festa, um aparelho de pressão arterial que tinha em casa e um sensor que os engenheiros civis usam há pelo menos 50 anos para medir deformações em vigas de concreto. O procedimento era simples: colocar o balão dentro do crânio, enchê-lo com ar para simular o aumento da pressão intracraniana e utilizar o sensor para medir a deformação na superfície externa do crânio.
O resultado foi que, desafiando ideais estabelecidos, Sérgio Mascarenhas verificou que o entendimento vigente há mais de dois séculos estava errado. A partir da comprovação científica, em colaboração com Gustavo Frigieri – seu então aluno de doutorado na USP, campus de São Carlos –, o professor desenvolveu e patenteou uma tecnologia de monitorização de pressão intracraniana. Em 2014, aos 86 anos, fundou a startup brain4care com ajuda de alguns de seus ex-alunos.
Guiada pelo propósito de desafiar os limites da medicina para vivenciar histórias de saúde e felicidade, a brain4care acredita que seu núcleo propulsor é fazer investimentos permanentes em pesquisa. Os avanços são tão promissores que a comunidade médica mundial está considerando a possibilidade de um novo sinal vital neurológico.
Para tanto, a startup segue realizando pesquisas junto a instituições de renome nacional e internacional como USP, UFSCar, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a escola de medicina da Stanford University e a Johns Hopkins University, entre outras. A próxima instituição a se juntar ao circuito de pesquisa será o centenário Hospital Pequeno Príncipe, maior hospital pediátrico do Brasil, que, em parceria com a brain4care, irá avançar no conhecimento científico e clínico da monitorização de pressão intracraniana em pacientes pediátricos.
É preciso destacar que o grande diferencial da brain4care é a união da pesquisa científica com um modelo de negócio inovador. E a dimensão da disrupção do modelo de negócio precisaria ser proporcional à dimensão da descoberta científica. Após passar pelo programa de aceleração da Singularity University, que acredita que a brain4care tem potencial para impactar um bilhão de pessoas nos próximos dez anos, a equipe entendeu que não deveria ser a gestora de uma empresa que vende equipamentos médicos.
A disrupção e impacto viriam, na verdade, ao viabilizarem o acesso à monitorização não invasiva da pressão intracraniana ao maior número de pessoas no menor tempo possível. Assim, o hardware tornou-se apenas uma “chave” para acessar uma informação e o modelo de negócio passou a focar no licenciamento de uma plataforma de software como serviço (SaaS). Com esta estratégia, a escala do negócio é o que o torna rentável e atrativo. Para entender melhor esse modelo de negócio, ouça a entrevista de Plínio Targa, CEO da brain4care, no podcast Inovação com Ciência: open.spotify.com/episode/5D3rsxjdJnJd9o7z8588FK.
“”A vida é uma série de encontros e desencontros, e até doenças malditas se tornam benditas”, disse o professor Sérgio Mascarenhas em entrevista a um jornal em 2019. O caso da brain4care reforça a percepção, mais clara nestes tempos de aguda crise econômica, política e de saúde pública, de que o Brasil precisa cuidar muito bem de um sinal vital de qualquer sociedade: sua própria ciência.”