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Desenvolvimento pessoal

21 min de leitura

Uma abordagem estruturada para decisões estratégicas

Conheça o protocolo MAP, inspirado na forma que a área de recrutamento e seleção de pessoas encontrou para evitar vieses e erros de julgamento

Daniel Kahneman, Dan Lovallo e Olivier Sibony

29 de Maio

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Artigo Uma abordagem estruturada para decisões estratégicas

 Imagine as seguintes situações: um conselho de administração avalia a aquisição de um concorrente; uma equipe de marketing decide sobre o lançamento de um novo produto; um fundo de investimento de capital de risco escolhe uma, entre várias startups, para financiar.

Todas essas decisões estratégicas têm uma característica comum – envolvem juízo de valor. Para tomar decisões difíceis, as pessoas devem considerar uma grande quantidade de informações complexas, para (1) atribuir pontuação para cada alternativa possível ou (2) dar uma resposta “sim“ ou “não” para cada opção em discussão. Naturalmente, algumas decisões gerenciais são tomadas sem avaliar uma grande quantidade de informações, mas decisões de estratégia tendem, sim, a passar pela depuração da complexidade até chegar à reta final.

Já sabemos que o julgamento humano não é confiável, no sentido de que sofre influência de vieses pessoais; todas as avaliações são suscetíveis a enganos. Tais erros se originam de vieses cognitivos conhecidos ou podem ser aleatórios, às vezes chamados de “ruídos”. A falta de confiabilidade de um julgamento tem sido muito reconhecida e estudada, particularmente no contexto da decisões de recrutamento de pessoas. 

Mas e as decisões de estratégia? Com base nos resultados de pesquisas e em nossa experiência, sugerimos uma abordagem prática e amplamente aplicável para reduzir os erros na tomada de decisões estratégicas, batizada com o acrônimo em inglês MAP (referente a “protocolo de avaliação mediador”). Ela é apresentada a seguir, em conjunto com as pesquisas que a embasam.

ALTERNATIVAS DE ESTRATÉGIAS SÃO COMO CANDIDATOS A UM EMPREGO

As pesquisas sobre entrevistas de emprego, ferramenta mais comum em processos de seleção, contêm uma grande riqueza de informações sobre a precisão das avaliações. A maioria das empresas ainda usa entrevistas tradicionais (não estruturadas) para fazer uma avaliação genérica, em que o entrevistador supostamente começa com a mente aberta, acumula informações sobre o candidato e chega a uma conclusão. Infelizmente, as evidências indicam que entrevistas não estruturadas levam a avaliações tendenciosas com pouco valor preditivo. Isso porque o entrevistador cria um modelo mental (coloquialmente chamado “percepção”) sobre o candidato, em um processo que os psicólogos demonstraram ter três limitações:

1. Excesso de coerência. Os modelos mentais são mais simples e coerentes do que a realidade que pretendem avaliar. Se, como entrevistadores, partimos do princípio de que um determinado candidato é extrovertido, tendemos a fazer perguntas que confirmem essa hipótese.

2. Impressão superficial e arraigada. Formamos rapidamente nossos modelos mentais, muitas vezes com base em evidências limitadas e ainda no início do processo, e os modificamos lentamente à medida que surgem fatos novos. Isso explica porque, como sugere o senso comum (e as pesquisas confirmam), as primeiras impressões têm um efeito desproporcional nas avaliações que fazemos sobre as pessoas em geral e no resultado das entrevistas de emprego.

3. Ponderação tendenciosa. Muitas vezes, nossos modelos mentais não dão a cada fato pertinente o peso que ele merece. Podemos descartar partes relevantes de informação ou dar importância demais a fatores que deveriam ser ignorados. Por exemplo, um entrevistador pode supor erroneamente que um candidato do sexo masculino tem grande habilidade de liderança apenas porque ele é alto e tem uma voz grave.

Tais desafios são fáceis de reconhecer no processo de recrutamento de pessoas. Tanto é assim, que não esperamos a concordância de todos os entrevistadores sobre um mesmo candidato – e, muitas vezes, compensamos as divergências fazeno uma média dos pontos de vista dos vários entrevistadores.

O que muitas pessoas não percebem é que usamos o mesmo processo de formação de modelos mentais na tomada de decisões estratégicas, com limitações semelhantes e resultados idem.

Suponha, por exemplo, que você esteja selecionando um local para instalar uma nova fábrica. É preciso avaliar vários fatores em várias regiões: custos de mão de obra local, viabilidade técnica, requisitos regulatórios, estabilidade política e assim por diante. Você já tem uma imagem mental das cidades e países que estão sendo levados em consideração. À medida que toma conhecimento de novos fatos sobre cada um deles, o viés de coerência excessiva o leva a confirmar a imagem preconcebida, que provavelmente é bem menos diversa e ambígua do que a realidade.

Esse viés pode ser ainda mais forte se houver mais pessoas participando da decisão. Quando um local emerge como favorito, a percepção de seus benefícios se torna exagerada e a de seus custos, subestimada. Assim, quando a equipe revê os méritos dos possíveis locais, as primeiras impressões, formadas nos minutos iniciais da discussão, provavelmente pesarão bastante na decisão final. Uma vez que uma impressão está formada, você tenderá a fazer perguntas que a comprovem. Por causa do viés de confirmação, interpretará os fatos ambíguos à luz de juízos preexistentes. É necessário ter uma quantidade considerável de evidências para reverter um julgamento inicial errôneo.

Por fim, assim como a aparência física de um candidato pode influenciar a decisão de contratação, certos atributos de um local tendem a adquirir um peso desproporcional na hora de decidir instalar ali uma unidade de produção. Frequentemente, damos mais importância a informações recentes ou que têm grande repercussão (o chamado “viés de disponibilidade”).Você pode, por exemplo, reagir de maneira excessiva a notícias recentes sobre turbulências políticas ou enfatizar demais os aspectos de curto prazo. E, considerando que a maioria das pessoas tende a ser otimista e confiante em excesso nas previsões, talvez subestime as dificuldades técnicas na construção da nova planta.

Em suma, a tomada de decisão não estruturada, seja em entrevistas de emprego ou em outras decisões mais estratégicas, é vulnerável tanto ao viés quanto ao ruído. O ruído explica por que os pesquisadores encontram grandes variações sempre que investigam sistematicamente a confiabilidade de um julgamento.

O QUE PODEMOS APRENDER COM AS ENTREVISTAS ESTRUTURADAS

Dezenas de estudos sobre seleção de pessoas concluíram que as decisões são mais precisas quando as entrevistas são estruturadas em vez de não estruturadas. Não à toa, um número crescente de organizações vem adotando entrevistas estruturadas, especialmente aquelas que valorizam muito a qualidade dos profissionais que contratam.

Uma das primeiras formas de entrevista estruturada foi desenvolvida em 1956 por Kahneman, quando servia no Exército israelense e percebeu que as classificações dos entrevistadores eram ruins como indicadores do sucesso dos recrutas no futuro. Ele substituiu tais classificações por notas individuais em seis atributos: senso de dever, sociabilidade, nível de energia, pontualidade, capacidade de argumentação e o que então foi chamado de “orgulho masculino”. Uma média simples dessas pontuações provou ser mais precisa em prever o desempenho de modo geral do que a avaliação baseada só em uma entrevista não estruturada. Depois de concluídas as pontuações por atributo feitas com entrevistas estruturadas, foi realizada uma avaliação intuitiva – e esta sim contribuiu para a predição. A combinação das duas mostrou ser a melhor forma de prever o desempenho de candidatos.

A conclusão, reiterada por Kahneman anos depois, é que a precisão do julgamento intuitivo é maior quando se faz uma avaliação geral após o processo estruturado. O Exército israelense usa até hoje entrevistas estruturadas, assim como empresas do tipo Google, Amazon e McKinsey. 

Em uma entrevista estruturada, o entrevistador tem de avaliar várias características-chave antes de fazer uma avaliação final. A nota em cada atributo serve como avaliação intermediária, com os resultados parciais obtidos por meio de um padrão predeterminado para que sejam o máximo possível baseados em fatos. E as avaliações finais derivam dessas classificações.

Surpreendentemente, embora as entrevistas estruturadas estejam se tornando cada vez mais comuns em processos de seleção, o tipo de decisão estruturada que elas ilustram é raro em outros contextos. As decisões estratégicas normalmente envolvem uma avaliação de todas as informações disponíveis, sem que se deem, explicitamente, notas a atributos-chave. Para nós,  avaliações intermediárias e estruturadas podem melhorar também a qualidade dessas decisões.

DAS ENTREVISTAS ESTRUTURADAS ÀS DECISÕES ESTRUTURADAS

Assim como as entrevistas estruturadas em avaliações de pessoas, o MAP é uma abordagem estruturada para fundamentar decisões estratégicas. O protocolo tem três etapas principais:

1. Definição antecipada das avaliações. O responsável pela decisão deve identificar um conjunto de avaliações intermediárias, definindo atributos-chave críticos para a decisão. No caso da aquisição de uma empresa, por exemplo, as avaliações podem incluir a antecipação das sinergias geradoras de receita ou a qualificação do time de liderança. Esse processo é semelhante ao que seria usado pelos responsáveis por uma contratação ao fazer a descrição do cargo, definindo os atributos necessários para o sucesso na posição.

• Uso de avaliações independentes baseadas em fatos. As pessoas responsáveis pela análise de cada um dos aspectos de uma opção estratégica não devem ser influenciadas umas pelas outras – ou pelas demais dimensões da opção. Suas opiniões têm de ser fundamentadas nas evidências disponíveis. Essa abordagem é comparável a um processo bem planejado de entrevista estruturada, na qual os candidatos a emprego recebem a nota em cada atributo-chave somente com base em suas respostas a perguntas relevantes, usando escalas predefinidas.

• Realização da avaliação final após a conclusão das intermediárias. A menos que ocorra um fato grave (uma evidência de fraude contábil na empresa-alvo da aquisição, por exemplo), a decisão final deve ser colocada em discussão somente quando todos os atributos-chave tiverem sido classificados e um perfil completo das avaliações estiver disponível. Isso é semelhante a ter um comitê de recrutamento revisando todas as avaliações feitas por um por um dos entrevistadores, sobre cada um dos requisitos da descrição do cargo, antes de decidir por um candidato.

O uso de avaliações intermediárias reduz as divergências na tomada de decisão, porque procura abordar as limitações da formação de modelos mentais, mesmo que não possa eliminá-las completamente. Ao definir avaliações claras e baseadas em fatos, de maneira independente, adiando a análise final até que todos os atributos tenham sido avaliados, o MAP equilibra os efeitos de vieses cognitivos e aumenta a transparência do processo, pois todas as avaliações são apresentadas de uma só vez aos responsáveis pela decisão. Como as informações mais recentes ou de maior repercussão não recebem peso maior do que as outras, o processo elimina o viés de disponibilidade. O MAP também reduz a possibilidade de que uma alternativa seja julgada por sua similaridade com situações conhecidas ou estereótipos, um erro provocado pelo viés de representatividade. Quando aspectos independentes e diferenciados são definidos com clareza, é menos provável que ocorram erros de lógica.

CAUSAS DA RESISTÊNCIA E SOLUÇÕES

Alguns líderes responsáveis por tomar decisões podem apresentar uma resistência inicial ao MAP, assim como muitos recrutadores não gostam de entrevistas estruturadas. Isso acontece porque o processo pode parecer mecânico, engessado e limitador da capacidade de intuição, o que desagrada executivos conhecidos por “confiar em seus instintos”. 

A tomada de decisão estruturada, e com base em avaliações intermediárias, só será adotada se houver uma percepção de que ela melhora substancialmente a qualidade do processo decisório. Por isso, abordamos a seguir as vantagens de usar o MAP em dois tipos de decisões estratégicas: 

(1) as grandes decisões tomadas por grupos de conselheiros ou executivos de maneira pontual e (2) as decisões recorrentes, feitas como parte de processos formais que, em conjunto, definem a estratégia de uma empresa.

Decisões estratégicas pontuais.Voltemos ao exemplo de uma grande empresa que está avaliando uma aquisição de porte. Um time de deal é nomeado para fazer a due-diligence e começa por identificar os aspectos-chave, como sinergias de custos e receitas, passivos ocultos, compatibilidade ou alinhamento de culturas e assim por diante. Feito isso, produz um relatório para o conselho de administração, com capítulos cobrindo cada aspecto. Na reunião do conselho, o presidente conduz uma discussão profunda, na qual os membros declaram sua posição sobre a fusão e expõem seus argumentos. Perguntas são formuladas e respondidas, as preocupações que surgem são discutidas a fundo e, no fim, faz-se uma votação.

Essa é uma forma de abordagem ampla e profissional, e parece incontestável. No entanto, ela se assemelha à entrevista não estruturada em um aspecto crítico: a conclusão é feita diretamente com base em uma imagem geral da situação, uma imagem formada  espontânea e gradualmente à medida que cada informação é apresentada. 

Em uma tomada de decisão estruturada, não funciona assim. Ela exige que os líderes façam avaliações separadas e explícitas de cada aspecto e usem essas avaliações como base para uma decisão. No caso da possível aquisição, o procedimento seria:

• A due diligence é concluída como de costume. Se o time de deal tiver feito um bom trabalho, os principais problemas identificados corresponderão às avaliações intermediárias necessárias. A única novidade é que o time de deal é obrigado a concluir cada capítulo de seu relatório com um resultado preliminar. A cada item deve responder à pergunta: “Desconsiderando a importância desse tópico para a decisão geral, quão fortes são, neste capítulo, os argumentos favoráveis ou contrários à aquisição?”. Assim como a pontuação de características específicas em uma entrevista estruturada, cada uma dessas conclusões deve se basear apenas nos fatos contidos no capítulo específico e não nos obtidos nos demais tópicos analisados.

• A pauta da reunião do conselho segue os capítulos do relatório. Os tópicos são revisados em sequência (a menos que surja um fato que impeça a transação e encerre a discussão). Com base nos dados fornecidos em cada capítulo, os membros do conselho, primeiro individualmente e depois em grupo, consideram se aceitam ou corrigem a conclusão proposta pelo time de deal para cada tópico. Em um processo de recrutamento, a etapa correspondente a isso seria a revisão, pelo comitê, das notas dos entrevistadores para o candidato em cada requisito da descrição do cargo.

• Aos membros do conselho é solicitado que não façam comentários sobre a aquisição até que as avaliações intermediárias estejam concluídas. Depois de apresentadas as conclusões de todos os capítulos, começa então a discussão para a avaliação holística do negócio e, então, ocorre a votação.

Como bem ilustra esse exemplo, a implementação do MAP não acarreta aumento substancial no peso da decisão, embora exija um esforço extra do time de deal para elaborar uma conclusão para cada tópico da due diligence. Uma discussão estruturada que parte de avaliações intermediárias é mais organizada e centrada do que o processo usual, mas não necessariamente mais longa ou mais controversa.

A um custo moderado, o rigor da estrutura formal na tomada de decisões estratégicas tem o benefício de sequenciar o processo, reduzindo a possibilidade de negligenciar fatos importantes e aumentando a probabilidade de análise mais ponderada e maior autocrítica quanto aos trade-offs. Dessa forma, o uso do MAP desencadeia uma reflexão consciente. Nas decisões não estruturadas típicas, ao contrário, nós (muitas vezes, inconscientemente) valorizamos mais as perdas do que os ganhos, o futuro próximo mais do que o longo prazo, e as narrativas atraentes mais do que as estatísticas aborrecidas.

Nas reuniões de apresentação e de revisão que antecedem uma aquisição, por exemplo, os tópicos discutidos geralmente mudam conforme novas informações se tornam disponíveis. À medida que a urgência aumenta e o entusiasmo com o acordo pontual cresce, relevantes questões podem ser ignoradas ou relegadas a um anexo da  apresentação. Enquanto isso, os aspectos mais atraentes da empresa-alvo ganham cada vez mais destaque, e a narrativa dos argumentos favoráveis à aquisição se torna mais e mais atraente. É fácil ver como essas dinâmicas podem levar a erros de julgamento. 

Já a utilização de um processo estruturado de tomada de decisões garante que o checklist dos aspectos-chave seja definido antecipadamente e que, no momento da decisão final, todos os seus elementos estejam suficientemente evidentes. Esse rigor limita o risco de que uma narrativa convincente influencie os membros do conselho.

Não aconselhamos atribuir pesos explícitos para as avaliações, como alguns teóricos sugerem. A tomada de decisão algorítmica visa tirar completamente a subjetividade da decisão. Os executivos têm uma rejeição extra a esse tipo de estrutura porque mecaniza as decisões e reduz o espaço para intuição, incluindo as possíveis interações entre os critérios. Ao contrário, o MAP valoriza a intuição, desde que ela seja aplicada depois de eliminar ao máximo as incertezas. O julgamento holístico de executivos experientes é valioso, mas deve ser formado a partir dos resultados de avaliações intermediárias.

Também não recomendamos tratar todas as avaliações da mesma forma. Algumas dimensões, mais importantes do que as demais, devem ser avaliadas primeiro e consideradas como decisivas. Por exemplo, ao avaliar uma nova tecnologia, aspectos como os custos e o tempo necessário para que esteja disponível no mercado são importantes, mas é fundamental analisar se funcionará na prática.

Decisões estratégicas recorrentes. Considere, por exemplo, o lançamento de novos produtos no dinâmico segmento de bens de consumo, o desenvolvimento de produtos ao longo de um pipeline de pesquisa e desenvolvimento (P&D) na indústria farmacêutica ou a realização de pequenas aquisições em uma estratégia mais ampla de crescimento. Grandes organizações tomam muitas decisões como essas e seu impacto coletivo nos negócios pode ser essencial.

O MAP fornece às decisões recorrentes o mesmo rigor e disciplina que proporciona às escolhas pontuais. Adicionalmente, quando decisões de um determinado tipo se repetem, a abordagem estruturada facilita o aprendizado. Avaliações intermediárias explícitas facilitam a realização de uma avaliação “post-mortem” sobre decisões anteriores, o exame do raciocínio sobre os fatos, o aprendizado sobre quais avaliações podem ter sido equivocadas e a revisão das escalas e das avaliações adequadas. A qualidade dos julgamentos deve melhorar ainda mais se as avaliações e os resultados forem expressos em uma escala relativa. [Veja o quadro abaixo.]

UTILIZANDO OS PERCENTIS COMO UMA ESCALA CLASSIFICATÓRIA

Como os tomadores de decisão devem expressar suas avaliações? Escalas de classificação padrão, com âncoras verbais (“muito bom”, “bom” e assim por diante), têm a vantagem da simplicidade. No entanto, rótulos verbais, ambíguos, são uma fonte de ruído, porque pessoas diferentes usam palavras diferentes para dizer o mesmo.

A escala de percentis pode ser uma solução. Muitas empresas já a usam para definir o desempenho dos funcionários – “Jenny está entre as top 10% gestoras 

juniores em poder intelectual, mas no terceiro quartil em habilidades interpessoais”. 

Recomendamos estender o uso dessa escala de avaliação a outros domínios. Ao medir as capacidades de uma empresa entrar em um mercado, por exemplo, uma empresa de investimento de risco pode perguntar: “Como ela se compara a outras do mesmo setor? Está nos top 10%? Nos top 25%? ”A escala de percentis requer um quadro de referência específico, que seja compreendido e compartilhado por todos. No exemplo acima, o quadro seria “todos os alvos potenciais que avaliamos”.

A escala de percentis tem várias vantagens sobre outros tipos de escalas de classificação. Primeiro, exige que o avaliador tenha casos comparáveis em mente e pense na situação em questão como uma instância particular de uma categoria mais ampla. Essa abordagem, a “visão de fora”, já é uma técnica de eliminar vieses por si só.

Segundo, a escala de percentis permite que vieses individuais sejam detectados e corrigidos. Um gestor otimista que classifica 40% dos casos como pertencentes aos top 10% será identificado e treinado para usar a escala apropriadamente. Quando as pessoas aprendem a usar bem uma escala de percentis são consideradas “calibradas”. Melhorar a calibragem é um passo importante na redução do ruído de julgamento.

Terceiro, as classificações em percentis podem ser facilmente traduzidas em política. Se os underwriters, por exemplo, classificarem os riscos em percentis, os prêmios podem ser precificados com base nesses ratings. Aí a empresa emissora consegue decidir em qual percentil de distribuição de riscos está seu limite para o underwriting.

A escala de percentis é desa­fiadora para definir e gerir, mas sua precisão faz valer o esforço.

A contribuição mais importante do MAP para as decisões de rotina é fornecer uma verdadeira padronização. As pessoas que têm papéis equivalentes em uma organização e tomam decisões semelhantes são consideradas intercambiáveis, mas as empresas normalmente não verificam se essa suposição está correta. Quando as organizações a testam por meio de uma “auditoria de ruído”, as avaliações geralmente diferem em 50% ou mais entre profissionais supostamente intercambiáveis (incluindo profissionais altamente experientes). Esse nível de ruído, em geral invisível, é obviamente inaceitável.

Para entender melhor como estruturar decisões recorrentes, considere o caso de uma empresa de capital de risco que chamaremos de VC Co., que redesenhou seu processo de investimento. Como muitos investidores, a VC Co. seguia um protocolo de avaliação minucioso, concentrando sua atenção (em todos os casos) nas especificidades que pareciam mais relevantes para formar um modelo mental da meta de investimento. Até que, para melhorar a qualidade de suas decisões, decidiu adotar uma abordagem de decisão estruturada, incorporando as principais características do protocolo MAP. 

Primeiro, para predefinir os aspectos críticos, a VC Co. propôs uma discussão aprofundada para responder à seguinte pergunta: “Quais são os fatores-chave que devemos considerar ao tomar decisões de investimento?”. O resultado foi uma lista de critérios que não seriam necessariamente idênticos para outro investidor de capital de risco, porque refletiam a filosofia de investimento da empresa. Por exemplo, um desses critérios foi a análise dos fundadores da empresa-alvo. Esse julgamento, por sua vez, divide-se em subavaliações específicas, como habilidades para resolver problemas, conhecimento técnico, resiliência e abertura a novas ideias. Essas qualidades podem ser avaliadas com base nas interações com os fundadores, em seus históricos e em referências vindas de terceiros.

Na sequência, a VC Co. garantiu que as avaliações fossem feitas separadamente, sem  influenciar umas às outras, e que fossem resumidas em uma escala de classificação de percentis. Organizar a coleta de dados para fazer avaliações independentes entre si (na medida do possível) minimiza o efeito halo. Um exemplo desse efeito seria os profissionais de investimento da VC Co. ficassem tentados a avaliar favoravelmente as habilidades da equipe de gestores da empresa-alvo ao ver uma impressionante demonstração de um produto feita por eles. O MAP evita isso, fazendo com que as situações sejam julgadas em separado.

Atribuir uma classificação numérica a cada avaliação evita a tendência de formar modelos mentais excessivamente coerentes. Por exemplo, quando a VC Co. formulou sua avaliação qualitativa da equipe de liderança da empresa-alvo, os termos usados, às vezes, davam margem a ambiguidade: dependendo do modelo mental formado em avaliações anteriores, uma palavra como “forte” poderia ser interpretada tanto como reforço de uma impressão positiva quanto como a expressão de uma dúvida. O uso de uma classificação numérica reduz esse risco.

Usar classificações de percentis para fazer avaliações qualitativas coloca as decisões recorrentes em um contexto. Para avaliar a qualidade dos fundadores de uma empresa-alvo, por exemplo, a VC Co. passou a usar um quadro com os nomes das dezenas de empreendedores com os quais interagira. Em vez de perguntar se um fundador é “um A, um B ou um C”, os membros do comitê de investimento perguntavam se: “No quesito de habilidades técnicas (ou outro específico) esta pessoa está no mesmo nível que fulana e os outros cinco empreendedores que consideramos os melhores nesse aspecto? Ou ela é comparável a sicrano e aos outros empreendedores que classificamos no segundo quartil?”. A VC Co. aplicou a mesma abordagem comparativa a outras avaliações qualitativas, como o potencial de preservação da vantagem competitiva da empresa.

Em terceiro lugar, a empresa formalizou a realização das reuniões para tomada de decisão. Assim como em decisões pontuais, a agenda seguia a estrutura de avaliação: a VC Co. revisando cada avaliação separadamente antes de chegar a uma decisão final. Explicações sumárias contemplando argumentos sobre o investimento proposto foram proibidas até que todas as avaliações fossem revisadas, uma de cada vez, e até que um gráfico com os resultados fosse apresentado. Um grande benefício da aplicação do MAP em decisões recorrentes é que os membros do comitê decisório têm várias chances de praticar essa nova disciplina e podem melhorar continuamente suas habilidades e recursos. A cada avaliação de um dos empreendedores, por exemplo, um novo nome era acrescentado, tornando as comparações seguintes mais ricas.

A experiência da VC Co. com o uso do MAP não tornou mais lenta a tomada de decisões na empresa. Seus gestores afirmam que o fluxo de trabalho nesse novo processo, na verdade, demanda menos tempo e mencionam várias situações nas quais consideram ter tomado melhores decisões de investimento. Os efeitos quantitativos levarão anos para ser avaliados. 

MAP VERSUS OUTRAS ABORDAGENS

Seja o que for que produza, qualquer organização é uma fábrica de decisões. Algumas delas são tomadas por pessoas que seguem regras claras. Porém muitas das decisões que determinam o futuro dos negócios exigem deliberações demoradas, análises e o equilíbrio de múltiplas considerações. A qualidade dessas decisões não pode ser facilmente comprovada. Para melhorá-las, temos de nos debruçar sobre os processos nos quais elas são feitas.

O MAP é uma maneira de fazer isso. Ao adicionar disciplina à tomada de decisões e limitar algumas falhas conhecidas, assegura qualidade em decisões complexas. 

Há outras abordagens com o mesmo objetivo, como a teoria da decisão ou a modelagem analítica avançada, mas o MAP apresenta algumas vantagens sobre elas. É fácil de aprender, demanda uma quantidade mínima de trabalho adicional e dá aos líderes alguma liberdade para exercer o julgamento intuitivo, ainda que isso possa acontecer depois de um adiamento (útil). Ou seja, constitui uma ferramenta valiosa para qualquer líder que pretenda melhorar a qualidade das decisões de sua organização.

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Autoria

Daniel Kahneman, Dan Lovallo e Olivier Sibony

Daniel Kahneman é professor-emérito de Psicologia da Princeton University. Recebeu o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 2002, por seu trabalho (com Amos Tversky) sobre vieses cognitivos. Dan Lovallo é professor de estratégia de negócios na University of Sydney e conselheiro sênior da McKinsey & Co. Olivier Sibony é professor de estratégia e política comercial na HEC Paris; membro associado da Saïd Business School, da Oxford University e consultor em pensamento estratégico.

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