No mundo físico-digital-social, é o fim do P&D como nós o conhecemos, e todo gestor precisa entender isso
Num passado nem tão distante assim, porque nele vivi, a inovação era top-down: de quem fabricava para o consumidor, e sem a interferência do consumidor no processo de criação. Quem nunca ouviu a frase atribuída a Henry Ford: “Seu Ford Modelo T pode ser de qualquer cor, desde que seja preto”? Ou a atribuída a Steve Jobs: “É muito difícil projetar produtos usando focus groups. A maior parte das vezes, as pessoas não sabem o que querem até você mostrar a elas.”
O processo de criação de novos produtos e serviços no século 20 era de cima para baixo. Sou formado em engenharia eletrônica, em 1987, pela UFPE. Nos cinco anos do curso nunca ouvi falar do consumidor, e da importância dele no processo de criação. Nem nas escolas de engenharia, nem na prática das empresas, o consumidor entrava na equação. Não consigo dizer ao certo o porquê, mas talvez seja porque no século passado a demanda fosse grande demais, o que reduzia a chance de erro, pois os consumidores não tinham opções. Ou porque os consumidores não tinham voz, ou mesmo porque era caro e lento levantar o que os consumidores de fato querem.
Na era industrial, inovar era uma prerrogativa dos engenheiros, e criar mercado cabia ao marketing. Tudo começava com alguma grande ideia nos “”porões”” das empresas, num processo todo em cascata, que passava por uma definição de requisitos, desenho, engenharia, produção, distribuição etc. E claro, se alguma coisa desse errado, o marketing estava lá para ser culpado.
Para ser justo, o marketing bem que tentou trazer o consumidor para a equação. As pesquisas de marketing datam de 1911. Tem origem com Charles Coolidge Parlin. É a ele atribuída a sentença de que “”o varejo não pode mais vender o que o seu próprio julgamento dita. O varejo precisa vender o que o consumidor quer””. São as pesquisas de Parlin que marcam a entrada do consumidor no processo de inovação, e a mudança de abordagem nos negócios de product-led para consumer-led. Mas as pesquisas de marketing eram demoradas e caras. Eram para poucos. Influenciavam pouco e quando promoviam alguma mudança nos produtos, o ciclo era muito longo.
Até que em 1995 a gente entra na internet. A primeira onda conecta os computadores. Mas a segunda já conecta pessoas. É a era dos blogs e chats, que culminam com as redes sociais. Através da rede, o usuário passa a ter voz e, portanto, no processo de criação, começa a ir pro centro. Twitter, YouTube, Tumbir, Facebook, Instagram e WhatsApp, entre muitas outras, armazenam nossas pegadas. E ainda, permitem a busca, recuperação e clusterização do que gostamos de fazer – vamos combinar, ninguém faz registro, muito menos com foto de dentro do supermercado, não é mesmo? Ou do que não gostamos, como no ReclamaAqui.
Mas, okay, em todos esses casos que citei, deixamos rastros por lá conscientemente, deixamos o que gostaríamos de deixar, estão lá para qualquer um ver. A rede já ia além na captura do que fazemos, a rede sempre monitorou os nossos passos dentro dela. Notou que todo site agora avisa que usa cookies? Sempre usaram, mas agora a Lei Geral de Proteção de Dados os obriga a nos avisar.
O efeito dessa conexão no processo de construção de produtos puramente digitais foi imediato. E tem um marco: o perpetual beta do Google. Lembram? Então, foi lá pelos anos 2000 e pouco. Enquanto a Microsoft vendia novas versões e atualizações do Windows lançados anualmente, exatamente como a indústria automotiva, só que com muito mais bugs, o Google colocava produtos semi-acabados no ar! Em versão declaradamente beta. E o beta, não porque tinha bugs (bugs são intrínsecos a qualquer sistema complexo), mas porque estava inacabado. E estaria sempre inacabado, porque ao coletar informações, preferências e fluxos de utilização dos usuários poderia (como sempre fez) evoluir continuamente.
Pronto! Foi assim estabelecido um fluxo contínuo de dados entre consumidor e produtor! Leia de novo, contínuo! E mais do que permitir saber o que o consumidor quer, construir com o consumidor, cocriar com o consumidor. E quem não quer?
As plataformas digitais querem! Pense bem. O que têm em comum Google, Microsoft, Apple, Facebook, IBM e Amazon além de serem algumas das empresas mais valiosas do planeta? Elas criaram ciclos virtuosos de crescimento baseados em dados. A partir de suas plataformas digitais criam conexões entre consumidores e serviços e capturam dados de uso para co-criar continuamente com os usuários. Melhores serviços – agora, como gostaria Parlin, ditados pelos e para os consumidores, que permitem acelerar o aprendizado, melhorar o produto ou serviço e atrair ainda mais consumidores, que ampliam as conexões… Sim, tem um preço, um efeito colateral, o de que nunca fomos tão monitorados. Mas é certo também que nunca estivemos tão no centro do processo criativo de produtos e serviços.
Alguém ainda poderia argumentar que esse ciclo só existe para produtos digitais. Opa! Não! Certamente não! A terceira onda da internet está em plena construção. Já ouviu falar de IoT, certo? Da internet das coisas? No CESAR chamamos de internet de tudo, porque colocou os objetos, todos para dentro, agora tudo está na rede! E está transformando nosso mundo de físico em físico-digital, híbrido! Há quem diga que é figital, de Físico, dIGITal e sociAL. Smartphones, TVs, carros, lâmpadas, portões, câmeras de vigilância e até escovas de dente estão conectados. Entregando dados para plataformas digitais sobre o que fazemos segundo a segundo… E não somente quando estamos conscientemente a usá-las (como ocorre com as plataformas digitais).
É o fim das pesquisas? Talvez, ao menos como as conhecemos! Com a vantagem de o novo modelo ser contínuo, e talvez, algum dia, possibilitar produtos ou serviços que auto-evoluam de acordo com cada consumidor. O tempo dirá!”