Especialistas discutem a gestão de resíduos como diferencial competitivo
Ondas de calor, alagamentos, incêndios e derretimento de geleiras. Os efeitos da agressão ao meio ambiente estão sendo debatidos pelas iniciativas pública e privada há décadas, embora a sustentabilidade tenha se tornado prioridade para a maior parte dos países nos últimos anos devido à aceleração do aquecimento global.
O assunto também está na pauta dos consumidores. A pesquisa Future Consumer Index, da EY, aponta que os impactos ambientais preocupam 64% dos consumidores ao redor do mundo. Entre os brasileiros, o índice é ainda maior: 74%. No Brasil, 35% esperam que as mudanças climáticas piorem nos próximos seis meses. Globalmente, o índice é de 43%. O estudo foi realizado em setembro de 2023 com 21 mil entrevistados de 27 países.
Um fator importante para mitigar o impacto ambiental é a reciclagem, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Anualmente, 81,8 milhões de toneladas de lixo são geradas no Brasil, mas apenas 4% são recicladas, de acordo com a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). A gestão eficaz poderia transformar esses passivos em ativos. Os resíduos de eletrônicos, por exemplo, poderiam gerar cerca de R$ 800 milhões e 40 mil empregos por ano se fossem reciclados, alerta o Movimento Circular e a GM&C.
Embora conte com uma política nacional de resíduos sólidos, o Brasil ainda apresenta altos índices de informalidade e uma complexidade regulatória para certificar agentes autorizados de logística reversa — dois fatores essenciais para gerar créditos de reciclagem e monitorar a sustentabilidade de cadeias produtivas.
Para falar sobre Economia Circular: A Gestão de Resíduos como Diferencial Competitivo, André Vivan de Souza, sócio da área ambiental do Pinheiro Neto Advogados, e Rafael Vinãs, gerente de novos negócios e economia circular da Basf, participaram do terceiro e último episódio da série de podcasts Sustentabilidade, Inovação e Governança – O futuro das regulações ambientais, uma coprodução de MIT Sloan Management Review Brasil e Pinheiro Neto Advogados.
Ao analisar o cenário brasileiro, Viñas afirma que o País gera resíduos per capita em quantidade similar a um país desenvolvido, porém registra taxas de reciclagem e de destinação comparáveis àqueles em desenvolvimento. As barreiras são diversas: “Informalidade na cadeia de logística reversa, falta de investimento em tecnologia e infraestrutura, e falta de atualização de incentivos fiscais e políticas públicas que permitam a exploração da economia circular.”
Ainda assim, o gerente da Basf considera que a América do Sul tem chances de se tornar uma potência verde (green power house), já que a região possui recursos naturais em abundância para o desenvolvimento de soluções com baixa pegada de carbono. Enquanto a matriz energética da América do Sul é 69% renovável, a mundial é apenas 26%, de acordo com pesquisa da Our World in Data. O indicador do Brasil, separadamente, é de 77%.
O Brasil possui diferentes leis para regulamentar a economia circular e a logística reversa, a principal delas é a Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010. Segundo o sócio da Pinheiro Neto, a PNRS estabelece a obrigatoriedade de implementação de sistemas de logística reversa para uma série de produtos, como pneus, pilhas e baterias. “Isso significa que empresas que importam e comercializam esses produtos têm que implementar sistemas que garantam o retorno deles ao setor produtivo”, explica.
O ambiente regulatório ligado ao fomento da economia circular, por outro lado, ainda não se desenvolveu no Brasil. Até o momento, apenas um projeto de lei busca criar normas programáticas para recursos destinados à gestão de cadeias de serviços de produtos sustentáveis. “É pouco prático. Estabelece que novas políticas sejam primeiro desenvolvidas para depois termos algo de concreto”, analisa Souza.
Apesar de o momento ser turbulento, é ideal para avaliação da complexidade e do custo do sistema de economia circular, sugere Viñas. “Vale aproveitar que tantas normas estão sendo revistas para simplificar o sistema e trabalhar mais com metas e resultados, menos com requisitos e operações. Até o poder público pode ser muito onerado com uma regulamentação tão pesada”, avalia.
Independentemente de políticas públicas, Viñas garante ser fundamental dialogar e conectar conhecimentos para identificar oportunidades de negócios. “Se faltar incentivo fiscal, como uma dupla tributação em conteúdo reciclado, como que uma cadeia se organiza para que esse incentivo seja viabilizado? Se faltar capital de investimento para acessar uma tecnologia de reciclagem, como criaremos um pacote que tenha uma taxa de juros mais atraente para o investidor?”, questiona.
Para gerar valor no mercado de sustentabilidade, a empresa também precisa seguir boas práticas de governança e compliance. Souza comenta que, na economia circular, existem três ambientes: o interno, de resíduos industriais; o comercial, de rastreamento de embalagens; e o setorial, que envolve a cooperação e a sinergia entre diferentes atores do segmento. “É difícil gerir o tema de forma individualizada. Ninguém consome uma marca só. Não há viabilidade para você rastrear seus próprios produtos e resíduos e adotar medidas que os canalizem de volta para reciclagem de forma individual. O processo é setorial, é um ambiente de cooperação entre os atores porque eles têm sinergias e problemas em comum”, detalha o advogado.
Imersa nesses três ambientes, a Basf tem metas ambiciosas para as próximas décadas. Até 2050, a empresa busca zerar a emissão líquida de gás efeito estufa de CO2. Além disso, a empresa pretende vender 17 milhões de euros até 2030 em soluções de economia circular. Até 2025, a expectativa é que a multinacional processe 250 mil toneladas de matéria-prima circular globalmente. “Estamos sempre orientados a reduzir a pegada de carbono no portfólio e a aumentar o volume de matéria-prima reciclada e de fonte sustentável”, finaliza Viñas.