15 min de leitura

Começa a era dos relatórios de sustentabilidade mais rigorosos e transparentes

Novas diretrizes para as prestações de contas obrigatórias demandarão das organizações competências e habilidades que apresentem para investidores e outros stakeholders uma visão mais clara sobre o futuro do negócio. Confira orientações

Richard Barker
12 de julho de 2024
Começa a era dos relatórios de sustentabilidade mais rigorosos e transparentes
Este conteúdo pertence à editoria Finanças e ESG Ver mais conteúdos
Link copiado para a área de transferência!

A exigência de informações financeiras mais rigorosas sobre sustentabilidade se aproxima. A era de informativos voluntários inconsistentes está dando espaço à divulgação obrigatória. Mas não veja essa revolução normativa como um simples exercício de conformidade, e, sim, como um movimento essencial para dar maior visibilidade sobre a exposição a riscos e também novas possibilidades no longo prazo, beneficiando tanto os investidores quanto os gestores das organizações.

O movimento no front regulatório foi particularmente ativo em 2023 e deve manter o mesmo ritmo neste ano. O International Sustainability Standards Board (ISSB) emitiu suas primeiras normas globais em junho do ano passado. Dois meses depois, a União Europeia emitiu os European Sustainability Reporting Standards (ESRS), que reúnem as normas de relatório de sustentabilidade que se tornaram obrigatórias para grandes empresas europeias a partir de 1º de janeiro de 2024 e que, oportunamente, vão se aplicar também para empresas internacionais com operações na Europa.

(No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários publicou em outubro a Resolução CVM 193, que sugere, por enquanto de maneira voluntária, para companhias abertas, fundos de investimento e companhias securitizadoras a elaboração e divulgação de relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade com base no padrão internacional do ISSB’Plano de Ação de Finanças Sustentáveis da CVM para 2023-2024 e merece acompanhamento.)

E, no próximo dia 6 de março, o principal regulador de Wall Street – a SEC (a comissão de valores mobiliários americana) – votará sobre a adoção de regras que exigem que empresas listadas na bolsa dos EUA relatem riscos relacionados ao clima, em uma revisão potencialmente importante das regras de prestação de contas no país. A verdade é que a elaboração de relatórios corporativos não mudava tanto desde a criação da SEC, pós-crash do mercado de ações em 1929.

Como os altos executivos e conselhos de administração devem lidar com essas mudanças e tirar vantagens de sua aplicação? Neste artigo, explico por que vale a pena focar nas expectativas dos investidores sobre os relatórios de sustentabilidade para compreender o tema. Sob essa ótica, examinaremos a melhor maneira de navegar pelo cenário em constante evolução da prestação de contas obrigatória.

O que os investidores precisam saber

Investidores em busca de ganhos, seja por meio de crescimento ou de valor duradouro, sabem que as fontes de energia que construíram a economia global não são as que a sustentarão. Portanto, o valor econômico será criado ao atender mercados novos e existentes de maneiras diferentes. Os investidores estão de olho nessas diferentes condições de mercado que se aproximam, em que a sustentabilidade promove resiliência e amplia a capacidade de crescimento.

Investidores inteligentes também sabem que, se o aquecimento global não for desacelerado e se os recursos naturais continuarem sendo esgotados no ritmo atual, a atividade econômica sofrerá. As seguradoras são especialistas em antecipar e gerenciar riscos, e estão à frente do jogo, repensando onde e como fazem negócios. Uma consequência é que os custos das catástrofes relacionadas às mudanças climáticas serão cada vez mais assumidos diretamente pelas empresas e cidadãos privados.

Nos meses de julho e agosto de 2023, moradores de Nova York buscaram refúgio da fumaça dos incêndios florestais canadenses, enquanto a Flórida enfrentava danos crescentes de furacões, o sul dos Estados Unidos registrava temperaturas recordes e o nordeste lidava com enchentes perigosas e destrutivas. Esses eventos são sinais antecipados dos impactos das mudanças climáticas, sinalizando que desafios ainda mais significativos estão por vir.

Em um cenário global, investidores querem saber como você vê o futuro, como planeja enfrentá-lo e o valor que pretende gerar. Os relatórios financeiros atuais não oferecem isso; num mundo disruptivo, investidores não têm como avaliar seus projetos com base na performance anterior. Investir é tomar decisões. A sustentabilidade orienta os retornos.

Assim, não se trata apenas de conformidade ou de registro preciso de entradas e saídas para atendimento das instâncias regulatórias. Muito menos, de relações públicas. É, na verdade, o reconhecimento de que, num mundo afetado por graves problemas sistêmicos, aquilo que é relevante para decisões sólidas de investimento está mudando. Portanto, as prestações de contas devem mudar também.

Como está evoluindo a exigência de relatórios obrigatórios

Para companhias abertas nos Estados Unidos, o principal será seguir as futuras normas da SEC, que devem cobrir as demandas dos investidores sobre ações relacionadas ao clima. No mínimo, essas regras devem exigir dados sobre emissão de gases de efeito-estufa (GEE) pelas operações diretamente controladas pelas companhias (Escopo 1) e seu consumo de eletricidade (Escopo 2). A parte mais complexa, porém, tendem a ser as emissões (Escopo 3), derivadas de toda a cadeia de valor pela qual a empresa obtém resultados, desde o fornecimento de insumos até a distribuição de seus produtos e serviços.

Do ponto de vista de um investidor, as emissões são um fator de risco porque um negócio com alta pegada de carbono é relativamente vulnerável a riscos relacionados à transição. Tais riscos potenciais incluem regulamentações que restringem as vendas de produtos intensivos em carbono (ou os tornam mais caros), a perda de negócios ou empregados para concorrentes com credenciais de sustentabilidade mais fortes e a reduzida disponibilidade de financiamento ou o aumento do custo do capital.

Ao mesmo tempo, uma alta pegada de carbono pode ser vista como uma oportunidade para a transição que reduz esses riscos e, assim, poderia aumentar a avaliação de uma empresa em relação aos seus pares.

É difícil argumentar contra a relevância que os dados sobre emissões significativas têm para os investidores. Isso significa que — caso torne-se obrigatória ou não a divulgação de emissões — as empresas que já gerenciam e reportam esse tipo de dado estão em uma posição mais vantajosa para enfrentar desafios futuros do que aquelas que ainda não o fazem. É esperado que os investidores demandem cada vez mais essa transparência e que as companhias, por sua vez, passem a divulgar essas informações com maior frequência.

No entanto, a preparação para a divulgação obrigatória vai além de acompanhar os requisitos da SEC. Isso ocorre porque outros reguladores possuem alcance extraterritorial e porque o relatório de sustentabilidade é inerentemente global, devido aos supply chains internacionais: os dados são coletados de fornecedores, que por sua vez coletam as informações de seus fornecedores e assim por diante, ao longo da cadeia de suprimentos.

Para uma grande corporação, isso pode facilmente representar dados de milhares de organizações em muitos países diferentes. Consolidar esses dados pode ser um grande desafio se eles não forem coletados e medidos de maneira padronizada. Enquanto isso, os clientes da sua organização estarão exigindo seus dados de sustentabilidade (e você deles, para entender as emissões a jusante). Esses clientes também estarão espalhados por diferentes geografias. Eles podem incluir empresas não listadas e do setor público, porque todas fazem parte da cadeia de valor das empresas listadas. Sua organização não vai querer que cada um deles peça para você medir coisas diferentes, usando diferentes unidades de medida.

Portanto, faz sentido obedecer às normas globais do ISSB, endossadas pela International Organization of Securities Comissions (IOSC). Felizmente, a proposta climática da SEC caminha para estar alinhada à do ISSB, na medida em que aquela “”reconheceu a importância do alinhamento global das regulamentações e estas foram bem aceitas pelo mercado””, segundo afirmou Allison Herren Lee, ex-representante da SEC.

As normas do Sustainability Accounting Standards Board (SASB), já amplamente usadas, fazem parte das normas do ISSB e tanto a Task Force on Climate-Related Financial Disclosures (TCFD) quanto o Fórum Econômico Mundial formalmente igualmente anunciaram que se submeterão às métricas de sustentabilidade do ISSB em nome da padronização.

Enquanto isso, o CDP – a plataforma global de relatórios para mais de 50% do mercado global de capitais, anteriormente chamada de Carbon Disclosure Project – também irá basear sua captação de dados nas normas do ISSB. No geral, há uma clara tendência de que os padrões definidos por ele para relatórios destinados a investidores sejam adotados pelas mais diversas instituições e mercados.

Além disso — embora não seja imediatamente óbvio — o alinhamento voluntário com as práticas globais de relatórios de sustentabilidade influenciará por si só a formulação de regras da SEC. O papel da SEC é ajudar a garantir que os mercados sejam supridos com as informações materiais de que os investidores precisam e fazer isso de uma maneira que passe por um teste de custo-benefício. Quando já existe um consenso em torno da medição e do relatório, os custos de relatar são menores, os benefícios para os investidores são maiores e as informações materiais estão mais prontamente disponíveis.

Como mencionado acima, os líderes empresariais também devem estar atentos ao alcance extraterritorial de algumas regulamentações. No início de setembro, a Califórnia aprovou legislação para exigir divulgações relacionadas ao clima por qualquer empresa externa que faça negócios no estado e gere mais de US$ 1 bilhão em receita anual.

Enquanto isso, a atenção internacional está atualmente focada nos requisitos do ESRS da UE, que são muito mais profundos e amplos do que se espera que sejam os da SEC. Existem 12 padrões, cobrindo uma gama de divulgações ambientais, sociais e de governança em detalhes. E o escopo do ESRS se estende à “”dupla materialidade””, o que significa relatar não apenas para investidores, mas também para todos os outros stakeholders sobre questões materiais para eles.

Sete recomendações para construir seus relatórios

À medida que a obrigatoriedade de relatórios corporativos se expande para incluir questões de sustentabilidade, as seguintes orientações podem ajudar gestores a desenvolver um plano para construir as competências e habilidades necessárias na organização.

Não pare o que já está fazendo. Talvez você já faça relatórios de sustentabilidade aplicando as normas do SASB, do TCFD ou do Global Reporting Initiative (GRI) e/ou relatando ao CDP. Se esse é o seu caso, está no caminho certo. As novas bases de relatórios mais rigorosos serão construídas sobre essas práticas.

Não deixe o perfeito ser inimigo do bom. No âmbito das divulgações voluntárias, o que os investidores querem é o que você pode fornecer razoavelmente. Tenha em mente que os dados de sustentabilidade são indiretamente relevantes. Os investidores não querem saber tanto sobre suas emissões de gases de efeito estufa (GEEs), mas como sua presença afeta as finanças. Para esse fim, uma estimativa razoável das emissões é geralmente suficiente e, utilizando métodos como médias setoriais, não é difícil de conseguir.

Você deve ser cuidadoso ao explicar como chegou a essas estimativas e evitar superestimar a precisão das suas medições. Ampare-se nas cláusulas de proteção, quando aplicável. O que seus investidores definitivamente não querem é ficar sem nenhuma informação, o que daria a impressão de falta de transparência ou de ausência de dados importantes sobre sua empresa. Ambas as situações seriam motivos válidos para os investidores optarem por não investir.

Alinhe-se com a prestação de contas financeiras. Se o seu relatório de sustentabilidade é separado de seus relatórios financeiros e apresentações para investidores, então você está perdendo uma oportunidade. Os investidores querem entender como sua posição e desempenho relacionados à sustentabilidade afetam suas perspectivas financeiras. Quanto mais você puder expressar suas métricas e metas relacionadas à sustentabilidade na linguagem das finanças, melhor. Por exemplo, estabelecer uma meta para alcançar emissões líquidas zero de gases de efeito estufa é uma coisa; já elaborar um plano de transição que detalhe o investimento necessário e oriente os investidores sobre os impactos atuais e futuros nos resultados financeiros é outra completamente diferente.

Foque no clima e esteja pronto para os requisitos da SEC. Concentre-se nas questões climáticas e esteja preparado para as exigências da SEC. Como o clima é o principal tema em sustentabilidade, as emissões são naturalmente o foco das regulamentações da SEC. Se você ainda não está por dentro dos relatórios relacionados ao clima, chegará o momento em que isso será necessário, incluindo estar pronto para auditorias externas dos seus dados. Além disso, focar no clima provavelmente é o melhor ponto de partida para os seus relatórios de sustentabilidade. Isso afeta todas as empresas, as práticas de medição já são relativamente estabelecidas e há um bom entendimento do mercado sobre o assunto.

E se você conseguir fazer um bom relatório climático, terá desenvolvido as habilidades necessárias para a maioria dos demais aspectos dos relatórios de sustentabilidade, como gerenciar relações e sistemas de dados em toda a sua cadeia de valor, além de dominar a arte de converter dados de sustentabilidade em implicações financeiras para análise dos seus investidores. Para construir essa base, será necessário expandir seus sistemas de dados e controle para além de operações diretas, pois o desempenho em sustentabilidade só pode ser plenamente compreendido no contexto da cadeia de valor. Portanto, desenvolva o relatório de emissões de GEE do Escopo 3, independentemente de se tornar uma exigência da SEC. Isso passará a mais simples também à medida que a divulgação dos Escopos 1 e 2 for amplificada.

Aperte os sistemas e controles em toda a sua cadeia de valor. Você deve se preparar para um aumento na influência e controle por parte das áreas financeira e jurídica à medida que os relatórios de sustentabilidade passam de voluntários para obrigatórios, e a responsabilidade por esses relatórios se desloca de setores como comunicação, relações institucionais e equipes dedicadas à sustentabilidade. Essa mudança exigirá padrões mais elevados de qualidade de sistemas e dados, o que provavelmente acarretará custos adicionais. No entanto, mantenha o foco na análise de custo-benefício, considerando tanto os benefícios quanto os custos envolvidos.

Fazer uma comparação com a contabilidade financeira é novamente útil. A função financeira da sua empresa é cara — talvez mais do que deveria. E, quem sabe, poderia ser mais eficiente. Mas, alguém diria que sua empresa estaria melhor sem ela? Sem dúvida, houve resistência quanto aos custos quando a SEC introduziu pela primeira vez os requisitos de divulgação. No entanto, o mundo evoluiu, e os benefícios líquidos da prestação de contas tornaram-se amplamente reconhecidos. O mesmo se aplica aos relatórios de sustentabilidade. Se você construir uma narrativa autêntica de sustentabilidade, os benefícios superarão os custos. Além disso, é importante se manter à frente.

Em um mundo de dados com transmissão por satélite e com inteligência artificial, o desempenho da sua sustentabilidade será cada vez mais monitorado externamente, em vez de ser reportado apenas por você — um cenário no qual a melhor proteção legal e de reputação é manter o controle e ser transparente. Não deixe que a sua história de sustentabilidade seja apenas uma resposta defensiva por não atender às expectativas da sua licença social para operar.

Alinhe-se com as diretrizes global do ISSB (e exija que seu supply chain faça o mesmo). Ainda que suas obrigações regulatórias sejam definidas pela SEC, há poucos motivos para acreditar que o foco dela, voltado para os investidores, se afaste do ISSB. No entanto, há motivos sólidos para esperar que as regulamentações se tornem mais estritas e rápidas em outras grandes jurisdições pelo mundo. Afinal, sua organização atua numa economia global, onde os benefícios das decisões de investimento são ampliados e os custos de coleta de dados confiáveis são reduzidos quando todos adotam os mesmos padrões de medição e divulgação. Alinhar-se ao ISSB é a forma mais eficaz de estar em conformidade com a SEC, além de reduzir custos e melhorar a qualidade dos dados.

– Use os padrões do ISSB como uma linha de base para o ESRS. A diferença fundamental entre o ISSB e o ESRS é que o primeiro exige relatórios para investidores (consistente com a SEC) enquanto o último também exige relatórios sobre questões que são materiais para todos os outros stakeholders.

SE AS OPERAÇÕES da sua organização o levarem ao alcance extraterritorial do ESRS, sua resposta ótima deve ser a seguinte: faça o que você faria de qualquer maneira para relatar nos EUA e globalmente para seus investidores e, então, inclua separadamente as divulgações adicionais exigidas para a conformidade com o ESRS.

Richard Barker
Richard Barker é membro do International Sustainability Standards Board (ISSB), licenciado da Said Business School, da University of Oxford. O artigo expressa suas posições pessoais, não do ISSB.

Deixe um comentário

Você atualizou a sua lista de conteúdos favoritos. Ver conteúdos
aqui