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A utilidade do conhecimento inútil, inclusive no Brasil

“The Usefulness of Useless Knowledge”, de Abraham Flexner, desafia a tendência atual de privilegiar pesquisas aplicadas ao provar que a maioria das inovações surge de pesquisas feitas sem objetivos práticos imediatos

Bruno Stefani
27 de março de 2025
A utilidade do conhecimento inútil, inclusive no Brasil
Este conteúdo pertence à editoria Estratégia e inovação Ver mais conteúdos
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Ontem fui ao evento promovido pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA), da Universidade de São Paulo (USP) que desenvolveu o programa pioneiro GEMA Filantropia (Grupo de Estudos de Modelos de Apoio à Ciência), em parceria com a Fundação José Luiz Egydio Setúbal (FJLES), para estudar e estimular a filantropia em apoio à pesquisa acadêmica.

O encontro teve como palestrante principal Kate Lowry, diretora de estratégia da Science Philanthropy Alliance, organização norte-americana referência no tema, com palestra gravada em inglês e legendada em português.

Participaram como debatedores Vahan Agopyan, secretário de Estado da SCTI-SP, Hugo Aguilaniu, diretor-presidente do Instituto Serrapilheira, e Paulo Artaxo, vice-presidente da Socieda Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), sob moderação do professor sênior do IEA, Marcos Kisil. O evento discutiu o papel da filantropia no financiamento científico, apresentou modelos bem-sucedidos e explorou estratégias para engajar filantropos, fundações, universidades e centros de pesquisa, reunindo filantropos, gestores de fundações, pesquisadores, representantes universitários, investidores sociais e formuladores de políticas públicas.

A ideia central que “The Usefulness of Useless Knowledge” me vendeu é provocativa e contraintuitiva: grande parte do progresso científico e tecnológico essencial à humanidade resulta de pesquisas movidas pela pura curiosidade, sem objetivos práticos imediatos. O livro desafia a tendência atual de privilegiar exclusivamente pesquisas aplicadas e alerta para o perigo de ignorar a pesquisa fundamental. Confirmou, de maneira profunda, minha visão sobre a importância estratégica da pesquisa básica e livre.

Este é um livro curto, porém muito denso em insights, que deve ser lido com atenção e calma, anotando e refletindo sobre suas implicações práticas e filosóficas. Recomendo especialmente para líderes empresariais, cientistas, acadêmicos e formuladores de políticas públicas.

Estrutura e conteúdo do livro

O ensaio clássico de Abraham Flexner, “The Usefulness of Useless Knowledge”, é uma profunda reflexão sobre o papel fundamental da pesquisa científica pura, frequentemente vista como distante das necessidades imediatas da sociedade. Por meio de exemplos históricos convincentes, Flexner ilustra como investigações aparentemente desprovidas de aplicação prática imediata frequentemente se tornam os alicerces de grandes avanços tecnológicos e científicos. Ele argumenta que conhecimentos obtidos a partir de pura curiosidade intelectual, como os fundamentos da física quântica e do eletromagnetismo, acabaram por revolucionar radicalmente nossa sociedade.

Flexner defende vigorosamente o valor intrínseco da pesquisa livre de restrições pragmáticas, enfatizando que o verdadeiro progresso científico frequentemente emerge de perguntas motivadas exclusivamente pela curiosidade humana, sem objetivo prático direto.

Complementando as reflexões originais de Flexner, o ensaio adicional de Robbert Dijkgraaf, intitulado “The World of Tomorrow”, amplia e atualiza as percepções sobre o valor das descobertas científicas ditas “inúteis”. Dijkgraaf traz uma visão contemporânea ao demonstrar como diversos avanços científicos, inicialmente considerados irrelevantes para aplicações práticas, moldaram profundamente a vida moderna e deram origem a tecnologias essenciais ao nosso cotidiano atual, como a internet e os avanços na medicina moderna.

Ele alerta para a importância crítica e urgente de se continuar investindo consistentemente em pesquisa básica. Para Dijkgraaf, é justamente essa pesquisa sem objetivos imediatos que garantirá inovações tecnológicas revolucionárias no futuro, preparando a humanidade para desafios ainda desconhecidos.

Casos notáveis citados

Os autores comprovam que grande parte do progresso científico e tecnológico essencial resulta da pesquisa movida pela curiosidade apresentando diversos casos históricos e exemplos notáveis ao longo do livro. Entre esses exemplos estão:

            1.         Eletromagnetismo (Faraday e Maxwell)

Michael Faraday e James Clerk Maxwell realizaram pesquisas teóricas sem intenções práticas imediatas. Essas pesquisas deram origem a tecnologias que sustentam o mundo moderno, incluindo todas as tecnologias baseadas em eletricidade e comunicação sem fio .

            2.         Teoria da relatividade e GPS (Einstein)

A Teoria da Relatividade de Einstein, formulada em 1905, levou quase um século para ter uma aplicação prática clara: o GPS, que depende diretamente dos cálculos relativísticos para funcionar corretamente .

            3.         Pesquisa quântica e supercondutividade

A pesquisa em física quântica, inicialmente vista como uma atividade puramente especulativa, tornou-se a base de grande parte da economia moderna, com estimativas indicando que 30% do PIB dos EUA depende de invenções possibilitadas pela física quântica .

            4.         Biotecnologia e DNA

A descoberta da estrutura do DNA em 1953, sem finalidade prática imediata, abriu caminho para avanços revolucionários em biotecnologia e saúde, incluindo o projeto Genoma Humano e tecnologias como CRISPR-Cas9 .

            5.         Internet e computação em nuvem

O desenvolvimento da World Wide Web ocorreu como um projeto interno para facilitar a comunicação entre cientistas no CERN, inicialmente sem objetivos comerciais, resultando posteriormente em um impacto econômico global gigantesco Esses exemplos reforçam a tese do livro de que grandes avanços vêm frequentemente de pesquisas motivadas pela curiosidade pura.

Contexto brasileiro

O Brasil enfrenta atualmente um desafio profundo em relação ao papel do conhecimento científico e tecnológico em sua trajetória de desenvolvimento. As reflexões apresentadas por Abraham Flexner e Robbert Dijkgraaf em “The Usefulness of Useless Knowledge” oferecem uma base poderosa para se pensar como o país pode melhor aproveitar seu potencial intelectual para enfrentar desafios críticos, como as mudanças climáticas, segurança alimentar, energia limpa e saúde pública.

Historicamente, o Brasil tem enfrentado dificuldades em alinhar investimento científico puro com a busca por aplicações imediatas. Frequentemente, há uma pressão política e econômica que prioriza resultados práticos rápidos e tangíveis, relegando a pesquisa fundamental a uma posição secundária. Contudo, como enfatiza Flexner, é exatamente a pesquisa aparentemente “inútil”—livre das amarras imediatistas—que gera transformações estruturais profundas e sustentáveis.

Para que o Brasil possa efetivamente avançar e se inserir entre as nações líderes em inovação e conhecimento, é essencial construir uma estratégia nacional que reconheça o valor intrínseco da pesquisa básica, independentemente de sua aplicação prática imediata. Isso implica criar mecanismos de financiamento robustos e estáveis para ciência pura, fortalecer as universidades públicas e instituições de pesquisa, e valorizar o pesquisador como peça-chave na construção do futuro do país.

Robbert Dijkgraaf, por sua vez, alerta sobre a necessidade de se redirecionar talentos e investimentos intelectuais das atividades de curto prazo e superficialidade tecnológica para questões estruturais e globais. No Brasil, isso implica também um desafio cultural: é necessário construir uma consciência coletiva sobre a importância da ciência e tecnologia como pilares do desenvolvimento econômico e social, educando e engajando a sociedade civil sobre como investimentos em pesquisa fundamental hoje garantirão avanços essenciais amanhã.

Não há saída: é importante reconhecer que o futuro brasileiro depende da capacidade de estabelecer uma ponte eficaz entre conhecimento científico profundo e aplicações inovadoras reais. Uma política científica consciente, sustentável e estratégica poderá não apenas posicionar o país como líder em inovação, mas também capacitar o Brasil para enfrentar os desafios mais urgentes do século 21.

Bruno Stefani
Bruno Stefani é fundador da Nerd Partners, consultoria especializada em conectar inovação e pesquisa a negócios consolidados, além de um leitor serial especialista em conectar conhecimento, reflexão e ação. Foi diretor global de inovação da Ambev e líder de inovação aberta no Itaú. É conselheiro de empresas em temas de inovação e professor na Fundação Getulio Vargas, Insper e Fundação Dom Cabral. Integra o conselheiro editorial da MIT SMR Brasil.

1 comentário

  • rrmotta disse:

    Bruno, você fala sobre pontos muito importantes, mas será que filantropia é a solução estrutural para financiar a ciência no Brasil? Será que quando terceirizamos isso para bilionários e fundações privadas, não rola o risco de aprisionar a agenda científica aos interesses de quem tem a grana?

    Acho que a urgência de resultados não é do nada, mas algo que colabora é desmonte do financiamento público que obriga cientistas a justificarem cada centavo investido. E se ao invés de de depender da boa vontade de poucosnós buscassemos um posicionamento e um orçamento científico sólido e contínuo do Estado?

    Até a própria internet que você citano texto, só se tornou possível porque o governo americano investiu décadas em pesquisa fundamental sem esperar retorno imediato, faz sentido? Ciência de ponta precisa de financiamento robusto e estratégico, não só de caridade eventual, concorda?

    E parando pra pensar… a gente quer conhecimento como um bem público ou um sistema onde a ciência e seus resultados dependem só do humor dos mais ricos?

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