
Conflitos por recursos, manipulação digital e disputas geopolíticas inauguram uma nova era de batalhas silenciosas, estratégicas e emocionais
Vivemos um dos momentos mais complexos da história para a tomada de decisões. Em uma sociedade altamente conectada, os acontecimentos se desenrolam em uma velocidade cada vez maior, dificultando o acompanhamento e a compreensão do contexto. Nesse cenário, olhar para o passado e compará-lo com o presente pode ser uma ferramenta útil, ainda que desafiadora, devido à distância temporal e às diferenças entre os eventos.
Embora muitos dos acontecimentos históricos relevantes não tenham sido vivenciados pela maioria das pessoas atualmente vivas, é possível tentar trazer luz às decisões que precisamos tomar hoje. Para isso, podemos recorrer a comparações inusitadas, analisando características inéditas do contexto contemporâneo. Vale ressaltar que o objetivo aqui não é normalizar conflitos, mas sim oferecer uma nova lente para avaliar o presente e buscar futuros desejáveis.
Guerras são reflexos de seu tempo porque estão profundamente enraizadas nos contextos históricos, sociais, políticos e econômicos de sua época. Conflitos globais não surgiram isoladamente, mas como respostas às dinâmicas e às tensões predominantes naqueles períodos.
Somos parte de uma geração que cresceu na paz do pós-Segunda Guerra Mundial, marcada pela Guerra Fria até a queda do Muro de Berlim em 1989. Atualmente, alguns analistas sugerem que estamos vivendo uma Terceira Guerra Mundial. No entanto, essa guerra não se apresenta no formato tradicional de conflitos armados declarados entre nações (guerra quente), nem como um embate ideológico entre grandes potências (guerra fria). Trata-se de uma disputa territorial e comercial com motivações nacionalistas, buscando reposicionar países no cenário global sob o pretexto de justiça histórica.
Guerras mundiais não começam com eventos claros e inquestionáveis; elas surgem por uma coleção de conflitos fragmentados que, posteriormente, são catalogados como períodos de guerra. Aqui, propomos analisar paralelos entre momentos históricos marcantes – como as revoluções industriais – e as guerras mundiais, buscando ampliar a consciência sobre o presente.
A 1ª Revolução Industrial foi marcada pelo pioneirismo britânico e pelo uso de máquinas a vapor em substituição à força física humana ou animal. Esse período trouxe o início da industrialização em larga escala, avanços nos transportes (como ferrovias) e na comunicação (telégrafo), além da transição da manufatura para produtos industrializados.
Por sua vez, a Primeira Guerra Mundial foi caracterizada pelo protagonismo europeu (Império Austro-Húngaro, Alemanha, França e Inglaterra) e pela aplicação de tecnologias industriais no campo de batalha. Máquinas de combate, como metralhadoras e tanques, reduziram os combates corpo a corpo; automóveis foram usados na logística militar; aviões realizaram os primeiros ataques aéreos. Foi a primeira guerra em escala industrial.
A 2ª Revolução Industrial trouxe novas fontes de energia (petróleo e eletricidade), avanços na metalurgia, motores de combustão interna e produção em massa. A industrialização expandiu-se globalmente, incluindo aplicações na saúde.
Já a Segunda Guerra Mundial consolidou-se como um conflito em escala industrial global, envolvendo Aliados (EUA, Reino Unido, França e URSS) contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Novas tecnologias foram usadas: energia atômica em armamentos devastadores, motores a jato para aviões e materiais como alumínio. Foi um conflito geograficamente amplo com impactos tecnológicos duradouros.
A 3ª Revolução Industrial é conhecida como a revolução da informação. Marcada pelo surgimento dos computadores e pela digitalização dos processos produtivos, trouxe automação à indústria, avanços na biotecnologia e engenharia genética. Nesse período, o capitalismo consolidou-se como modelo econômico dominante.
A Guerra Fria, por outro lado, foi um conflito latente entre EUA (capitalismo) e URSS (socialismo), sem confrontos bélicos diretos devido ao risco nuclear. Tecnologias avançadas foram usadas em espionagem e controle estratégico global.
As quartas e quintas Revoluções Industriais representam uma fusão tecnológica entre os mundos físico, digital e biológico. No contexto atual, essas revoluções moldam nossa realidade física e virtual. A fusão entre “eu físico” e “eu digital” está materializada em dispositivos como celulares ou automóveis conectados.
Características da Quarta Revolução Industrial
• Convergência tecnológica: integração de IA, IoT, robótica avançada, impressão 3D, biotecnologia.
• Automação avançada: sistemas autônomos altamente eficientes.
• Digitalização: uso intensivo de big data, computação em nuvem e blockchain.
• Sustentabilidade: energias renováveis como solar e eólica.
• Impactos sociais: desafios como desemprego tecnológico e privacidade de dados.
Características da Quinta Revolução Industrial
• Colaboração humano-máquina: robôs colaborativos combinando criatividade humana com eficiência tecnológica.
• Foco no bem-estar humano: produção hiperpersonalizada com atenção à sustentabilidade.
• Inovação contínua: alinhamento entre avanços tecnológicos e impacto social positivo.
Embora não haja consenso sobre sua existência, alguns analistas apontam para uma nova forma de conflito híbrido: guerras por recursos naturais (petróleo, gás ou terras raras) combinadas com disputas tecnológicas por poder global. Exemplos incluem, além da invasão da Ucrânia, as tensões sobre Taiwan, grande produtora de processadores e semicondutores e os conflitos no Oriente Médio
Além disso, vivemos uma nova “Guerra Fria”, desta vez baseada em narrativas digitais: fake news, deepfakes e manipulação emocional nas redes sociais transformaram as emoções humanas em armas estratégicas.
Bilhões participam dessa disputa global sem perceber totalmente seu impacto. Disputas territoriais podem ocorrer sem a necessidade de movimentação de exércitos, bastando a desestabilização política de um país por meio da provocação de suas lideranças de outro país.
Esse mesmo método pode ser empregado para influenciar o comércio internacional, causando impactos significativos nas cadeias de suprimentos, que hoje são altamente interconectadas, abalando a confiança entre parceiros.
Trata-se, portanto, de uma guerra híbrida. Quente e, ao mesmo tempo, fria. E que definitivamente, marca o encerramento da paz do pós-Segunda Guerra Mundial.
A guerra hoje não é apenas no campo de batalha; ela acontece também nas mentes das pessoas. Assim como líquidos se moldam ao recipiente sem questionar sua forma, as pessoas adaptam-se às circunstâncias sem perceberem sua influência total.
Os paralelos traçados neste texto possuem simplificações inevitáveis diante da complexidade histórica. No entanto, eles oferecem uma perspectiva útil para compreender nosso momento atual. Observar o contexto presente pode nos ajudar a identificar indícios de futuros possíveis – afinal, o futuro não é algo que simplesmente acontece; ele é construído por nossas ações no presente.
Neste artigo, abordamos períodos de guerras. No entanto, um dos pilares da 5ª Revolução Industrial é o compromisso com a sustentabilidade, promovendo um alinhamento entre os avanços tecnológicos e o impacto social positivo. Com essa perspectiva, podemos imaginar um futuro em que a paz seja construída sob essa visão transformadora. Somos reflexo do nosso tempo, tanto no presente quanto no futuro.
*Artigo escrito com a colaboração de Renato Jannuzzi Cecchettini. JJannuzzi é consultor na Inova Consulting, conselheiro TrendsInnovation e professor na Unità Faculdade e na Inova Business School.