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Salários: a nova economia prevê abertura ampla, total e irrestrita?

Pesquisa inédita do Talenses Group, em parceria com a FGV-Eaesp e com o apoio da Talent.com, mostra que a maioria dos brasileiros apoia a visibilidade aos salários, pois serviria para combater a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Saiba como as empresas brasileiras podem se preparar para esta nova era

Paul Ferreira, Luiz Valente e Tiago Molon
30 de julho de 2024
Salários: a nova economia prevê abertura ampla, total e irrestrita?
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Transparência salarial não é assunto novo, ainda mais se olharmos para fora do Brasil. No Canadá, pioneiro do tema, há leis a respeito desde 1996. Nos Estados Unidos, a legislação protege desde 2004 quem decide perguntar o salário de colegas. Em 2023, leis semelhantes à canadense entraram em vigor nos estados da Califórnia e de Washington, alguns anos depois de Colorado e Nova York.

Quais os efeitos práticos da medida? Um estudo conduzido por economistas da University of Toronto encontrou evidências de que a lei reduziu a disparidade de salários entre homens e mulheres em 30%. O problema é que o nivelamento ocorreu muitas vezes por baixo: o salário médio dos profissionais analisados na pesquisa (professores universitários) caiu. Maior transparência salarial é um desejo recorrente em vários países, mas não se sabe se as consequências serão sempre positivas.

No Brasil, País extremamente diverso, a discussão sobre a abertura de ganhos individuais vem atrelada não só à desigualdade de gênero como também à falta de oportunidades para grupos minorizados no ambiente de trabalho. O Projeto de Lei 1149/22, do deputado Alexandre Frota, está em trâmite no Congresso. Seu objetivo é tornar obrigatório que os empregadores divulguem a faixa salarial e os requisitos necessários para o preenchimento de vagas em oferta.

Brasileiros querem mais transparência

Em nossa pesquisa sobre transparência salarial, apenas 5% dos entrevistados se mostraram contrários ao projeto. O apoio foi massivo entre mulheres e homens, de diferentes gerações e em todas as regiões do País. Isso provavelmente reflete uma percepção majoritária: 75% dos respondentes não acreditam que as empresas sejam transparentes sobre salário e defendem que aparelhos legais deveriam impor a divulgação dos pagamentos em uma vaga de emprego.

O conceito de discriminação salarial diz respeito a situações em que dois ou mais indivíduos com as mesmas características produtivas (experiência de trabalho e capacidade técnica) realizam trabalhos semelhantes e são remunerados de forma diferente. Nossa pesquisa revelou que 61% das mulheres já sofreram essa discriminação, enquanto a taxa entre homens é de 49%. O desequilíbrio também se estende a grupos minoritários, reforçando a importância de mecanismos que promovam a igualdade e a justiça salarial. Portanto, a transparência de ganhos é ferramenta fundamental na busca por uma sociedade mais justa e equitativa.

A redução de disparidade de gênero é vista como a consequência mais direta da medida. No Brasil, segundo o IBGE, uma mulher ganha 78% dos rendimentos de um homem. Mulheres pretas ou pardas recebem apenas 46% do que homens brancos. É uma situação que jamais foi boa, mas que piorou na última década: em 2013, o Brasil era o 62º país com a maior desigualdade de gênero, segundo o Fórum Econômico Mundial. Em 2022, caiu para 94º, em uma lista com 146 países.

É um debate quente e universal. A maioria dos programas governamentais nesse contexto direciona a atenção especialmente para a questão da desigualdade salarial entre gêneros. Recentemente, a União Europeia emitiu uma diretiva instando os países-membros a estabelecerem mecanismos que reduzam a disparidade salarial entre homens e mulheres. Não é por falta de legislação. Segundo o Banco Mundial, 97 países têm leis específicas a respeito da paridade salarial.

Desafios e complexidades

Reduzir a disparidade é urgente, e a maioria dos entrevistados acredita que a lei será útil para isso. Mas não só. Eles também creem que outros segmentos possam ser beneficiados, como grupos minoritários ou jovens. Outra melhoria estaria nas próprias candidaturas a vagas de emprego, que seriam mais honestas. Mas é uma questão complexa, em que nem tudo fica mais transparente. Na Alemanha, desde 2017 as empresas com mais de 500 funcionários são obrigadas a publicar periodicamente as diferenças salariais entre gêneros. A lei foi pouco efetiva, porque mesmo com esses dados era difícil uma pessoa comprovar, diante de um juiz, que sofreu discriminação salarial. Então, em 2021, os tribunais passaram a atribuir às empresas o peso de comprovar que os funcionários que entraram com processo não são vítimas de discriminação salarial. No Canadá, uma nova lei, promulgada em 2021, proíbe as empresas de perguntar sobre histórico salarial de candidatos, pune empregados que discutirem seus salários entre si no ambiente de trabalho e, por outro lado, obriga a divulgação de salários juntamente com as vagas de emprego. A ideia é que as organizações não baseiem o salário de um possível novo funcionário no quanto ele ganhava em outros empregos, o que lhes daria mais poderes para pagar menos. Já colegas não podem discutir sobre salário no ambiente de trabalho porque isso criaria um ambiente tóxico.

Essa complexidade se reflete nas possíveis consequências que os próprios entrevistados enxergam. Mais de 50% deles concordam que a transparência salarial é uma prática positiva e fundamental, mas eles entendem que isso pode trazer alguns empecilhos. Funcionários que se sentem injustiçados ao ver a remuneração de colegas tendem a diminuir sua produtividade. Um estudo divulgado pelo National Bureau of Economic Research, dos EUA, diz que conversas sobre aumento salarial ficariam mais engessadas, e a favor do empregador, porque as empresas tenderiam a usar o argumento das “mãos atadas”, ou seja, se negociassem com um funcionário, teriam de negociar com todos.

Existem dúvidas válidas sobre a implementação da transparência salarial, como ela será feita e o que significará, por exemplo, quanto a rendas diferentes, entre outros critérios. As pessoas parecem esperar aumento de remuneração, mas não seria algo para todos. Dependendo de como for feito, como indicado pelos estudos no exterior, uma redução salarial pode ser a nova realidade. Será que todo mundo está pronto para isso?

Em todo caso, a falta de transparência se tornou algo cultural do ambiente de trabalho. Ao serem indagados se ficariam confortáveis para falar sobre salário com os colegas, apenas 30% dos entrevistados disseram que sim. Entre amigos e família, mesmo existindo alguma resistência, as pessoas se demonstram mais abertas. Por quê? Existem alguns motivos.

Hierarquia

Ao analisar a resistência ou a facilidade em discutir o salário no ambiente de trabalho, percebemos uma tendência. Funcionários da base são os mais confortáveis: apenas 20% discordam da ideia, enquanto os gerentes demonstram maior nível de desconforto, com 32%. Esse fenômeno provavelmente reflete o receio dos gerentes de que a divulgação de salários possa afetar o ambiente de trabalho. Não ocorre com a alta liderança, que não lida diretamente com os colaboradores e, portanto, tem menos inibição em mostrar os salários. Logo, a hierarquia é um dos desafios a se enfrentar. Líderes devem ser proativos com potenciais receios, inquietações e frustrações que surjam no processo.

Renda

Quando se observa a discussão de salários e o próprio nível salarial, fica claro que existe uma relação. Aqueles que estão na faixa acima de R$ 35 mil e os que sobrevivem com um salário mínimo (R$ 1.320) são os que se sentem mais desconfortáveis em compartilhar. Os que ficariam menos desconfortáveis são justamente os que estão no meio dos sete níveis analisados, com salários entre R$ 5 mil e R$ 10 mil mensais. É simples de entender. Provavelmente aqueles mais perto do salário mínimo não gostam de se comparar aos colegas que ganham mais, assim como os que estão no topo da pirâmide têm receio do incômodo que podem gerar entre colegas e subalternos.

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Idade

A percepção sobre o tema varia conforme a idade dos entrevistados. Identificamos, por exemplo, que membros da geração Y demonstram maior dificuldade em abordar o tópico, tendência também observada em pesquisas realizadas em países como o Reino Unido. Isso talvez se explique porque esta é a geração mais nova dentre as que representam a época em que transparência salarial não era uma pauta discutida. Aqueles nascidos nos anos 1980 e 1990 chegaram ao mercado de trabalho sem a mesma percepção do tema que os mais jovens, enquanto os mais velhos, mesmo que também sejam de um tempo em que não se falava disso, têm mais bagagem, repertório e propensão a começar a discutir o assunto. Esses resultados destacam a complexidade de promover a transparência em ambientes de trabalho diversos.

Por fim, os resultados mostram que a aprovação sobre a necessidade de maior transparência pode aparentar ser maior do que realmente é. Com base na análise de nossas perguntas, podemos perceber que mais da metade dos respondentes não concorda que se sentiria confortável se os colegas soubessem seu salário. Ao mesmo tempo, 83% dos entrevistados acreditam que isso seja uma coisa boa. Ou seja, é muito interessante falar sobre transparência salarial, mas que tal começar revelando seu salário aos colegas? Há certa desconexão entre aprovar a ideia e perceber os efeitos que ela teria no dia a dia.

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Como empresas brasileiras podem implementar a transparência salarial
Cinco passos para introduzir a prática sem maiores percalços

No Brasil, um dos maiores desafios seria o setor informal. Pessoas que trabalham como freelancer, que às vezes podem ser diretamente comparadas a funcionários CLT, podem ter ganhos bem diferentes. É uma incógnita se potenciais leis vão englobá-las. É importante frisar também o quanto diferentes ambientes vão ser afetados. Por exemplo, setores de serviços muitas vezes têm ganhos ligados a comissões ou bônus. Embora sejam mecanismos mais meritocráticos, sua divulgação, ou a abertura de como são calculados, pode trazer questionamentos e desconforto no ambiente. De modo geral, todas as empresas deveriam seguir estes cinco passos:

1. Comunicação clara. Uma comunicação eficaz é essencial. A empresa deve explicar as razões por trás da adoção da transparência salarial e como isso beneficiará os funcionários e a organização como um todo.
2. Políticas transparentes. Desenvolver políticas claras e transparentes para a divulgação de informações salariais, garantindo que os critérios e métricas sejam facilmente compreensíveis.
3. Igualdade de gênero. Focar a eliminação da disparidade salarial de gênero, que parece ser a maior prioridade desses programas ao redor do mundo. Homens e mulheres devem receber salários equitativos para funções equivalentes.
4. Sensibilização. Oferecer treinamento e programas de sensibilização para gerentes e funcionários, a fim de diminuir os medos em relação ao salário dos colegas e a inevitável comparação que surgirá.
5. Promoção da cultura da real meritocracia. A cultura de algumas empresas precisará ser remodelada para encaixar a transparência salarial. O esforço deve ser mais valorizado que relações ou interesses.

O assunto é, de fato, mais complexo do que parece. A transparência salarial forçaria as empresas a ser mais justas e a levar mais a sério performances mensuráveis. Mas, em uma série de carreiras, há uma porção de características e qualidades que podem não ser tão fáceis de medir e, consequentemente, traduzir em pagamento, como cooperação e mentoria. Aquele funcionário ficou até muito mais tarde no escritório porque se enrolou em uma entrega ou porque se solidarizou com um colega sobrecarregado? Todos os dias acontecem minúcias do tipo.

Um estudo, publicado em 2022 no Journal of Economic Behavior & Organization, sobre a transparência salarial na NHS, a Liga Nacional de Hóquei dos EUA, mostrou que os salários são determinados, em grande medida, pelas performances ofensivas dos jogadores. Afinal, é teoricamente mais fácil quantificar gols e assistências do que as qualidades e dificuldades enfrentadas na defesa. Não é muito diferente do futebol, em que jogadores do meio e do ataque têm, historicamente, os maiores salários. Mas a pesquisa mostrou que os rendimentos estão atrelados diretamente a essas estatísticas. Quando os atletas tomaram conhecimento disso, algo mudou. As performances de ataque melhoraram e as de defesa pioraram. Como consequência, o nível técnico do campeonato como um todo caiu. Se os funcionários de uma empresa que prega a transparência salarial sabem o que é mais levado em conta (e o que não é) na hora de pedir aumento, eles tenderão a se comportar como os jogadores de hóquei. Todo mundo no ataque, e a defesa ao deus-dará.

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De maneira geral, ao analisar a pesquisa e o panorama fora do Brasil, podemos visualizar um cenário com certos níveis para a transparência salarial. Mais perto da superfície, existe a divulgação de salários fixos na oferta de vagas de emprego, o que aparenta ser o caminho mais seguido ao redor do mundo. Outros níveis tratam da equidade de gênero e, em um posterior momento, da mudança cultural da empresa.

A TRANSPARÊNCIA SALARIAL, embora ofereça inegáveis benefícios, também apresenta desafios que não podem ser ignorados. A pesquisa evidenciou um receio entre os gerentes, que lidam diretamente com os colaboradores, quanto ao conhecimento dos salários de seus superiores, o que pode resultar em insatisfação e prejudicar o relacionamento da equipe. É algo para se debater extensivamente, a fim de ultrapassar uma cultura que por anos deu à empresa superpoderes sobre decisões salariais. A busca por equilíbrio entre a transparência e a privacidade salarial é essencial, e a implementação bem planejada desse conceito pode transformar positivamente o ambiente de trabalho e a sociedade como um todo. Caso contrário, teremos ambientes estressantes onde só se fala de dinheiro, e não de produtividade, objetivos, propósitos, cultura, clima e outros pontos que também fazem parte do dia a dia do trabalho.

Metodologia da pesquisa
Quase 900 pessoas, ocupando cargos variados, participaram do estudo

A pesquisa foi uma iniciativa do Talenses Group, feita em parceria com a FGV-Eaesp e o apoio da Talent.com, e contou com uma amostra de 887 respondentes, sendo 455 homens e 431 mulheres (uma pessoa não se identificou). Considerando as gerações, a amostra ficou dividida entre 40% da geração Y, 30% da Z, 26% da X, e 4% representando os baby boomers. Os respondentes eram predominantemente do Sudeste (85%) e ocupavam cargos variados, entre diretores, gerentes, coordenadores, analistas e especialistas.

A pesquisa utilizou método estatístico e escala Likert. O questionário continha perguntas para análise de frases que buscavam entender aspectos como a percepção sobre quanto as empresas são transparentes com salário, o quanto isso é importante ao colaborador, os benefícios mais desejados, se as pessoas teriam abertura a divulgar seus salários e se acreditam que transparência salarial teria impacto positivo.

Artigo publicado na MIT Sloan Management Review Brasil nº 18.

Paul Ferreira, Luiz Valente e Tiago Molon
Paul Ferreira é professor de estratégia e liderança da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV-Eaesp). Luiz Valente é fundador, sócio-gerente e CEO do Talenses Group, com mais de 20 anos de experiência em business consulting e executive search. Tiago Molon é pesquisador do Núcleo de Estudos em Organizações e Pessoas da FGV-Eaesp (FGVNeop).

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