Entenda o que vem realmente pesando para as mulheres profissionais de qualquer setor ou senioridade e que vai pesar ainda mais na retomada. Conscientização e três medidas práticas podem evitar (ou mitigar) retrocessos
“We should go ahead and call this a ‘shecession’.”C. Nicole Mason, presidente e diretora-executiva do Institute for Women’s Policy Research
A palavra “shecession” apareceu no The New York Times pela primeira vez em seus quase 170 anos de publicação em 2020. E isso tem fundamento. Só nos EUA, as mulheres representam 55% das pessoas que estão buscando uma nova oportunidade, após perderem seu trabalho devido à crise gerada pelo novo coronavírus. Por lá, a taxa de desemprego é cerca de 2% mais alta do que a dos homens e se olhamos para as mulheres negras a diferença pode chegar a 20%.
No Brasil, a pandemia já deixou 7 milhões de mulheres fora do mercado de trabalho até o momento (2 milhões a mais que homens) e o cenário não é nada promissor para os próximos meses. Com o número de mortes mantendo-se nos valores atuais e com a incapacidade de garantir segurança ao retorno das atividades econômicas, ainda assistiremos efeitos significativos sobre a carreira e a sobrevivência econômica das nossas profissionais.
Um dos motivos desse reflexo maior no desemprego feminino está ligado aos tipos de indústria que mais foram afetadas por essa crise. Setores como turismo, varejo e eventos, onde podemos encontrar muitas mulheres atuando, foram duramente impactados pelo isolamento social.
Ao mesmo tempo, a indústria de tecnologia teve crescimento em lucro e demanda de profissionais. Porém, como sabemos, as mulheres não estão surfando essa onda ainda; não são nem metade dos profissionais nesse setor ou, pior, não são nem metade dos profissionais que buscam alguma qualificação em tecnologia. Poucas são as meninas e mulheres que se inscrevem nos programas voltados à tecnologia e programação e a equiparação de gênero nesses cursos faz muita diferença, pois se elas não se inscrevem, não concorrem. E se não concorrem, não são aprovadas.
Agora, vamos falar sobre o que vem realmente pesando para as mulheres profissionais de qualquer setor ou senioridade? É o acúmulo de tarefas domésticas e o fechamento das escolas. Se, antes da pandemia, as mulheres já passavam em média 18,4 horas semanais fazendo tarefas domésticas e familiares quantos os homens passavam 10,4 horas, após o fechamento das escolas esse número subiu radicalmente.
Elas geralmente se encarregam mais das tarefas relacionadas a limpeza, alimentação e cuidado com familiares, enquanto os homens fazem compras, pagam contas e realizam pequenos reparos na casa. A questão é que a semana das mulheres inclui no mínimo oito horas a mais que a semana dos homens só para essas tarefas, e isso tem um efeito devastador sobre a produtividade delas.
A expectativa de que as mulheres cuidem mais da casa e dos filhos é exacerbada pela disparidade salarial entre homens e mulheres. Afinal, se um dos parceiros precisa parar de trabalhar, é financeiramente lógico que a pessoa que ganha menos faça mais concessões. Além da desigualdade salarial de gênero (quando um homem ganha mais que uma mulher para fazer a mesma função, na mesma posição e na mesma organização), há também o abismo salarial entre os gêneros (quando a média dos salários pagos por uma organização aos seus trabalhadores homens é maior que a média salarial das mulheres).
No Brasil o abismo salarial entre os gêneros é de 25%, ou seja, para cada real que um homem recebe, uma mulher recebe R$ 0,75. Isso se dá, principalmente, porque os cargos mais bem pagos nessas empresas e organizações são ocupados por homens – ou seja, há mais homens em posições de alta direção que mulheres.
A pressão para que as mulheres demorem mais a retornar ou mesmo fiquem fora do escritório não virá apenas de casa. Nós seremos encorajadas a nos adaptarmos e a fazermos concessões para dar conta do recado com os filhos e a casa, enquanto nossos colegas do sexo masculino sofrerão pressão para estarem no escritório com mais frequência.
Afinal, um pai de família deve ser o provedor da prole e tomar riscos para garantir o futuro das próximas gerações. Enquanto escrevo isso, me vem a cabeça a imagem de um neandertal caçando enquanto sua esposa permanece na caverna cuidando dos filhos e coletando frutas. Patético achar que esse modelo pode ser replicável em 2020.
Mas, se tudo isso vai acontecer e alguns fatos são inevitáveis, o que as mulheres profissionais podem fazer?
Antes de tudo, ter consciência sobre o desgaste emocional e a ansiedade causada pelo mar de incertezas sobre o futuro, pode te ajudar a traçar estratégias ao invés de negar os riscos.
Acreditar que é só uma redução de salário, e agradecer porque não perdeu o emprego, são coisas que podem te manter na inércia. Estar em alerta em um estado de medo constante é exaustivo demais para qualquer um e, aliando a isso o isolamento social, o resultado pode ser catastrófico. O primeiro passo de conscientizar-se e aceitar o que pode acontecer realmente com seu emprego, portanto, é como despertar dessa dormência induzida e se adiantar para possíveis adversidades.
Outra dica importante é conhecer o terreno onde você está pisando. Esteja conectada com sua liderança e entenda como está a saúde financeira da sua empresa. Mantenha-se informada de como os planos de negócios foram afetados e quais serão as estratégias de sobrevivência de longo prazo.
E a terceira dica é uma dica de vida, mas, neste momento, mais que nunca fundamental. Cuide da sua saúde financeira. Trocar de carro é realmente imprescindível agora? Será que é o momento certo de investir naquela reforma na casa que você vinha deixando de lado há anos e qua agora que você está 24 horas por dia dentro de casa, só fica planejando em como mudar ou decorar os ambientes?
Que tal, em vez disso, avaliar seus conhecimentos e habilidades e ver se você precisa de um update, caso tenha que encarar um novo desafio profissional em breve? Conhecimento é poder, principalmente quando a oferta de profissionais qualificados disponíveis no mercado, só aumenta.
Não espere ter que buscar um novo trabalho para atualizar seu currículo ou manter ativa a sua rede de relacionamentos. Minha amiga Lisiane Lemos compartilhou provocações outro dia no LinkedIn e que aproveito o espaço para reforçar aqui. Se uma recrutadora te chamar no privado neste minuto e pedir seu currículo, você tem ele bonitinho? Se você perder seu emprego, quem são as primeiras 5 pessoas que você vai ligar e pedir ajuda? Anota num caderninho e mantenha sempre atualizado.
Aprendemos a reconhecer que é possível manter produtividade com flexibilidade e home office. Agora é a hora de perceber que a diversidade, a igualdade de gênero na remuneração, as licenças familiares e as responsabilidades pelos cuidados infantis não são opcionais e sim essenciais nessa nova realidade. Dar o suporte necessário para que pais e mães que trabalham na sua empresa possam equilibrar suas responsabilidade profissionais e familiares não é bom apenas para as mulheres, mas para a sociedade e para a sustentabilidade dos negócios. Além disso, milhares de estudos já mostraram que empresas com equipes diversas geram maiores receitas e promovem a inovação – atributos que se mostram cruciais para que as empresas saiam da crise com sucesso.”