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Tendências no marketing: alavanca de negócios ou mero modismo

Se por um lado elas encantam, de outro, podem oferecer riscos se forem adotadas indiscriminadamente 

Ulisses Zamboni
Tendências no marketing: alavanca de negócios ou mero modismo
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De tempos em tempos, relembro aos meus alunos de negócios e aos profissionais para os quais dou mentoria que é muito bom rir de si mesmo de vez em quando, não só pelas memórias das nossas escorregadas pessoais, mas também pelos equívocos profissionais. Quer dizer, só se o erro não tiver causado um tremendo estrago no P&L ou custado sua posição. 

Informação é o que não falta para gestores e altos executivos de marketing. De dashboards a relatórios de social listening, os instrumentos de navegação de mercado que fazem o marqueteiro se orientar são muito precisos, concorda?

Mas não posso dizer o mesmo dos relatórios de tendências e de futuro dos negócios para estratégias de curto e médio prazos.  

Não estou falando dos relatórios do Gartner Hype Cycle, por exemplo, que prevê e identifica as tecnologias emergentes para os próximos anos. Também não me refiro ao estudo da Forrester’s TechRadar, que analisa, com base em dados, os impactos das novas tecnologias na mitigação de riscos. 

Neste artigo, quero provocar uma reflexão sobre os relatórios anuais de futurismo e tendências nos negócios elaborados pelos ditos gurus da sociologia, antropologia e da tecnologia que têm cadeiras nas grandes empresas de tendências (ou até mesmo os independentes). E aí está o perigo.

Entre as tendências e as necessidades da marca

Kate Anketill, Andrea Bell, Lee Peterson, Amy Webb e tantos outros futuristas e analistas de tendências têm aparecido em megaeventos todos os anos com as ideias mais instigantes sobre negócios e pessoas. Com a eloquência de quem descobriu a chave do sucesso definitivo para os mortais do marketing e da comunicação, esses gurus adquirem dimensões messiânicas com seus baldes de informações novas e surpreendentes. É puro prazer filosófico para profissionais do marketing. 

É delicioso estar em uma plateia vibrante a ávida assim, não é? O desafio surge quando voltamos para casa e percebemos que aquela informação que tanto nos encantou pode rapidamente esvaziar todo o orçamento de marketing da empresa. Pior ainda, pode desviar a atenção das estratégias para uma (nova) proposta de valor que, apesar de estar “na moda”, pode ser inadequada para a marca e para o próprio usuário no curto prazo.

Essa esticada de corda que os palestrantes dão nas suas apresentações para fazer valer seus axiomas contemporâneos são quase sempre inexequíveis a curto prazo. Trazem riscos que nem sempre ficam claros em meio aos slides. 

Ainda assim, pequenas lascas daquele enorme iceberg de futuro apresentado podem, sim, fazer diferença na estratégia imediata de negócios. Diga-se de passagem, uma das construções axiomáticas do marketing mais duradouras — e que se provou correta ao longo do tempo — foi a de Simon Sinek sobre a contemporaneidade exigir propósito das pessoas e dos negócios, o que levou as empresas a adotarem uma alavanca sustentável para não ficarem fadadas ao túmulo. 

Essa abordagem de futuro empresarial está presente e atuante no mundo todo há mais de 15 anos. Mas fica a pergunta: todas as empresas de sucesso têm hoje um propósito claro? Não. 

Por mais modernas que desejem ser, organizações são entidades funcionais e vivas, com um tempo que em geral é lento. Vejo, com recorrência, um claro descompasso de velocidades entre a equipe de marketing e a da companhia, atropelando oportunidades de adoção de tendências, tornando o assunto doloroso e às vezes impossível de efetivar. 

Perceba: a empresa não é lenta porque quer, mas porque tem que respeitar a velocidade dos stakeholders. É um risco sempre muito grande no mundo tão competitivo em que vivemos. Por outro lado, e como já mencionado aqui, nada impede que pedacinhos de inovação e de tendências sejam inoculados na companhia no curto prazo para efeitos positivos no longo. 

OS “ISMOS” DO MARKETING MODERNO

Adotar uma tendência no momento em que ela aponta no horizonte é uma atitude de alto risco empresarial. Mas o impulso muitas vezes é maior. 

Atirem a primeira pedra aqueles do marketing e da comunicação que não são acometidos da síndrome do sufixo “ismo”. Somos tentados a isso a uma velocidade assustadora.

A seguir, apresento alguns exemplos de “ismos” do marketing de tendências (sociais ou tecnológicas) mais recentes. Eles apareceram e arrefeceram até que rápido. Prometiam ser a resposta definitiva para conversão em vendas, persuasão, construção de marca e de pontes entre marcas e pessoas.  

“Metaversismo”

A ideia de que as marcas precisavam ter uma presença marcante no metaverso, com mundos e experiências virtuais, já foi anunciada como o futuro. No entanto, o excesso de investimento e o entusiasmo sem retornos claros fizeram com que muitas empresas abandonassem a estratégia.

“Gamificationismo”

A gamificação, ou adição de elementos semelhantes a jogos em contextos não relacionados a eles, foi vista como uma ferramenta essencial para aumentar o engajamento e a lealdade. Mas, usada em excesso e muitas vezes mal implementada, a estratégia levou à fadiga e ao ceticismo dos consumidores.

“QR-codeísmo”

Houve um período em que os códigos QR foram considerados revolucionários para vincular produtos físicos a conteúdo digital. Eles estavam em tudo, desde outdoors até embalagens de produtos, mas a resistência do consumidor em digitalizá-los e a má integração diminuíram sua força. Agora, parecem estar ressurgindo.

“Chatbotismo”

A ascensão dos chatbots, especialmente como uma solução de atendimento ao cliente baseada em IA, levou as empresas a superestimar a eficácia das respostas automatizadas. Embora alguns deles funcionem bem para consultas simples, muitos não conseguem fornecer o toque humano, levando à frustração e ao abandono tanto por parte das marcas como dos consumidores.

DEI: tendência social que virou política empresarial

O DEI (diversidade, equidade e inclusão) talvez pudesse ter caído na bacia dos “ismos” que nos cansaram, mas essa iniciativa vem se mostrando melhor do que as outras. A abordagem tem gerado controvérsias nas empresas, especialmente em relação ao movimento “woke” (termo usado nos EUA por quem defende causas em prol da igualdade de gênero e racial, muitas vezes empregado depreciativamente por setores mais conservadores) que defende sua implementação “a qualquer custo”.

Originado nos Estados Unidos como tendência social em 1961 em resposta aos movimentos de direitos civis, depois transformado pelo presidente americano John F. Kennedy em plano de ação nos projetos de ação afirmativa, o tema DEI ganhou nova escala na última década. É de domínio público que políticas afirmativas dentro das empresas são foco de discussões acaloradas, seja pela sua obrigatoriedade a um alto custo nominal ou pelo custo da perspectiva ideológica em nível imagético. 

A pressão progressista para adoção dessa política confinou o DEI ao ditado “go woke, go broke” (algo como “lacrou, quebrou”, em tradução livre), que virou uma espécie de desculpa para alguns empreendedores não a adotarem. Essa visão é reforçada pela mídia conservadora nos Estados Unidos. 

A ONU Mulheres decidiu analisar a suposta relação entre promover a equidade e a inclusão e a má saúde dos negócios, explicitada na expressão. Por meio do grupo de negócios Unstereotype Alliance, a entidade encomendou uma pesquisa para a Escola de Negócios da Universisity of Oxford e colheu resultados interessantes sobre ROI com o tema. 

Tida como a primeira pesquisa sobre o assunto, o estudo reuniu uma base de dados invejável. Baseado na análise de campanhas chamadas “inclusivas” de 392 marcas em 58 países, a pesquisa indica impacto de quase 3,5% nas vendas de curto prazo e de mais de 16% no longo prazo para marcas que adotam ações afirmativas na comunicação.    

Campanhas inclusivas tendem a persuadir 62% dos compradores na escolha de um produto e contribuem para tornar os compradores 15% mais leais às marcas 

O estudo cobre vários segmentos e categorias, como balas e bombons, cuidados pessoais e beleza, comida para animais de estimação, álcool, saúde e produtos para casa. Em entrevista para o jornal inglês The Guardian, Sara Denby, secretária-geral da Unstereotype Alliance, afirma que a ideia de que a propaganda inclusiva pode destruir ou prejudicar os negócios limitou o progresso dessa premissa por muito tempo.  

“Isso é infundado, mas precisávamos comprovar. O resultado da pesquisa reafirma que todos os negócios devem encorajar as marcas a renovar seus compromissos com a inclusão, porque isso não só beneficia as comunidades em que atuam mas também aquece vendas e gera prosperidade.”    

Passando a faca, sobre o bom senso

Não quero execrar o papel das tendências no marketing, mas alertar para o problema que pode ser abraçá-las de maneira apressada e sem critério. É essencial trazê-las para a realidade da marca e da companhia, realizando uma adoção gradual antes de colocá-las em prática. Um beta-teste, um slow launch, um mercado-teste, por exemplo, são etapas fundamentais para avaliar a adequação ao contexto da empresa.

Sejam elas sociológicas ou tecnológicas, as tendências sempre surgem de forma incompleta, como pensamentos ainda imperfeitos. Esse processo de adoção deve respeitar o ritmo da organização e a maturidade dos seus usuários, além de considerar até que ponto a própria gestão da empresa consegue sustentar essas inovações. A implementação precisa ser equilibrada, para garantir que as tendências realmente tragam algo sem comprometer a essência ou sobrecarregar a estrutura da empresa.

No entanto, não se pode esquecer a máxima de “combinar com os russos”. A decisão de adotar uma tendência está, em última instância, nas mãos do gestor da marca, mas ela deve ser feita levando em conta a predisposição dos usuários finais em também adotá-la. O futuro das tendências depende, de maneira fundamental, das atitudes dos usuários. Sem a modificação de hábitos e atitudes do público, qualquer previsão de futuro tendencial se esvazia.

Use o bom senso e, sobretudo, seja feliz.

Ulisses Zamboni
Com mais de 40 anos de experiência na área de comunicação, é presidente e sócio da agência Santa Clara, membro do board e do comitê de etica e integridade do Capitalismo Consciente e membro do conselho editorial da MIT Sloan Review Brasil. Também clinica como psicanalista.

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