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Varejo: duas perdas, quatro transformações

Cadeias de fornecimento em tempos de ESG e lojas físicas em tempos digitais – ou, melhor, figitais

Adriana Salles Gomes
30 de julho de 2024
Varejo: duas perdas, quatro transformações
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Nos últimos dias, o varejo brasileiro perdeu dois de seus pilares empreendedores. No dia 12, despediu-se de nós a (tia) Luiza Trajano Donato, que em 1957 fundou o Magazine Luiza em Franca, interior de São Paulo. Ela era tia da Luiza Helena, chairwoman, e tia-avó do CEO, Fred. No dia 18, foi a vez de Abílio Diniz, que reinventou o Pão de Açúcar e, na medida do possível, estava fazendo o mesmo pelo Carrefour.

Em homenagem a esses dois ícones do Brasil corporativo, vamos focar esta Reviewer em dois dos assuntos mais caros a varejistas-raiz como a tia Luiza e o Abílio: cadeias de fornecimento em tempos de ESG e lojas físicas em tempos digitais – ou, melhor, figitais. Quem acompanha o ecossistema de conteúdos de MIT Sloan Management Review Brasil sabe qual é o nosso metiê: gestão em tempos complexos, moldada pela tecnologia e pelos princípios da sustentabilidade.

– O primeiro artigo ACESSE AQUI, assinado por Stephen Lezak, Valentina Guido e Paolo Natali, aborda as três transformações que estão mudando o jogo das supply chains. Os leitores notarão que o artigo se refere à cadeia de minérios, mas o que importa nele são os princípios, que valem também para a cadeia de fornecimento de supermercadistas e de lojas que vendem bens duráveis.

– O segundo texto CLIQUE AQUI, de autoria de Jonathan Z. Zhang, fala de uma quarta transformação, a das lojas físicas se tornarem centros culturais das marcas.

Fizemos um mix de ambos os textos e relacionamos as quatro transformações, com a intenção de homenagear essas duas lendas que deixam o Brasil corporativo órfão e de compartilhar lições que servirão às próximas lendas.

# TRANSFORMAÇÃO Nº 1, NO PARADIGMA: DOS RISCOS PARA O VALOR

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Já há muitas empresas, de fabricação de produtos de consumo e de varejo, controlando a proveniência de seus insumos. Mas ainda há muitas sem esse conhecimento. O que acontecerá é que, de repente, não se sabe quando, ter a visão completa e em tempo real das origens de seus materiais virará o paradigma. E, antes disso, as empresas que o fizerem serão as de maior sucesso, recompensadas por escolherem fornecedores que não usam trabalho análogo ao escravo, não desmatam, não aplicam excesso de agrotóxicos, não têm uma pegada de carbono indecente etc.

Ainda existem barreiras importantes para a expansão dessas tecnologias para cobrirem todo o mercado, mas elas vão caindo e o movimento vai parecer repentino. Lemos no artigo de Lezak, Guido e Natali ACESSE AQUI que bons produtos ainda vêm de práticas horríveis de mineração: em Xinjiang, na China, o trabalho forçado dos uigures ajuda a produzir quase metade do polisilício do mundo, e boa parte deste integra – veja só a ironia – painéis solares. Se o varejo usa painel solar, pode estar compactuando com isso. Na República Democrática do Congo, o cobalto usado para fabricar carros elétricos foi rotulado de “”diamante sangrento das baterias””. E não se limitação a mineração.

A primeira transformação que precisa ser feita pelas empresas é migrar de um paradigma de mitigação de riscos para um de criação de valor. A rastreabilidade da cadeia de fornecimento não deve se concentrar apenas na redução de perdas, mas o modelo atual não sinaliza mudanças na demanda que possam impulsionar transformações. Isso ocorre porque o paradigma da “”devida diligência”” (geralmente se diz isso em inglês mesmo, “due dilligence”) na maioria das vezes só ameniza as preocupações quando deveria produzir certezas. Já há vários exemplos em que a rastreabilidade sustenta a criação de valor. A criação de valor enraizada na sustentabilidade – como o selo de certificação “Fair trade” (comércio justo) – pode diferenciar todo o mercado de commodities e remontá-lo em duas categorias separadas: rastreável-sustentável e não rastreável-insustentável.

Hoje, ocorre que os relatórios de sustentabilidade sobre os impactos da cadeia de fornecimento são, na maioria das vezes, apenas uma ferramenta para tranquilizar os consumidores e aplacar os investidores, controlando eventuais danos à reputação que uma gestão ambiental pobre causa. A solução? Arranjos B2B entre empresa fornecedora e empresa varejista, que estão rapidamente se propagando na área de minérios e podem se propagar em vários segmentos.

TRANSFORMAÇÃO Nº 2, NA ACCOUNTABILITY: DA INSTITUCIONAL PARA A DE PRODUTO

Os relatórios de sustentabilidade surgiram e se expandiram dentro do modelo de coleta de dados corporativos. Esses relatórios corporativos normalmente refletem uma empresa, seus funcionários e seus ativos. Porém, em cadeias de valor mais longas, cada passo ao longo delas oferece apenas uma fotografia de cada ponto isolado do percurso de um produto, da origem até o varejo. Esses instantâneos formaram a espinha dorsal de uma pequena indústria de produtores de relatórios de sustentabilidade, dizem os autores, mas não ajudam as empresas que adquirem tais insumos a distinguir quais vêm de origens conscientes. São garantias limitadas.

Em outras palavras, as empresas na ponta final dessas cadeias de fornecimento permanecem desconfortavelmente no escuro. A solução está em a avaliação de sustentabilidade ser feita por produto; essa é a única maneira de lançar luz sobre questões ocultas ao longo da cadeia e exercer influência sobre todos os stakeholders. A transparência deve começar com os agricultores e mineiros e terminar com os varejistas, dizem os autores do artigo.

Empresas voltadas para o consumidor, como Unilever e Volkswagen, estão entre as primeiras a adotar essas ferramentas de rastreabilidade digital, mas o potencial de crescimento é imenso. E temos muita gente se movimentando nessa área no Brasil.

TRANSFORMAÇÃO Nº 3: RECOMODITIZAR PRODUTOS SUSTENTÁVEIS

Atualmente, poucas práticas de verificação são suficientemente poderosas para impulsionar a diferenciação de commodities e sinalizar a nova demanda dos mercados. A falta de referenciais ambiciosos de sustentabilidade, bem como a ausência de padrões de medição (muitas vezes chamados de modelos de cadeia de custódia), criam mais ruído do que solução. Os consumidores dependem de atalhos para fazer escolhas que não são simples. Quem nunca se atrapalhou diante de rótulos dos produtos orgânicos e do papel reciclado?

(Ah, e escolher o modelo errado de cadeia de custódia pode minar os esforços para catalisar a produção responsável. Na maioria das vezes, esses sistemas não rastreiam lotes físicos de mercadorias; apenas representações tokenizadas por meio de um método conhecido como “book and claim”.)

Para separar os sinais do ruído, as normas de desempenho em matéria de sustentabilidade devem tornar-se suficientemente sólidas e restritivas para resistir a uma avaliação independente e manter a confiança dos consumidores. Como parte disso, os requisitos de cadeia de custódia para cadeias de fornecimento têm de ser baseados no rastreamento físico de matéria-prima e produto. E estabelecer um padrão alto é essencial. Exemplo: uma referência para aço de baixo carbono, por exemplo, que inclua a metade da produção mundial que apresente melhor desempenho, em vez de um conjunto mais rigoroso, será provavelmente insuficiente.

O mesmo acontecerá com um padrão para o cobalto responsável que não seja capaz de atacar o trabalho infantil no local específico da mina onde esse dano acontece. Os padrões devem ser gerais, mas específicos da mercadoria, rigorosos, mas transparentes. E, nesse caso, o maior desafio não é tecnológico, mas cultural. Os responsáveis tendem a lavar as mãos e descartar as coisas como “”simplesmente impossíveis””, mesmo diante de uma próspera indústria de tecnologia com soluções já disponíveis que permitem relatórios eficazes. Vale lembrar: a inovação geralmente parece impossível até que alguém demonstre o contrário.

TRANSFORMAÇÃO Nº 4: LOJAS COMO CENTROS CULTURAIS

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Muitas lojas tradicionais de varejo continuam a viver um declínio trágico, assoladas por gigantes do comércio eletrônico e pela conveniência de comprar pela internet. Haverá futuro para lojas físicas e para o varejo de experiência? O autor Jonathan Zhang escreve que sim CLIQUE AQUI Porque o consumidor não se sente tranquilo comprando artigos de valor elevado pela internet sem antes ver e interagir com o produto na loja – algo incrivelmente comum até entre os mais jovens. Também sabemos que o cliente vai à loja para tirar dúvidas sobre a adequação e a qualidade de certos itens (uma blusa ou um óculos, por exemplo) e, depois, migra para o digital pela conveniência.Porém nenhum estudo havia examinado até agora como características da marca além de adequação (o “fit”), qualidade e preço afetam a escolha do canal de vendas pelo consumidor. Nem por que as pessoas continuariam frequentando lojas físicas quando seguras da qualidade do produto. Com essas perguntas em mente, Zhang analisou três maneiras pelas quais o valor da marca se manifesta para o cliente: (1) desempenho da marca – funcionalidade e qualidade –, (2) experiência de consumo e (3) cultura da marca, que surge das tradições e da história, representando ideais mais abstratos.E em cultura…. Sabe o que é que a loja tem? Zhang pediu a um grupo aleatório de 185 participantes – indivíduos que tinham feito compras tanto no meio físico quanto no digital em determinadas categorias – que classificassem em uma escala de 1 a 7 o quanto a cultura e o significado da marca podem ser transmitidos em cada canal. As respostas indicaram que a cultura se faz sentir com muito mais força no físico do que no digital: no físico a média foi de 6,2, versus 3,7 no digital (na mesma categoria). Além disso, ele mediu como o consumidor se identifica com as marcas que compra nos vários canais. Os resultados mostraram que, com marcas culturalmente ricas, a experiência na loja cria um vínculo mais forte.Não satisfeito, Zhang fez entrevistas com participantes da pesquisa, para esclarecer os motivos desse impacto. Um entrevistado lhe contou que vinha fazendo compras de uma marca específica de relógio, mas sentiu que só conseguiu entender bem a marca quando foi a uma loja em Nova York. “O gerente explicou como o desenho atual do relógio presta homenagem aos cronômetros marítimos do século 18 e me mostrou um material que destacava a contribuição histórica da marca para a marcação do tempo marítima”, disse ele. “Também me mostrou outras linhas, mais elegantes, que eu ainda não tinha visto. Aquela hora que passei na loja me deu um conhecimento muito maior da marca e, por isso, mais tarde acabei comprando outros dois relógios.” Lojas são, portanto, centros culturais da marca. Consegue ver?

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Newsletter originalmente publicada no perfil de MIT Sloan Management Review Brasil no LinKedin, em 19.02.24

Adriana Salles Gomes

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