Como a saúde baseada em geração de valor tem o potencial de revolucionar o setor. Conceito pretende entregar o melhor resultado com a melhor experiência para o paciente.
O conceito de Saúde Baseada em Geração de Valor (do inglês VBHC -Value-Based Healthcare), que tem povoado as discussões de planejamento estratégico do setor há mais de uma década, foi introduzido por Michael Porter, professor de Harvard, e Elizabeth Teisberg, da Escola de Medicina Dell, da Universidade do Texas, diante de um cenário de aumento progressivo de custos com saúde. A ideia principal do VBHC é focar na entrega do melhor resultado em saúde com a melhor experiência para o paciente.
A população tem envelhecido, novas terapias e procedimentos seguem surgindo, as despesas com saúde só aumentam, mas não há melhora na qualidade do atendimento.
Atualmente, o cenário padrão é o chamado “pagamento por serviço” (do inglês, fee for service). Novas técnicas cirúrgicas, testes diagnósticos e medicamentos de alto custo, às vezes, são usados de forma redundante ou fora de protocolos definidos de atendimento. Isso representa um custo crescente para as fontes pagadoras sem garantia de resultados melhores.
A definição de valor em saúde é concebida a partir de uma razão simples: quanto melhor o desfecho do paciente e menores os gastos, maior o valor gerado. Só que não há consenso entre os entes que compõem a arena de negócios do setor.
Não são incomuns estratégias de geração de valor pautadas exclusivamente em controle de gastos, uma variável muito mais fácil de identificar e quantificar, com medidas de redução capazes de gerar resultados imediatos ou em curto prazo. A adoção de sistemas alternativos de remuneração, como no modelo de capitation, é um exemplo. Nele, a fonte pagadora disponibiliza uma quantia fixa e periódica por indivíduo coberto, independentemente do evento ou da condição clínica, transferindo o risco financeiro ao prestador.
Em serviços de saúde verticalizados, é possível reduzir custos por negociações em escala. Além disso, ao unir eficiência operacional à adoção de processos integrados e padronizados ao longo das diversas etapas da assistência, o prestador tem maior controle de gastos.
Mas o grande ponto de virada para a consolidação do VBHC pode estar em outra prática: na aferição do desfecho dos pacientes, representada pelo numerador na fórmula de geração de valor. Tradicionalmente, essa aferição é qualitativa. Mas, a adoção de ferramentas tecnológicas no ecossistema de saúde está mudando as coisas.
Antes, bastava escanear documentos, muitos deles escritos à mão. Agora os registros digitais em saúde se tornaram plataformas robustas, compostas de formulários de campos editáveis, viabilizando a geração automática de dados estruturados.
Mesmo em registro de dados não-estruturados, o desenvolvimento e a popularização de algoritmos de Inteligência Artificial (IA) tem permitido aferir informações de relatórios de textos livres, como laudos de exames de imagem ou formulários clínicos. A criação e consolidação de léxicos e ontologias médicas reforça a padronização, a integração e a semântica para geração de arquivos digitais, favorecendo a interoperabilidade de sistemas, com maior fluidez na geração e intercâmbio de dados em saúde.
O processamento e o armazenamento dessa imensa quantidade de dados vem se beneficiando dia após dia da Lei de Moore, que diz que o crescimento exponencial da capacidade computacional é acompanhado da redução de custos nas mesmas proporções. A computação em nuvem reduz a necessidade de espaços físicos ocupados por servidores locais, aumentando a segurança de dados, a interoperabilidade e a mobilidade. A tecnologia 5G, por sua vez, tem como principal premissa acessos e transferência de dados em tempo real, com baixos períodos de latência e altas velocidades de transmissão.
O ambiente formado por essas ferramentas tecnológicas abre caminho para um cenário de melhor aferição de desfechos clínicos, tornando possível a mensuração objetiva de cada interação entre prestadores e pacientes. A avaliação dos desfechos permite a estratificação das interações, identificando, entre os prestadores, os extremos de performance, premiando com maior remuneração ou com mais pacientes os profissionais que geram mais valor.
Tudo isso facilita a criação de perfis demográficos e epidemiológicos, reunindo elementos para elaboração de protocolos assistenciais específicos para o perfil da população. Dados gerados em tempo real aumentam a precisão de algoritmos de inteligência artificial e não deixam de lado estratégias individualizadas para os pontos fora da curva (outliers).
A corrida pelos dados já está a todo vapor. As empresas direcionam montantes significativos do orçamento para o recrutamento de cientistas de dados, trazendo-os para o centro do planejamento estratégico e para a construção de data lakes, cujo conteúdo torna-se um ativo cada vez mais valioso.
A ciência de dados aplicada à saúde permite a cada player renunciar à custódia isolada das informações, compartilhando-as em uma rede global e descentralizada, possibilitando maior troca de informações, transparência e valor para todos os envolvidos. É a formação do verdadeiro big data.
Os registros unificados e o acesso universal trazem, finalmente, o paciente para o centro do cuidado. Tecnologias como blockchain e tokenização, assim como a evolução de legislações de proteção de dados sensíveis, empoderam o indivíduo. O paciente decide quem deve ter acesso aos seus dados de saúde, em qual momento e para qual finalidade.
A ideia de Geração de Valor em Saúde tem finalmente uma nova perspectiva. Os vencedores serão aqueles que conseguirem ser mais eficientes no manejo das condições clínicas, na promoção de saúde total preditiva e preventiva, no melhor desfecho dos pacientes e na entrega de uma melhor experiência. Está inaugurada a era do open health: estamos prontos?
Artigo escrito em parceria com o Dr. Ronald Trindade – Médico Radiologista do Grupo Alliar e da DASA.“