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Vida longa à inovação

Como construir uma agenda de futuro para a inovação corporativa no Brasil

Paulo Emediato
Vida longa à inovação
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Na estreia desta coluna, publiquei o artigo “A inovação aberta está morta. Vida longa à inovação aberta”, que se baseou em indícios, evidências e conversas com profissionais da área sobre o que vem acontecendo com a inovação corporativa no Brasil e suscitou inúmeros debates em comunidades, críticas e também reflexões. 

Entre elas, a que trago para este segundo artigo: precisamos de uma agenda propositiva. A ideia não é, nem nunca foi, criticar quem trabalha com inovação no Brasil. Pelo contrário. Temos que valorizar as pessoas que construíram nosso ecossistema e nos trouxeram até aqui. Comunidades foram formadas, práticas e programas estabelecidos e muita história pavimentou o caminho. Agora fica a pergunta: será que podemos evoluir e desenvolver novas maneiras de pensar e agir daqui para frente?

O desafio que nos espera é complexo. Como construir uma agenda de futuro para a inovação corporativa no Brasil? Não é minha pretensão criá-la, mas fato é que precisamos de uma. 

Caso você ou o mercado espere uma resposta brilhante e definitiva para o desafio da reinvenção da inovação corporativa, sinto muito. Ela não existe, apesar de toda consultoria estar, neste exato momento, tentando convencer algum cliente de que tem um plano para isso. Estamos todos tentando, e ninguém sabe o caminho. Admitir isso já é um primeiro passo.

Quanto mais simplista e imune a incertezas é uma solução proposta, mais distante da realidade ela está. Já deu para entender que fórmulas e modelos fracassaram miseravelmente diante de desafios complexos. Playbooks e frameworks? São ótimos, mas precisamos repensar nosso repertório, caixa de ferramentas e comportamento porque, em muitos casos, determinada metodologia vira regra e “o rabo passa a abanar o cachorro”.

Um bom caminho é fugir da enxurrada de buzzwords, enfrentar o efeito manada e combater as pressões. Para isso, é importante retornar às perguntas básicas sobre a inovação aberta. Por exemplo: “Reconhecendo que nossa organização não tem toda a inteligência e os recursos do mundo para encontrar novas soluções, como podemos acessá-los por meio de outras pessoas, organizações e startups?” ou “Como nos antecipar a mudanças tecnológicas que podem transformar o ambiente em que atuamos?”. Às vezes, nos esquecemos do óbvio. 

Todos querem mudança, mas poucos querem mudar

No artigo anterior, quando abordei os principais desafios e obstáculos em inovação, parte significativa dos leitores apontou o dedo para outros. Afinal, reclamar da liderança, do conselho ou da diretoria é fácil. Sempre o mesmo mantra: “eles que não entendem, não concordam, não mudam, não confiam.”

Mas, espera aí, precisamos de um profundo exercício de autocrítica. O que funcionava antes pode e precisa ser revisado, atualizado ou descartado. É curioso como os agentes da mudança, que pregam a transformação, são muitas vezes os que resistem a ela. Se não encontrarmos novas maneiras de influenciar nossas lideranças, o trabalho vai continuar sendo em vão – isso se não for descontinuado. 

Não adianta entrar na sala de reunião disparando jargões desgastados do “bingo da inovação” ou dar palestras mágicas sobre o “futuro disruptivo”. Precisamos de uma estratégia que fale a língua de quem toma as decisões e de uma agenda que converse diretamente com quem assina o cheque, de forma que a inovação se traduza em algo que eles efetivamente entendam, reconheçam como sendo necessário e vejam valor.

Não há como lutar contra o contexto

Ainda falando sobre meu primeiro artigo, trouxe nele uma reflexão macro sobre o ecossistema de inovação, colocando o componente econômico em destaque. Isso já foi suficiente para alguns profissionais revirarem os olhos. Afinal, falar de economia e mercado parece tedioso e menos glamuroso que a magia do brainstorming criativo. Mas a verdade é que, sem entender o cenário mais amplo, sem sair do tático e operacional e olhar para o estrutural, caminhamos em círculos. De novo, a necessidade de autocrítica e aprimoramento volta à tona.

De 2008 para cá, o mercado de inovação corporativa floresceu em crescimento acelerado. Mas agora que o cenário mudou, quanto de fato os times de inovação compreendem a nova realidade, sob os efeitos da falta de liquidez no mercado, da concentração de capital em IA, das tensões políticas e regulatórias, entre outros movimentos? O que sabemos é que o cenário está mais complexo, e a pressão não vai aliviar até, pelo menos, o final de 2025.

A inovação só voltará a girar se algumas condições — nada triviais — forem atendidas: IPOs e exits para gerar confiança no ecossistema, novos fundos sendo formados e reinvestidos em negócios inovadores e startups capazes de oferecer soluções mais ousadas.

Um investidor muito experiente foi direto ao ponto: “Agora é o momento de as corporações dobrarem a aposta”. E quem tem fôlego e caixa para fazer a inovação rodar em tempos escassos são as grandes empresas. Aquelas que apostaram em Corporate Venture Capital (CVC) entre 2020 e 2022, por exemplo, pegaram o mercado inflacionado e agora vivem uma ressaca inevitável. Já de 2022 para cá, existe uma janela de oportunidade para organizações mais ousadas entrarem no jogo, se posicionarem e criarem um histórico de sucesso. 

No entanto, a aversão ao risco segue reinando. Executivos preferem puxar o freio de mão e manter o status quo. E lá se vai mais uma oportunidade desperdiçada. Ninguém é demitido por tocar a bola de lado.

Um novo perfil profissional em inovação

O debate recente sobre founder mode (modo fundador) vs manager mode (modo gestor) lança luz sobre como as diferentes abordagens de liderança e mentalidade impactam o desenvolvimento e a gestão de empresas, especialmente em startups ou negócios em fases de rápida expansão. Levanta também aspectos interessantes sobre o perfil dos líderes em inovação. Cada qual possui seus próprios atributos, e desconhecê-los pode representar uma perda de oportunidade.

Se você ainda não tenha esbarrado nesses conceitos, vamos lá: 

  • O founder mode é o estado mental de quem está acostumado a criar algo do zero — a famosa atitude de dono, no melhor dos sentidos. É quando a inovação floresce e se tomam decisões rápidas pautadas pelo engajamento e intensidade do founder, que se envolve em tudo. 
  • O manager mode, por outro lado, é mais voltado para a gestão de algo que já existe. A prioridade é otimizar, organizar e garantir que o trem continue nos trilhos — ou seja, muito mais focado em eficiência do que em reinvenção. 

Para se aprofundar no tema, vale pesquisar as colocações de Brian Chesky, CEO e cofundador do Airbnb, e ler o artigo “Os cinco papéis da média gerência na inovação corporativa”, na coluna de Maximiliano Carlomagno no portal de MIT Sloan Review Brasil..

Hoje temos poucos profissionais com perfil de fundador ou de investidor entre os times de inovação e lideranças corporativas. E raramente se encontra uma pessoa que flua bem nos três papéis (incluindo o de gestor). 

Em geral, as organizações sabem muito pouco sobre a realidade dos fundadores ou sobre as particularidades do mundo de investimentos. A experiência empreendedora e a bagagem de investidores de risco são habilidades que podem fazer uma tremenda diferença na maturidade e na performance das áreas de inovação dentro de uma empresa.

Outro fator que limita o potencial de inovação é a inexistência de um fluxo eficiente de ideias e informações entre empreendedores, investidores e lideranças corporativas. Esse mix de repertórios provavelmente geraria resultados muito mais interessantes do que uma equipe composta por três colaboradores de carreira corporativa. 

Quer resultados diferentes? Aprofunde seus conhecimentos sobre esses campos complementares e articule seu time de forma diferente.

Priorização estratégica

Para quem estamos realmente trabalhando e qual estrutura de inovação faz sentido neste novo cenário? Não é incomum conversar com profissionais que não têm clareza das prioridades estratégicas de suas organizações.

Se sua área está sob ameaça, é hora de priorizar um caminho mais curto para comprovar o valor que gera para a organização. Será difícil questionar algo que melhora o desempenho comercial, aprimora o ciclo de vendas e enriquece a experiência dos clientes. Afinal, como sabiamente nos lembra Silvio Meira, a inovação precisa ser um processo sistemático para gerar mais e melhores notas fiscais. 

Outra opção, se você precisa de resultados tangíveis rapidamente, é evitar iniciativas early stage, em que o grau de incerteza é maior, e focar no relacionamento com startups mais maduras, a partir de séries A ou B. Estas costumam partir de problemas bem delimitados, o que influencia positivamente a taxa de sucesso dos projetos e tende a reduzir as chances de frustração.

Gestão de resultados de inovação

Definitivamente precisamos de novos modelos de avaliação e acompanhamento dos resultados. Mas aqui não me refiro apenas a uma nova safra de KPIs (sigla para indicador-chave de desempenho, em português) ou dashboards. Falo de uma transformação estrutural, que começa com o que mais negligenciamos: o planejamento de longo prazo, com visão de portfólio; a gestão do conhecimento, contabilizando o custo e o retorno dos aprendizados; e o cálculo sobre o “custo de não fazer” determinadas apostas.

O problema é que, de alguma forma, parece que acabamos nos distraindo ao longo da jornada. O entusiasmo é sempre mais fácil do que a disciplina e o comprometimento. Eventos e palestras conectam e inspiram, mas são a faísca, nunca a entrega. Rankings são úteis, mas quando se tornam modelos de negócios, mascaram conflitos de interesses e passam a se servir do ecossistema em vez de servir ao ecossistema. É como se o mercado valorizasse meios superficiais de exposição, em vez de objetivos estratégicos. Dão menos trabalho, são mais fáceis de vender internamente e satisfazem a liderança e as vaidades. Por outro lado, não resolvem problemas, não transformam o negócio, não constroem valor junto aos empreendedores e impactam muito pouco os resultados do negócio.

O custo de não fazer

Uma das grandes deficiências da gestão tradicional está justamente em ignorar o “custo de não fazer inovação”. Adoramos celebrar os pequenos sucessos e as parcerias bem-sucedidas, assim como somos ágeis em apontar o dedo para o que não funcionou, no melhor estilo “eu avisei que não ia dar em nada”. Mas ninguém parece olhar para o buraco deixado pelas oportunidades perdidas. 

O cálculo funciona com uma lógica parecida à de anti-portfólio, em que investidores calculam os retornos que deixaram na mesa por terem perdido certas oportunidades. Medir isso de forma tangível no âmbito da inovação – atribuindo um número para o que deixamos de ganhar por não inovar – resulta em um argumento poderoso não apenas para mostrar os ganhos de performance ou redução de custos, mas também para justificar o risco que as corporações precisam estar dispostas a tomar. 

Da mesma forma, o custo e o valor do aprendizado organizacional também precisam de uma representação financeira real, que afete o resultado final da empresa. Caso contrário, a inovação corre o risco de ser vista apenas como um parque de testes e não como um pilar estratégico.

O Google, que idolatramos como referência em inovação, hoje experimenta exatamente o gosto do “custo de não fazer”. Enquanto priorizava os negócios já estabelecidos, negligenciou a IA que estava sendo desenvolvida dentro de casa e agora sofre com sua perda gradual de relevância, enquanto a OpenAI abocanha o futuro. Finalmente, um novo anti-exemplo para pararmos de usar o da Kodak (por favor!). É claro que o Google ainda está longe de se tornar irrelevante, mas seu erro serve como um lembrete do risco de não levar a sério caminhos mais arrojados.

E, na sua organização, como andam o apetite ao risco e o portfólio de inovação? Enquanto alguns se encolhem, o ataque pode ser uma das melhores estratégias. Nessa perspectiva, a recomendação é avaliar o retorno financeiro direto dos programas e das relações com startups e também o valor do aprendizado ao explorar novos territórios.

Outra orientação é olhar também o “custo de não entrar em IA”. O cálculo da performance deve considerar não só o retorno sobre o capital investido, como também o impacto disso no mercado ou nos processos internos da organização. Para isso, é fundamental levar em conta valores de ordem estratégica, financeira, de competitividade e eficiência para balancear uma espécie de carteira de créditos da área de inovação

Essa abordagem permite fugir de métricas superficiais ou quantitativas de anos anteriores e abre caminho para a área justificar, de forma mais consistente, as realizações no curto, médio e longo prazos, equilibrar ganhos e perdas, orientar próximos passos e construir narrativas e argumentos melhor fundamentados. 

Para equilibrar o jogo

Chega de viver ciclo a ciclo, sempre correndo atrás do resultado trimestral ou anual. Se todos os incentivos miram apenas o curto prazo, a estratégia de longo prazo fica comprometida. O nível de retrabalho, a descontinuidade e as mudanças de humor, com base em novas tendências ou resultados ainda incipientes, representam um enorme furo no balde. 

Raros são os casos de corporações que se comprometem (e seguram a pressão) de uma visão estratégica em uma longa jornada de transformação, composta por múltiplos horizontes temporais. Sejamos sinceros: o imediatismo e a impulsividade, alimentados pelos mecanismos de incentivo corporativos, impedem o tempo de maturação de excelentes iniciativas. Mexe-se tanto para lá e para cá, que a mínima consistência é impossível. 

Se agora os temas emergentes são deeptechs e a prática de venture building, falamos necessariamente de ciclos de desenvolvimento extensos, complexos, caros e que exigem paciência. Caso a sua organização não esteja disposta a lidar com esses fatores, aproximar-se desses temas só vai inflamar frustrações. Em detrimento da ilusão de controle de todas as variáveis, assumir riscos exige maturidade e uma visão refinada do que isso significa.

E o que fazer com tudo isso?

Primeiro, precisamos nos lembrar de que movimentos de contração e expansão do mercado são naturais e positivos, ainda que desconfortáveis. A escassez desafia a criatividade, elimina excessos, calibra expectativas e nos prepara para chegarmos melhores a outros ciclos. Segundo, ter consciência de que nada do que está neste artigo é uma aposta garantida. 

Mas uma coisa é certa: as soluções não serão encontradas isoladamente por uma única pessoa ou organização. O que é sistêmico demanda uma abordagem coletiva, que envolva outros setores, atores e conhecimentos. E aqui não tem papinho alternativo, alienado dos interesses do negócio. Pelo contrário: é sobre resultados financeiros e estratégicos sustentáveis. 

Resguardando conflitos de interesse e concorrência direta, o investimento e o trabalho multidisciplinar em torno de desafios comuns nos levam adiante. Não é esse o princípio fundamental da inovação aberta? 

Foi também assim que chegamos a este novo artigo, por meio da interação ampla com outras pessoas. Se deixarmos os desafios atuais apenas nas mãos dos “especialistas”, estamos fazendo um desserviço ao ecossistema. Inovação, por natureza, implica a recombinação de conhecimentos multidisciplinares. Ela precisa ser pensada por diferentes cabeças e sob diferentes ângulos, e isso requer mais interação entre setores, profissionais, disciplinas e corporações.

Chegou até aqui? Muito obrigado! Nos vemos em breve no próximo artigo. Caso tenha críticas e considerações, compartilhe abaixo no espaço de “Comentários”. 

Paulo Emediato
Paulo Emediato trabalha com inovação em diversos contextos e organizações desde 2011. Atualmente é o CMO da Oxygea, um fundo de corporate venture capital e venture building, no qual lidera relacionamentos com o ecossistema focados em sustentabilidade e transformação digital na indústria. Como managing partner da DesignThinkers Group no Brasil, liderou projetos em mais de 100 clientes. Além disso, foi empreendedor no setor de educação e colunista na Fast Company Brasil e Update or Die!. Atua como professor de inovação e negócios na Miami Ad School e PUC Minas. Formou-se em programas executivos na Stanford Graduate School of Business (EUA) e na Hebrew University (Israel), com pós-graduação pela Fundação Dom Cabral e graduação em comunicação pela PUC Minas.

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