Como construir uma agenda de futuro para a inovação corporativa no Brasil
Em setembro passado, publiquei o artigo “A inovação aberta está morta. Vida longa à inovação aberta” baseado em sinais, conversas e evidências coletados com profissionais da área sobre o que acontece hoje com a inovação corporativa no Brasil. Muitos debates se instalaram em grupos e comunidades do mercado, cumprindo o objetivo proposto com louvor: provocar movimento.
A pergunta que mais ouvi (e fiquei feliz por ouvi-la) foi: quando vem o próximo texto? Foi quase como se o próximo texto fosse uma ideia de próximos passos para o recém-iniciado movimento. Os conteúdos mais provocativos tendem a mobilizar mais as pessoas, como as redes sociais nos ensinaram, mas só provocar não é suficiente. Para que realmente haja uma mudança na inovação corporativa brasileira, precisamos de uma agenda propositiva – ainda que propostas engajem menos que questionamentos. Então, o próximo texto é este – um artigo propositivo.
(Convido o leitor a pular esse trecho se quiser ir direto para a agenda propositiva, mas, ciente de que abro uma exceção no padrão MIT Sloan Management Review, tenho de comentar um pouco sobre a ”tipologia” dos debatedores do primeiro artigo, na minha percepção, considerando que o debate trouxe à tona as ambiguidades da área. Eis os tipos:
Na combinação desses três tipos de atores da inovação corporativa pode estar o futuro deste debate e da própria inovação corporativa no País.)
A pergunta que fica desse debate inicial é: será que podemos evoluir e desenvolver novas maneiras de pensar e agir daqui para frente? Como construir uma agenda de futuro para a inovação corporativa no Brasil? Precisamos de uma.
As propostas a seguir foram construídas com base em trocas com players do ecossistema, como Eduardo Lorea, da Numerik, e ao grupo de Innovation Leaders, conduzido por ele. Como Maximiliano Carlomagno, líder e parceiro da Innoscience, também colunista MIT Sloan Management Review. Como investidores que preferem não ser citados. Como o grupo de C-Rebels, formado por lideranças em inovação que trouxeram inúmeros insights. (Poderia citar mais gente, mas a lista seria longa demais e o artigo já é um pouco mais extenso.) Vamos à agenda:
Caso você, ou o mercado, espere uma resposta brilhante e definitiva para o desafio de reinvenção da inovação corporativa, sinto muito. Ela não existe, apesar de toda consultoria estar, nesse exato momento, tentando convencer algum cliente de que tem um plano. O fato é que estamos todos tentando e ninguém sabe o caminho. Admitir isso já é um primeiro passo.
Quanto mais simplista e imune a incertezas é uma solução proposta, mais distante da realidade ela está. Já deu para entender que fórmulas e modelos fracassaram miseravelmente diante de desafios complexos. Playbooks e frameworks? São ótimos, mas precisamos repensar nosso repertório, caixa de ferramentas e comportamento, porque, em muitos casos, determinada metodologia vira regra e, assim, “o rabo passa a abanar o cachorro.”
Um bom caminho é fugir da enxurrada de buzzwords, enfrentar o efeito manada e combater as pressões de seguir as tendências empresariais. Para isso, é importante retornar às perguntas básicas da inovação aberta. “Reconhecendo que, em nossa organização, não temos toda a inteligência e recursos do mundo, como podemos acessar a inteligência e recursos de outras pessoas, organizações e startups para encontrar novas soluções? Como nos antecipar a mudanças tecnológicas que podem transformar o ambiente em que atuamos?” As vezes, esquecemos do óbvio.
Ao abordar seus principais desafios e obstáculos em inovação, parte significativa das pessoas apontou o dedo para os outros em reação ao primeiro artigo. Afinal, reclamar da liderança, do conselho ou da diretoria é fácil. Sempre o mesmo mantra: “Eles que não entendem, não concordam, não mudam, não confiam.”
Mas, peraí, precisamos de um profundo exercício de autocrítica. É curioso como os agentes da mudança, que pregam a transformação, são muitas vezes resistentes a mudar. O que funcionava antes pode e precisa ser revisado, atualizado ou descartado. Se não encontrarmos novas maneiras de influenciar nossas lideranças, então o trabalho vai continuar sendo em vão – isso se não for descontinuado. Não adianta entrar na sala de reunião disparando jargões desgastados do “bingo da inovação” ou palestras mágicas sobre o “futuro disruptivo.” Precisamos de uma estratégia que fale a língua de quem toma as decisões e de uma agenda que converse diretamente com quem assina o cheque, traduzindo inovação em algo que eles entendam, vejam valor – e, principalmente, em algo que reconheçam a necessidade.
O artigo de setembro propôs uma reflexão macro, colocando a componente econômica em destaque. Isso já foi suficiente para alguns profissionais revirarem os olhos. Afinal, falar de economia e mercado parece tedioso e menos glamuroso ao “fugir” da magia do brainstorming criativo. Mas a verdade é que, sem entender o cenário mais amplo, sem sair do tático/operacional e olhar para o estrutural, caminhamos em círculos. De novo, a necessidade de autocrítica e aprimoramento.
De 2008 para cá, o mercado de inovação corporativa floresceu em crescimento acelerado. Mas agora, o cenário mudou – e quanto o time de inovação compreende os efeitos da falta de liquidez no mercado, a concentração de capital em IA, as tensões políticas e regulatórias, entre outros movimentos? O que sabemos é que o cenário está mais complexo, e a pressão não vai aliviar até, pelo menos, o final de 2025.
A inovação só volta a girar se algumas condições forem atendidas. E não são condições triviais. Precisamos de IPOs e exits para gerar confiança no ecossistema, novos fundos sendo formados e reinvestidos em negócios inovadores, e startups capazes de oferecer soluções mais ousadas.
Um investidor muito experiente foi direto ao ponto: “Agora é o momento de as corporações dobrarem a aposta.” Quem tem fôlego e caixa para fazer a inovação rodar em tempos escassos são as grandes empresas. Aqueles que apostaram em CVC entre 2020 e 2022, por exemplo, pegaram o mercado inflacionado e agora vivem uma ressaca inevitável. Só que, de 2022 para cá, há uma janela de oportunidade para corporações mais ousadas entrarem no jogo, se posicionarem e criarem um histórico de sucesso. Mas a aversão ao risco segue reinando. Executivos preferem puxar o freio de mão e manter o status quo… E lá se vai mais uma oportunidade desperdiçada. Ninguém é demitido por tocar a bola de lado.
O debate recente “founder mode vs. manager mode” levanta aspectos interessantes sobre o perfil de profissionais líderes em inovação. Caso você não tenha esbarrado nesses conceitos, vamos lá:
Estou resumindo a ideia, mas vale pesquisar as colocações de Brian Chesky, do Airnb, ou ler o artigo do Maximiliano Carlomagno sobre o tema: Os cinco papéis da média gerência na inovação corporativa.
Fato é que hoje temos poucas pessoas com perfil de founders e de investidores entre os times e lideranças corporativas, e raramente se encontra uma pessoa que flui bem nos três papéis. Os atributos são diferentes, e aqui temos uma oportunidade desperdiçada. As organizações sabem muito pouco sobre a realidade dos founders ou sobre as particularidades do mundo de investimentos. A experiência empreendedora e a bagagem de investidores de risco são habilidades que fazem uma tremenda diferença na maturidade e na performance das áreas de inovação dentro de uma corporação.
Como outros campos de conhecimento, não há um fluxo real de ideias entre empreendedores, investidores e lideranças corporativas, e isso limita o potencial de inovação. Esse mix de repertórios provavelmente geraria resultados muito mais interessantes do que uma equipe composta por três colaboradores de carreira corporativa. Quer resultados diferentes? Aprofunde seus conhecimentos sobre esses campos complementares e articule seu time de forma diferente.
Para quem estamos realmente trabalhando e qual estrutura faz sentido nesse novo cenário? Não é incomum conversar com profissionais que não têm clareza da prioridade estratégica de suas organizações.
Se sua área está sob ameaça, é hora de priorizar um caminho mais curto para comprovação de valor. E vale a sugestão: raramente veremos uma crítica pesada em relação a algo que gera mais clientes, em qualquer empresa. No fim das contas, a inovação precisa ser um processo sistemático para geração de mais e melhores notas fiscais – como sabiamente nos lembra Silvio Meira. É difícil questionar uma estratégia que melhora o desempenho comercial, aprimora o ciclo de vendas e enriquece a experiência daqueles que, no final das contas, colocam dinheiro no caixa – os clientes.
Outra alternativa possível é evitar iniciativas early stage, em que o grau de incerteza é muito maior, focando no relacionamento com startups mais maduras, a partir de séries A ou B, a partir de problemas bem delimitados, o que influencia positivamente a taxa de sucesso dos projetos, reduz frustrações e faz mais sentido se você precisa de resultados tangíveis rapidamente, que falam a língua de quem paga a conta.
Esse foi o ângulo mais aprofundado nas interações com Eduardo Lorea, nos encontros do Innovation Leaders. Definitivamente precisamos de novos modelos de avaliação e acompanhamento dos resultados. Mas aqui não estamos falando apenas de uma nova safra de KPIs ou dashboards. Falamos de uma transformação estrutural, que começa com o que mais negligenciamos: o planejamento de longo prazo com visão de portfólio, a gestão do conhecimento contabilizando o custo/retorno dos aprendizados e o cálculo sobre o “custo de não fazer” determinadas apostas.
De alguma forma, parece que nos distraímos: inovação não é evento, não é ranking, nem palestra. O entusiasmo é sempre mais fácil do que a disciplina e o comprometimento. Eventos e palestras conectam e inspiram, mas são a faísca, nunca a entrega. Rankings são úteis, mas quando se tornam modelos de negócios, mascaram conflitos de interesses e passam a se servir do ecossistema ao invés de servir ao ecossistema. É como se o mercado valorizasse meios superficiais de exposição, no lugar de objetivos estratégicos. Dá menos trabalho, é mais fácil vender internamente, satisfaz a liderança, mexe com as vaidades, mas não resolve problemas, não transforma o negócio, não constrói valor junto aos empreendedores e impacta muito pouco nos resultados do negócio.
Uma das grandes deficiências da gestão tradicional está justamente em ignorar o “custo de não fazer inovação”. Adoramos celebrar os pequenos sucessos, as parcerias bem-sucedidas, ou apontamos o dedo para o que não funcionou no melhor estilo “eu avisei que não ia dar em nada”, mas ninguém parece calcular o buraco deixado pelas oportunidades perdidas. É mais ou menos como a lógica de anti-portfólio, em que investidores calculam os retornos que deixaram na mesa por deixarem determinadas oportunidades passar. Se conseguirmos medir isso de forma tangível – colocar um número no que deixamos de ganhar por não inovar –, criamos um argumento poderoso, não apenas para mostrar os ganhos de performance ou savings, mas também para justificar o risco que as corporações precisam estar dispostas a tomar.
O custo e o valor do aprendizado organizacional precisam de uma representação financeira real, que afete o bottom-line da empresa. Caso contrário, a inovação corre o risco de ser vista apenas como um parque de testes e não como um pilar estratégico da organização (para além do que está escrito nas paredes).
O Google, que idolatramos como referência em inovação, está vivendo exatamente isso. Priorizaram os negócios já estabelecidos, negligenciaram a IA que estava sendo desenvolvida dentro de casa e agora, estão sofrendo com a perda gradual de relevância, enquanto a OpenAI abocanha o futuro. Finalmente, um novo case para que possamos parar de usar o exemplo da Kodak (por favor!). Ainda estão longe de se tornarem irrelevantes, mas esse erro serve como um lembrete importante do risco de não levar a sério caminhos mais arrojados.
Como está o portfólio de inovação e o apetite a risco em sua organização? Enquanto alguns se encolhem, o ataque pode ser uma das melhores estratégias. Nessa perspectiva, você não só avalia o retorno financeiro direto dos programas e as relações com startups, mas também o valor do aprendizado ao explorar novos territórios. O que significa o “custo de não entrar em IA”?
Como medimos a performance não só por retorno sobre o capital investido, mas também pelo impacto que tiveram no mercado ou nos processos internos da organização – ou seja, valor estratégico, financeiro, de competitividade e eficiência para balancear auma espécie de carteira de créditos da área. Com essa mentalidade, fugimos de métricas superficiais e quantitativas de anos anteriores, para justificar realizações mais consistentes em curto, médio e longo prazos – equilibrando ganhos e perdas para orientar próximos passos e contar histórias com melhores fundamentos e argumentos.
Chega de viver ciclo a ciclo, sempre correndo atrás do resultado trimestral ou anual. Se todos os incentivos miram apenas o curto prazo, a estratégia de longo prazo fica comprometida. O nível de retrabalho, descontinuidade e mudanças de humor, com base em novas tendências ou resultados ainda incipientes, representa um enorme furo no balde. Raros são os casos de corporações que se comprometem (e seguram a pressão) de uma visão estratégica em uma longa jornada de transformação composta por múltiplos horizontes temporais.
Sejamos sinceros: o imediatismo e a impulsividade, alimentados pelos mecanismos de incentivo executivos, impedem o tempo de maturação de excelentes iniciativas. Mexe-se tanto para lá e para cá, que a mínima consistência é impossível. Se hoje, os temas emergentes da vez são deep techs e a prática de venture building, falamos necessariamente de ciclos de desenvolvimento extensos, pacientes, complexos e caros. Se a sua organização não está disposta a lidar com esses fatores, aproximar-se desses temas só vai inflamar frustrações.
Sabemos que o portfólio de inovação precisa mostrar valor tanto nas melhorias imediatas quanto nas transformações mais profundas e sustentáveis. Isso exige maturidade, uma visão refinada do que significa assumir riscos em detrimento da ilusão de controle de todas as variáveis.
Bom, primeiro precisamos nos lembrar de que movimentos de contração e expansão do mercado são naturais e positivos, ainda que desconfortáveis. A escassez desafia a criatividade, elimina excessos, calibra expectativas e nos prepara para chegarmos melhores a outros ciclos.
Depois, reforçar que nada do que está aqui é uma aposta garantida. Uma coisa é evidente: as soluções não serão encontradas isoladamente por uma única pessoa ou organização. O que é sistêmico demanda uma abordagem coletiva, que envolva outros setores, players e conhecimentos. E aqui não tem papinho alternativo alienado dos interesses do negócio, pelo contrário. É sobre resultados financeiros e estratégicos sustentáveis. Resguardando conflitos de interesse e concorrência direta, o investimento e o trabalho multistakeholder em torno de desafios comuns são o que nos leva adiante.
O trabalho multistakeholder em torno de desafios comuns não é o princípio fundamental da inovação aberta? E foi com ele que chegamos a este novo artigo, por meio da interação ampla com outras pessoas. Se deixarmos os desafios atuais apenas nas mãos dos “especialistas”, estamos fazendo um desserviço ao ecossistema. Inovação tem a ver, por natureza, com recombinação de conhecimentos multidisciplinares. Ela precisa ser pensada por diferentes cabeças, em diferentes ângulos, e isso requer mais interação entre setores, profissionais, disciplinas e corporações.
Chegou até aqui? Muito obrigado! Nos vemos no próximo artigo e, caso tenha críticas e considerações, deixe nos comentários, compartilhe comigo!